Camilla Veras Mota – Valor Econômico
SÃO PAULO - As greves e paralisações dos últimos meses são resultado de uma "causalidade real" - um pedido plausível de aumento salarial e de melhores condições de trabalho - e de uma "oportunidade" apresentada pela Copa do Mundo, quando as demonstrações de insatisfação da população reverberam na imprensa em todo o mundo e as empresas e entidades públicas sentem maior pressão para negociar.
A avaliação, do sociólogo do trabalho e professor da Unicamp Ricardo Coltro Antunes, leva em conta ainda que esses movimentos são recentes, apesar de não necessariamente novos. "A grande greve dos trabalhadores da hidrelétrica de Jirau [em 2012], por exemplo, aconteceu fora de qualquer representação sindical", afirma.
As mobilizações dissidentes reiteram a crise do sindicalismo tradicional e o processo de criação de novos organismos de representação, argumenta o professor. O "fator novo", pondera, é o "efeito-manifestação". É difícil para uma categoria mobilizar uma greve contra o sindicato, afirma, organizar os trabalhadores por fora, bater de frente contra uma direção instituída. "Mas o Brasil mudou muito entre a Copa das Confederações e a Copa do Mundo. Esses movimentos acontecem agora em um momento em que a manifestação no espaço público se torna o predominante, visível para a sociedade, em um contexto de em que afloram todos os descontentamentos", completa.
O sociólogo chama atenção para a participação da CSP-Conlutas como coadjuvante em alguns desses movimentos - no caso dos rodoviários do Rio, por exemplo, a central apoiou a paralisação imprimindo panfletos e cedendo sua estrutura para as entrevistas coletivas.
A criação da entidade em 2010, afirma, é uma das consequências da reconfiguração do sindicalismo brasileiro, impulsionada, por sua vez, pela eleição do ex-presidente Lula, ligado à Central Única dos Trabalhadores (CUT), e pelas profundas mudanças no sistema produtivo e nas relações de trabalho. "Como há um cordão umbilical entre o PT e a CUT, a central passou a viver um dilema entre defender os trabalhadores ou apoiar o governo. Esse dilema acabou fortalecendo a Força Sindical, por exemplo, que entrou em várias áreas em que a CUT tinha hegemonia, e estimulou a criação de outras centrais, à direita e à esquerda, que também buscam seu espaço".
Clemente Ganz Lúcio, diretor técnico do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), lembra que o país passou por um incremento forte no emprego nos serviços. Não por acaso, as mobilizações têm acontecido via de regra justamente nesse setor, "que geralmente paga mal, em que o trabalho é muitas vezes precário e que tem menor experiência nas lutas coletivas".
Ele afirma que as reivindicações apresentadas até então são todas legítimas, mas ressalva que, muitas vezes, esses movimentos são incentivados por grupos com interesses políticos e até criminosos. "Mas sem dúvida é uma oportunidade para conquistar avanços", pondera. Lúcio, como Antunes, defende que o trabalhador não pode prescindir de uma estrutura sindical de representação para reivindicar suas demandas.
O professor da Unicamp defende, porém, que a figura do sindicato burocrata e das lideranças acomodadas tendem a desaparecer, pressionados pela ascensão econômica e social dos trabalhadores e pelas exigências por melhores serviços. "Alguns sindicatos estão tentando acompanhar essas mudanças, outros estão satisfeitos em continuar atrelados à burocracia sindical, ganhando sua fatia do imposto, a comissão das negociações sindicais. Mas isso vai acabar virando parte minoritária da história".
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