Camilla Veras Mota - Valor Econômico
SÃO PAULO - Nos primeiros dias de maio a cobradora Maura Lúcia Gonçalves e outros três colegas organizaram pela primeira vez uma passeata. Insatisfeitos com o reajuste de 10% assinado pelo sindicato em abril, que elevou o salário dos motoristas para R$ 1.957,86, eles conduziram "debaixo de chuva" 500 rodoviários pelas ruas do Rio. A marcha não teve muita repercussão. Maura pediu ajuda a conhecidos do sindicato dos petroleiros do Rio e da Central Sindical Popular, a Conlutas.
Conseguiu imprimir panfleto, emprestou um carro de som e, em paralelo, passou a convocar "no boca a boca e pelas redes sociais" os funcionários que, como eles, não estavam satisfeitos com os termos da convenção coletiva. Uma das principais reclamações dos rodoviários do Rio é a dupla função, instituída em 2003, que obriga motoristas a atuarem também como cobradores. No dia 8 de maio aconteceu a primeira grande paralisação, com quase 500 ônibus depredados. Na semana seguinte, 30 mil dos 40 mil rodoviários do Rio cruzaram os braços por dois dias.
As mobilizações de trabalhadores fora da estrutura sindical tradicional têm se multiplicado desde o começo do ano. A greve dos garis no Rio de Janeiro durante o Carnaval, dos trabalhadores do Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro em fevereiro e as paralisações dos rodoviários cariocas, goianos e paulistanos nas últimas semanas foram todas organizadas por grupos dissidentes, que rejeitavam o acordo coletivo fechado entre as entidades patronais e seus representantes sindicais. Na maioria das vezes, as redes sociais foram a principal ferramenta de articulação desses grupos. Para alguns especialistas, a emergência dessas mobilizações é resultado de um "efeito-Copa", em que as manifestações públicas de insatisfação reverberam na mídia global, mas também parte de um processo de reconfiguração pelo qual passa já há alguns anos o sindicalismo no Brasil, afetado pelas mudanças nas relações de trabalho e pela ascensão ao poder do partido que tem em sua base uma das principais centrais sindicais do país - a Central Única dos Trabalhadores (CUT) - com a eleição de Lula, em 2002.
Apesar dos pontos em comum, os movimentos têm se mostrado bastante heterogêneos. Em São Paulo, por exemplo, a paralisação dos rodoviários, ao contrário do que aconteceu na capital fluminense, foi feita sem muita organização prévia, nasceu da iniciativa de motoristas de uma empresa e acabou se disseminando por toda a cidade. Os dissidentes dos garis, por sua vez, foram os únicos que até agora manifestaram um interesse em fazer parte da estrutura sindical e montar uma chapa de oposição para as próximas eleições.
A cobradora Maura Lúcia, 50 anos, chegou a fazer parte do sindicato dos motoristas e cobradores do Rio (Sintraturb). Ela começou a trabalhar para a empresa Real em 1999, mas só dez anos depois resolveu sindicalizar-se, para "tentar mudar" as condições de trabalho a que ela e os colegas estavam submetidos. "Depois de pouco tempo vi que as mesmas pessoas se revezavam no poder e que ninguém fazia trabalho de base". Ela afirma que a campanha de dissídio foi fechada pelo sindicato sem a consulta dos rodoviários.
Célio Viana, que organizou os garis do Rio durante o Carnaval, conta que os funcionários da Companhia Municipal de Limpeza Urbana (Comlurb) procuraram o sindicato formalmente pelo menos três vezes para pedir a reabertura da negociação de dissídio, também feita sem a consulta dos trabalhadores, segundo ele. "A partir daquele momento o sindicato não nos representava mais", diz. A insatisfação era antiga, admite Viana, mas até então faltavam recursos para que eles se organizassem por fora. "Marcamos os encontros por Facebook, por e-mail e conseguimos adesão de 70% da categoria". Após oito dias em greve, os garis conseguiram reajuste de 37% e elevaram o salário a R$ 1,1 mil.
Também pelas redes sociais os líderes dissidentes marcaram uma nova reunião na última sexta-feira para debater uma agenda de mobilizações e cobrar da empresa o que foi prometido no acordo de fevereiro e ainda não foi cumprido - o plano odontológico, a participação nos lucros e o plano de cargos e salários. Hoje com 48 anos, Viana trabalha varrendo as ruas do Rio desde 2002. Ele diz que planeja compor uma chapa para concorrer em abril do próximo ano à direção do sindicato, mas afirma querer divulgar o estatuto entre os colegas para estimular a criação de outros núcleos de oposição.
Hélio Alfredo Teodoro, um dos líderes do movimento dos rodoviários no Rio, rejeita a ideia de encabeçar uma reformulação do sindicato. O movimento das últimas semanas, afirma, tem como objetivo específico a reabertura do dissídio e a discussão de um novo reajuste salarial de 40%. "Se no próximo ano o sindicato não negociar como querem os trabalhadores, vamos para a rua novamente", diz.
Os dissidentes farão amanhã uma nova assembleia para discutir possíveis paralisações nesta semana.
Segundo Maura, não houve até o momento nenhuma reunião com as empresas da Rio Ônibus, que representa os consórcios que operam o transporte público na cidade. Na semana passada, os líderes foram intimados a prestar esclarecimentos na Delegacia de Defesa de Serviços Delegados (DDSD), na Cidade da Polícia (complexo de investigação policial), sobre as depredações de ônibus no começo do mês.
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