De um homem público capaz de negar evidências inquestionáveis e cometer perjúrio perante uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) pode-se esperar toda sorte de transgressão de princípios legais e morais. Por isso não causou espanto que, mais uma vez se prevalecendo do poder que lhe confere a presidência da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ) tenha assumido uma atitude que só pode ser interpretada como oferta ao Planalto de uma despudorada barganha, ao manifestar a opinião de que, “por si só”, o fato de o governo ter praticado as chamadas pedaladas fiscais “não significa que seja razão do pedido de impeachment” da presidente Dilma Rousseff. O bloqueio das contas da família Cunha na Suíça e o sequestro desse dinheiro determinado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) acabaram levando o presidente da Câmara à óbvia tentativa de oferecer seu poder de barrar o impeachment em troca de apoio político do Planalto para obter no Conselho de Ética da Câmara e, se for o caso, no plenário da Casa, os votos necessários para impedir a cassação de seu mandato.
Na Suprema Corte não parece haver dúvidas sobre a existência das contas que Eduardo Cunha nega ter na Suíça, bem como da origem desses valores. A atitude do deputado, aliás, é indício claro de que a origem do dinheiro é suspeita, porque o simples fato de manter contas bancárias no estrangeiro não é crime. A não ser que elas tenham sido abertas em desacordo com a legislação brasileira e sirvam a propósitos espúrios. É exatamente disso que parece convencido o ministro Teori Zavascki, que ao decretar o sequestro de quase R$ 10 milhões de duas contas de Cunha na Suíça argumentou que há “indícios suficientes de que os valores eram provenientes de atividades criminosas”. Entendeu ainda o ministro que, uma vez que a investigação iniciada pela Justiça suíça foi transferida para o Brasil, havia “evidente risco de desbloqueio e consequente dissipação desses valores”. O dinheiro ficará agora bloqueado em conta judicial no País, até a conclusão do processo em que Cunha é réu.
Em mais uma demonstração de que o presidente da Câmara não poderá contar senão com o rigor do STF, o ministro Teori Zavascki também indeferiu, na quarta-feira, o pedido da defesa de Eduardo Cunha para que o inquérito sobre as contas na Suíça tramitasse sob segredo de Justiça.
O parlamentar peemedebista continua fazendo tudo o que está ao seu alcance, como presidente da Câmara, para protelar as decisões que não lhe interessam. Pelo Regimento Interno da Casa, cabe à Mesa, sem julgamento de mérito, protocolar todos os requerimentos encaminhados pelos deputados ou pelas bancadas, deferi-los ou indeferi-los ou ainda encaminhá-los, quando é o caso, para decisão plenária. Cunha tem sistematicamente esticado os prazos para essas medidas burocráticas da Mesa ao limite máximo permitido pelo Regimento. Isso retarda, por exemplo, o funcionamento do Conselho de Ética, que terá de se manifestar sobre o pedido de cassação do mandato de Cunha por quebra de decoro parlamentar.
Como já afirmamos, a desfaçatez com que o parlamentar peemedebista coloca a Casa que preside a serviço de seus interesses pessoais enodoa a imagem de todo o Poder Legislativo e agrava o descrédito dos brasileiros nas instituições políticas. Pior ainda quando essa manobra espúria envolve a chantagem política que faz com a presidente da República, sobre cuja cabeça pesa a ameaça de impeachment. E é absolutamente inaceitável, na perspectiva do respeito devido às instituições democráticas, que Dilma Rousseff esteja pronta, ansiosa mesmo, por fazer tudo o que estiver a seu alcance – fazer “o diabo”, como ela afirma – para se livrar da punição que seria o seu afastamento da Presidência da República. Essa medida, obviamente, exige estrita obediência aos preceitos constitucionais e à lei ordinária, ainda que corresponda ao desejo claramente manifestado, nas ruas e nas pesquisas de opinião, pela maioria esmagadora dos brasileiros.
Dilma Rousseff e Eduardo Cunha têm lá suas peculiaridades, mas são todos farinha do mesmo saco. Fizeram tudo de errado que podiam fazer no exercício de elevadas funções públicas que a Nação lhes confiou. Agora, esperneiam, tentando ganhar tempo, mas seu destino está selado. Deixá-los impunes equivaleria à decretação da falência de nossas instituições democráticas.
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