- O Globo
A economia argentina está estagnada e com inflação de 25%, mas a taxa pode ser maior, já que o governo manipula os indicadores. A pobreza está aumentando, o déficit primário é de 6% do PIB, o Judiciário está tolhido, e o país, isolado internacionalmente. Ainda assim, o candidato apoiado por Cristina Kirchner está na frente nas pesquisas para as eleições de amanhã. O país vive ainda à sombra de Perón.
O Brasil enfrenta grave crise, mas o país não aceita certos absurdos. A presidente Dilma manipulou indicadores fiscais e está respondendo por isso com ameaça, inclusive, de perda de mandato; a inflação brasileira está perto de 10% e o nível é considerado intolerável. Na Argentina, convive-se há anos com uma taxa de dois dígitos e o fato de que o órgão oficial de estatística manipula ou omite indicadores. O percentual de pobres deixou de ser divulgado porque, segundo o governo, isso “estigmatiza” as pessoas de baixa renda. Um argumento falso, o que se quer é esconder o aumento da pobreza.
O governador da Província de Buenos Aires, Daniel Scioli, o candidato apoiado por Cristina Kirchner, está na frente neste primeiro turno. Se tiver 40% dos votos, ganha já no domingo. O candidato da oposição Mauricio Macri é o prefeito de Buenos Aires. Assim, a disputa volta a se dar em torno dos políticos da capital.
O pior lado da cultura política argentina é o incompreensível apego a uma liderança que surgiu nos anos 1940. É mais ou menos como se a sombra de Getúlio Vargas dominasse a política brasileira. Há vários candidatos peronistas e ainda em torno dessa figura completamente desatualizada é que o debate se dá no país, com os candidatos querendo provar que são mais genuinamente peronistas. Scioli inclusive já nomeou a sobrinha-neta de Eva Perón como ministra, caso se confirme sua eleição.
O período Cristina Kirchner chega ao fim deixando como legado uma devastação econômica, mas ela permanece com popularidade remanescente, tanto que o candidato que apoiou está na frente. Scioli faz aquele jogo de sempre: aceita o apoio, mas fala em renovação e dá sinais aos investidores que iniciará uma era de maior controle das contas públicas.
Os argentinos são o melhor exemplo do caminho econômico que o Brasil deveria evitar, mas o atual governo parece querer seguir. A inflação oscila entre 25% a 35% ao ano. Ninguém sabe ao certo. O que se tem certeza é que o número do órgão oficial de estatística, 15%, está subestimado.
O dólar por lá tem um mercado oficial, cotado a 9,5 pesos, e outros dois paralelos, um legal, e outro ilegal, onde se compra a moeda americana com preços em torno de 14 a 16 pesos. Com baixas reservas cambiais, o governo impõe à população e às empresas um regime de controle no câmbio.
Para comprar moeda americana, é preciso enviar uma justificativa formal ao órgão responsável. O turista tem que mostrar a passagem comprada e dizer quantos dias pretende ficar no exterior. A empresa importadora tem que explicar a razão da compra, e muitas vezes fecha a encomenda, mas não consegue os dólares com o Banco Central. Fica inadimplente. Já as multinacionais têm dificuldade de enviar lucros para as matrizes fora do país.
O economista do Itaú Unibanco Juan Barboza, que acompanha a economia argentina, diz que o novo governo terá que enfrentar uma série de ajustes no ano que vem. Além disso, o país tem a pior classificação de risco pelas agências, CCC, porque não consegue chegar a um acordo com seus credores para pagar a dívida externa. Está banida do mercado internacional de crédito.
— Nossa projeção é de crescimento zero do PIB no ano que vem, com uma inflação de 35%. O novo governo terá que cortar subsídios e outros gastos, e também terá que elevar os juros e permitir a desvalorização do peso. Haverá uma forte perda na renda da população — disse Barboza.
A recessão no Brasil afeta os argentinos. O Brasil é o principal parceiro do país, mas produtos brasileiros enfrentam barreiras comerciais e cambiais. A corrente de comércio entre os dois países já está 18% menor de janeiro a setembro deste ano, em relação ao mesmo período do ano passado. Nós não estamos bem e sabemos disso, mas a Argentina continua sendo o caminho a ser evitado.
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