Juízes, promotores e procuradores do Paraná abriram uma guerra de intimidação contra o maior e mais antigo jornal do Estado, a Gazeta do Povo, por motivos obscuros. Cinco jornalistas do diário revelaram em reportagens em 15 de fevereiro que, em média, membros do Tribunal de Justiça e Ministério Público estaduais receberam salários no ano que superam em 28% e 23%, respectivamente, o teto salarial do funcionalismo público. Não se trata de um caso de invasão de privacidade, obtenção de documentos sigilosos por meios ilegais ou denúncias anônimas - usaram os dados disponíveis a qualquer cidadão que estão no portal da transparência do Tribunal de Justiça. A ira dos magistrados está custando caro aos jornalistas: mais de três dezenas de ações em juizados especiais, espalhadas por 15 cidades. O total de indenizações monta a R$ 1,3 milhão.
Os juízes do Paraná estão utilizando métodos semelhantes aos da Igreja Universal do Reino de Deus contra a "Folha de S. Paulo" em 2008, pulverizando as ações geograficamente para tornar inviável a defesa do jornal e prejudicá-lo financeiramente. A via crucis dos jornalistas passou por 19 audiências e há mais a caminho. O objetivo desta estratégia, segundo a Associação Nacional dos Jornais, "é intimidar, retaliar e constranger o livre exercício do jornalismo".
A Associação dos Magistrados do Paraná, que representa a corporação, viu no arrazoado equilibrado, repleto de números e pobre em adjetivos, como deve ser um relato objetivo, "conteúdo ofensivo à magistratura e ao Ministério Público". A Ampar diz que a reportagem sugere que magistrados e juízes "estariam a praticar ato ilícito, improbidade administrativa, desvio funcional e até crime".
Não há insinuações na reportagem, e sim conclusões baseadas em dados oferecidos pelo próprio TJ. O teto salarial do funcionalismo é de R$ 33,7 mil, mas uma série de benefícios legais, que variam por Estado, fizeram com que em janeiro determinado juiz paranaense recebesse R$ 148,7 mil reais, em um rol em que não é incomum valores acima de R$ 120 mil. No MP, o salário máximo coletado no mês foi de R$ 80,7 mil. Em nenhum momento a reportagem qualifica os vencimentos dessa elite do funcionalismo de ilegal, imoral ou indevida. E, como requer o bom jornalismo, tanto o TJ quanto o Ministério Público foram procurados para explicar as diferenças entre o teto e o efetivamente pago.
O retrato feito pela Gazeta do Povo é real e o caso do Paraná não é único e talvez nem aquele em que vantagens pecuniárias sejam maiores. Leis federais ou estaduais criaram uma série de indenizações que passaram em alguns casos a ser tão importantes quanto o salário. Há pelo menos 10 benefícios a que membros do Judiciário têm direito e a lista pode crescer. (Época, 3 de julho de 2015).
Há Estados que pagam auxílio-adoção, de 2 a 3 salários mínimos ao adotado até que ele complete 24 anos. Outros pagam auxílio moradia de R$ 4.337, independente do fato de o juiz residir na cidade em que trabalha. O auxílio-saúde pode perfazer até 10% do salário base, com gastos reembolsáveis de R$ 2 mil a R$ 3 mil para o cônjuge e metade disso por dependente. Em alguns Estados, sequer se exige comprovação de despesas. Vários Estados pagam o auxílio-educação, de R$ 950, para filhos de 8 a 24 anos, e outros tantos incluem também auxílio-funeral, auxílio-creche, auxílio com despesas de livros jurídicos e com informática. É geral o pagamento de verbas por acúmulo de jurisdição ou função administrativa.
A categoria, porém, não está satisfeita. Uma comissão do STF está revendo a Lei Orgânica da Magistratura Nacional, elevando a lista de 10 para 21 indenizações, criando benefícios, aumentando o valor dos existentes, ou ambos, além de estabelecer 17 salários anuais. A minuta do projeto está em discussão no Judiciário.
Na linha de frente para elevar o teto dos servidores, o Judiciário, com os funcionários mais bem pagos do país, terá agora de apertar os cintos e rever os privilégios que concedeu a si próprio. Se a PEC de limitação dos gastos públicos passar, juízes e magistrados deverão se incorporar ao esforço de austeridade. A adoção de um teto real, que incorpore parte dos benefícios extras e elimine outros descabidos, seria a forma certa e justa para economizar recursos públicos. O que a Gazeta do Povo se limitou a mostrar é que há exageros e que sua pertinência merece reflexão.
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