• Sem apoio político, a excelente equipe econômica montada pelo presidente interino pouco poderá fazer
- Valor Econômico
No dia 28 de julho lançaremos uma coletânea com todos nossos artigos publicados neste espaço do Valor, entre 2010 e 2015(*). O livro intitula-se "Crônicas de uma crise anunciada", com subtítulo "A falência da economia brasileira documentada mês a mês". Sua organização foi uma oportunidade para repensarmos, relendo cada uma das crônicas, os erros que levaram o país à mais grave crise econômica de sua história. E também para avaliarmos, diante da mudança de governo, se os equívocos foram deixados para trás ou não.
Uma primeira constatação é que a crise atual poderia ter sido evitada. Os problemas por que passa o Brasil não foram causados por choques externos, por crise internacional ou por qualquer força alheia ao controle do país. Foram problemas autoinfligidos, gerados pela política econômica intervencionista adotada após a crise do subprime em 2008, e intensificada ao limite ao longo do primeiro governo de Dilma Rousseff.
O conjunto dessas políticas, que recebeu a alcunha de Nova Matriz Econômica, significou uma guinada de 180 graus em relação à rota seguida durante o governo Fernando Henrique Cardoso e o primeiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva. A racionalidade econômica, que havia colocado o Brasil em uma saudável trajetória de crescimento e baixa inflação, foi deliberadamente abandonada.
A Nova Matriz Econômica consistiu na implantação de ideias gestadas em escolas de economia heterodoxas ao longo de vários anos. Havia quase unanimidade no campo desenvolvimentista a seu favor e mesmo um grande entusiasmo. Seus idealizadores esperavam aceleração do crescimento, um grande ciclo virtuoso para a indústria nacional, bem como contínua redução da pobreza. Hoje muitos de seus inspiradores rejeitam sua paternidade.
Seus principais itens eram a redução forçada da taxa de juros, o controle da taxa real de câmbio, a expansão acelerada dos gastos públicos, os empréstimos do Tesouro aos bancos públicos, o aumento da proteção comercial, a ampliação das políticas industriais - via crédito subsidiado, isenções tributárias, índices de nacionalização, e outros favorecimentos. Quando, em meados de 2013, o fracasso tornou-se evidente, o governo decidiu controlar a inflação contendo preços de derivados de petróleo e de energia elétrica, bem como impedir a desvalorização cambial vendendo US$ 100 bilhões em swaps.
O experimento desenvolvimentista fracassou retumbantemente. Muitas daquelas políticas foram gradualmente abandonadas ao longo do tempo. Mas elas deixaram como herança a deterioração acentuada do ambiente de negócios, a enorme desorganização das contas públicas, o crescimento acelerado da dívida pública bruta, a estagnação da indústria, o alto endividamento das empresas estatais, entre outras mazelas que culminaram na perda do grau de investimento e na maior recessão da história brasileira.
A posse do novo governo levou a uma mudança radical de rumo, gerando grande revisão de expectativas quanto ao futuro. Parte do otimismo justifica-se principalmente na dimensão microeconômica e no ambiente de negócios. Há uma clara mensagem, com as excelentes nomeações para Petrobras, Eletrobras e BNDES, de que o jogo mudou e que as empresas públicas serão geridas profissionalmente, e não como linha auxiliar de um partido político. As transferências e subsídios a grupos de interesse já estão sob revisão. Inicia-se um processo potencialmente bem estruturado de privatizações e concessões. Aponta-se para a reversão de regulações altamente danosas, como a legislação do pré-sal e a do setor elétrico, bem como para a despolitização e desaparelhamento das agências regulatórias e outras instâncias governamentais.
Mas persistem incertezas quando se considera o quadro fiscal. O elevado déficit primário de R$ 170 bilhões em 2016, apresentado como sintoma da transparência de um governo que repudia a contabilidade criativa, soou como uma licença para gastar. Aumentos generosos aos funcionários públicos contradizem a necessidade premente de austeridade. O acordo de rolagem das dívidas estaduais, sem contrapartidas rígidas, constitui um endosso federal à prodigalidade dos maus governadores. Os exemplos são muitos.
O déficit primário planejado de R$ 139 bilhões em 2017 foi anunciado como uma vitória do Ministério da Fazenda sobre o núcleo político, que queria repetir os R$ 170 bilhões. Na verdade, uma vitória dúbia, pois diante de um crescimento próximo de zero e juros reais ainda elevados, mantém-se a trajetória da dívida pública rumo à insolvência.
Os mercados mantêm a lua de mel com o novo governo, apostando na aprovação da emenda constitucional que fixa o nível real de gastos de 2016 por dez anos, mas sem a (difícil) aprovação da reforma da previdência não há como cumprir o teto das despesas. Sem apoio político, a excelente equipe econômica montada pelo presidente interino pouco poderá fazer. Esperemos que, daqui a cinco anos, a próxima coletânea de artigos não se intitule "Crônicas de uma crise recorrente".
(*) 28 de junho (5ª feira) às 19h. Livraria da Travessa, Shopping Leblon, Av. Afrânio de Mello Franco 290, loja 205-A.
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Pedro Cavalcanti Ferreira e Renato Fragelli Cardoso são professores da Escola de Pós-graduação em Economia
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