• A velha característica de FHC voltou a Brasília, agora a crise entra no palácio e, quando sai, está menor
- O Globo
Temer estabiliza seu governo com sangue-frio. Antes mesmo de completar cem dias, Michel Temer conseguiu dar estabilidade ao seu governo. Começou da pior maneira possível, com um ministério pífio e contaminado, cercado de suspeitas e de ligações inconvenientes. A mágica tem um nome: calma, sangue-frio ou mesmo serenidade.
Temer chegou ao Planalto com duas décadas de vida parlamentar, uma experiência que faltou a Dilma Rousseff. Essa parece ser uma característica trivial, mas o bom parlamentar ouve, contém as emoções e, sobretudo, respeita o contraditório, mesmo quando ele carrega tolices a serviço da desonestidade. Temer não move os músculos do rosto, parece falar por meio de um sintetizador calibrado para um só tom e, apesar de gesticular com alguma teatralidade, é suave até quando bate com a mão na mesa. Convivendo com a rotina do Congresso e longos discursos inúteis, o bom parlamentar não tem pressa.
Por não ter pressa, Temer deixou que Eduardo Cunha fosse frito na própria gordura. Talvez não devesse tê-lo recebido no Jaburu, mas daqui a mais um mês ninguém se lembrará disso. A estabilidade trazida pela mágica da calma foi ajudada pela esperança que a blindagem de Henrique Meirelles levou para o Ministério da Fazenda. Por enquanto, na panela da ekipekonômica há muito pirão e pouca carne. Felizmente, o mercado compra esperança, e o novo governo mostrou que, com o afastamento dos pedalantes, pior a coisa não fica (isso admitindo-se que será interrompida a ocupação de alguns corredores do governo pela mais vulgar das privatarias).
Como calma, serenidade e experiência parlamentar não bastam, José Sarney fez um governo ruinoso. Abençoado pelas mesma virtudes, Itamar Franco queimou três ministros da Fazenda em seis meses e ia pelo mesmo caminho até que foi salvo pelo gongo ao terceirizar a gestão, entregando-a a Fernando Henrique Cardoso. Em 1993, FHC entrou numa sala onde havia um tigre, a inflação. Matando-o, conseguiu enfrentar as jaguatiricas, os lobos-guarás e as cascavéis da desordem econômica. Meirelles entrou numa sala onde não há o tigre, mas os bichos menores mandam no pedaço. Na ponta do lápis, calculando-se gastos e economias, é um ministro gastador que promete os rios de mel da austeridade.
Com calma e experiência parlamentar, Temer equilibrou o barco, mas é improvável que venha a aprovar as reformas que vagamente promete. A da Previdência, nem FHC conseguiu da maneira como queria. Vale lembrar que ele se elegeu em 1994 prometendo essa reforma e, portanto, tinha mandato popular para fazê-la. Na narrativa entristecida de FHC, Temer ajudou a aprovar o que era possível.
Temer também teve sorte. O PT ainda não acordou da pancada do início do processo de impedimento, e Dilma Rousseff percorre plateias amigas cada vez menores, com falas cada vez mais desconexas. Na última, comparou o seu infortúnio aos acontecimentos da Turquia. A voz das ruas pedindo seu retorno mostrou-se um sonho. Num toque inesquecível, artistas e intelectuais prometem dois grandes espetáculos, um no Rio. O outro, se possível, em Nova York.
Em clima de Jogos Olímpicos, o melhor que se pode fazer é torcer. Com uma vantagem: o Brasil não tem (ainda) um Donald Trump.
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Elio Gaspari é jornalista
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