Michel Temer, não por acaso, se apressou em criar um órgão para cuidar exclusivamente das parcerias da União com o setor privado. O presidente interino assumiu o cargo ciente de que a enorme crise fiscal limitaria não apenas os investimentos públicos, mas a capacidade de o governo continuar induzindo os aportes privados por meio de subsídios. Diante desse quadro, a antiga e complicada missão de colocar de pé o financiamento privado nas concessões de infraestrutura se mostra ainda mais premente.
Hoje, quase todos os projetos dependem do dinheiro do Banco de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), que após anos recebendo vultosos repasses do Tesouro, passa agora por severas restrições para captar recursos e emprestar a longo prazo. Para ocupar esse espaço, as instituições financeiras privadas ainda cobram prêmios elevados, que em boa medida refletem os riscos e a insegurança jurídica dos projetos.
Merece consideração, nesse contexto, a iniciativa do governo de criar um mecanismo para garantir que os empréstimos feitos às concessionárias de serviços de infraestrutura sejam honrados. Um projeto de lei que está em gestação pretende isolar uma parte das receitas das empresas em uma conta destinada exclusivamente ao serviço da dívida. Em caso de quebra da concessionária - uma das maiores aflições dos financiadores -, a conta ficaria totalmente preservada.
Mesmo bem sucedida, a iniciativa certamente não resolverá de vez o problema. As dificuldades para convencer os bancos privados a financiar obras de infraestrutura vêm desde a década de 1990, quando foi criada a Lei de Concessões (8.987/95). O principal obstáculo é o correto dimensionamento dos riscos associados aos projetos - especialmente os custos dos corriqueiros atrasos nas obras, as variações nas previsões de demanda e a instabilidade das regras.
O equacionamento desses riscos é o único caminho para tornar a infraestrutura um investimento mais tentador para os financiadores privados, sejam os bancos ou o mercado de capitais. A reversão do quadro atual passa, inevitavelmente, por um banho de credibilidade nas agências reguladoras. O Brasil se acostumou a assistir ao apadrinhamento e à interferência sistemática de políticos nesses órgãos, que deveriam ser eminentemente técnicos e dispor de todos os recursos necessários para fazer a interface adequada entre as concessionárias, os usuários dos serviços e o poder público.
Há sinais de que o governo Temer quer dar maior autonomia às agências reguladoras, iniciativa que merece aplauso se realmente sair do mundo das intenções. A dificuldade que Temer enfrentou na semana passada para reduzir a influência e a ocupação de dos cargos das estatais por políticos dá uma ideia da dimensão do desafio.
Outras medidas para fomentar o financiamento privado na infraestrutura estão em análise no governo, como o uso de uma parte dos quase R$ 150 bilhões em depósitos judiciais ou a aquisição, pelo FI-FGTS, de letras de infraestrutura que seriam emitidas pelos bancos. Não menos importante é a capitalização do fundo garantidor de infraestrutura, previsto para funcionar no âmbito da Agência Brasileira de Fundos Garantidores, criada em 2013. Técnicos do governo afirmam que, para funcionar, ele precisa de um aporte de ao menos R$ 1 bilhão.
Tudo isso não afasta a necessidade de participação do BNDES. Apesar de estar determinado a reduzir substancialmente o peso do banco no financiamento das concessões, o governo reconhece que, sem ele, o programa não decola. Antes de definir quanto o BNDES irá emprestar, o desafio do momento é resolver pendências antigas. Concessionárias que venceram leilões de rodovias de 2014 - algumas envolvidas na Operação Lava-Jato - ainda estão esperando a liberação dos financiamentos acertados. Há empresas que, sem caixa, abandonaram os canteiros de obras e estão em vias de perder a concessão.
O financiamento privado desse setor não é um desafio apenas brasileiro. O Banco Mundial estima que seriam necessários quase US$ 850 bilhões por ano somente para manter a infraestrutura dos países em desenvolvimento. Apesar dos percalços, cabe ao Brasil aceitar o fato de que a dependência exclusiva do dinheiro público faz parte do passado e que a deterioração das estradas, portos, ferrovias e aeroportos deixa o futuro cada vez mais distante.
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