segunda-feira, 4 de julho de 2016

Congresso articula criação de leniência para salvar partidos

Por Raymundo Costa – Valor Econômico

BRASÍLIA - Retraídos por causa da divulgação do áudio das conversas do ex-senador Sérgio Machado com os principais líderes do Senado, os partidos desaceleraram as articulações para a votação de projetos cuja aprovação deve de alguma maneira interferir no andamento da Operação Lava-Jato. O assunto, no entanto, não está morto e deve ser retomado provavelmente depois das eleições municipais de outubro.

O tema mais comum das conversas nos bastidores são as mudanças na delação premiada, mas o Valor apurou que a instituição da leniência partidária - ou algo parecido - é vista como inevitável. Se não for instituída, os atuais partidos estariam condenados à insolvência e extinção, segundo líderes.

Se os 28 partidos atualmente representados na Câmara dos Deputados receberem uma multa equivalente a R$ 8 bilhões, ao fim do processo da Lava-Jato, todos deixariam de receber o fundo partidário por dez anos, segundo um cálculo feito numa reunião recente com integrantes de partidos de todos os matizes. Inclusive do Rede Sustentabilidade de Marina Silva.

O cálculo não é nenhum absurdo, na opinião dos parlamentares. Basta verificar que apenas o PT foi multado em R$ 23 milhões, pelo Tribunal Superior Eleitoral, por irregularidades cometidas no mensalão. E o esquema de compra de votos no Congresso (mensalão) não passaria de migalha quando comparado com os números do petrolão, o megaesquema de corrupção na Petrobras investigado pela Operação Lava-Jato.

Com as delações premiadas dos executivos da Odebrecht e de Leo Pinheiro, "o amigo pluripartidário" da OAS, como é referido nos partidos, a expectativa é de que todos os partidos sejam atingidos. Situação e oposição. Nesse cenário de terra arrasada é que começou a ser discutida a leniência partidária seguindo o modelo feito por empresas, em que assumem crimes e são condenadas a pagar multas. O projeto não chegou a ser apresentado na Câmara, pois sofreu alguns reveses.

O primeiro revés foi a notícia de que a proposta era apoiada pelo ex-ministro José Dirceu e pelo ex-tesoureiro do PT João Vaccari Neto, atualmente presos em Curitiba. Dirceu desmentiu as notícias, mas o fato é que o PT participa efetivamente das conversas sobre o assunto. O segundo foram os áudios com as gravações feitas por Machado.


Em suas conversas com Renan Calheiros, presidente do Senado, o presidente do PMDB, Romero Jucá e o ex-presidente José Sarney, Machado flagra um universo preocupado em "estancar a sangria" da Lava-Jato, às voltas com ideias como a celebração de um pacto para barrar o avanço das investigações desencadeadas a partir de Curitiba. O comprometimento sobretudo de Renan Calheiros, que deveria liderar as mudanças na legislação, fez os partidos se encolherem e entrarem na muda.

Na prática, as mudanças na legislação que podem interferir no andamento da Lava-Jato já eram discutidas antes das gravações feitas por Machado e continuaram depois, agora mais retraídas. É assunto que transcende o parlamento. Em janeiro, um grupo de advogados, alguns deles de defensores de pessoas arroladas na operação, lançou um manifesto com duras críticas às investigações conduzidas pelo juiz Sergio Moro, em especial ao instituto da delação premiada. As posições assumidas na carta, reiteradas numa entrevista, custaram ao advogado Antonio Cláudio Mariz de Oliveira o cargo de ministro da Justiça do governo de Michel Temer.

Atualmente, no Congresso, tramitam oito projetos de lei que tratam da delação premiada. Uns aguardam na fila desde o início de 2015, caso de uma proposta apresentada pelo deputado Heráclito Fortes (PSB-PI). O projeto prevê que as informações prestadas pelo delator não podem ser mais tarde modificadas. Fortes - que aparece na delação de Sérgio Machado como beneficiário de doações suspeitas - diz que a intenção de seu projeto é "punir quem mente".

Cita o caso do empresário Lucio Bolonha Funaro, preso na sexta-feira em mais uma etapa da Lava-Jato, que já fez delação e depois voltou atrás. E ele não foi o único, à época da CPI do Banestado. O próprio Sergio Moro já anulou delação no âmbito da Lava-Jato, caso de Fernando Moura, ligado ao PT, que reconheceu ter mentido na sua delação e voltou para a prisão a fim de cumprir pena de 16 anos.

A criticada CPI da Petrobras deu origem a três dos oito projetos em tramitação, todos assinados pelo deputado que presidiu a comissão, Hugo Motta (PMDB-PB), e pelo relator, deputado Luiz Sérgio (PT-RJ). O objetivo de pelo menos dois dos projetos é restringir o área de incidência da delação premiada. O projeto considerado mais completo sobre o tema foi apresentado pelo deputado Wadih Damous (PT-RJ).

A proposta do deputado prevê uma série de mudanças. Estabelece, por exemplo, que pessoas presas não tem direito à delação, "para evitar que a prisão cautelar seja utilizada como instrumento psicológico de pressão sobre o acusado ou indiciado, o que fere a dignidade da pessoa humana, alicerce do estado democrático de direito". Damous diz que seu projeto reflete sobretudo uma "uma discussão acadêmica" entre advogados, procuradores públicos e magistrados.

De acordo com um líder partidário que participa das conversas, a ideia comum dos partidos é fazer uma risca de giz demarcando passado e presente, algo como "o que passou, passou; daqui pra frente tudo vai ser diferente", sem parecer que se assou uma pizza. Não será possível que ninguém pague nada. O tamanho da intervenção a ser feita para salvar os partidos e na legislação anticorrupção vai depender da capacidade da classe política de convencer sobre a necessidade das mudanças, num momento em que os políticos, de modo geral, estão com as ações em baixa.

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