Ricardo Noblat | O Globo
Foi política a decisão da ministra Cármen Lúcia, presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), de homologar a delação premiada dos 77 executivos da Odebrecht sem quebrar o sigilo sobre seu conteúdo. Decisão alguma de magistrado é unicamente jurídica. Leva em conta o que diz a lei, mas a interpreta a seu gosto.
Cármen poderia ter deixado a decisão para o substituto do ministro Teori Zavascki, a ser nomeado por Temer. Ou para o substituto de Teori na relatoria da Lava-Jato, a ser definido pelo STF.
Manda o regimento interno do STF que o novo ministro herde os processos do ministro a quem sucede. Mas também permite que os processos sejam redistribuídos entre os ministros restantes.
Foi política a decisão de Temer de preferir esperar que o STF designe o relator da Lava- Jato para só depois indicar o substituto de Teori. Assim como política foi a decisão de Cármen de concordar com a ideia. A ideia pode até ter sido dela e apenas aceita por Temer, mas isso importa menos. Os dois jogam afinados. Temer foi autor do primeiro lance, preocupado em que não se diga que quer controlar a Lava-Jato.
Cármen foi autora do segundo, o de manter sigilo sobre as delações. A quebra do sigilo, logo esta semana, poderia tumultuar as eleições para presidentes da Câmara e do Senado.
Temer aposta na reeleição de Rodrigo Maia (DEM-RJ) na Câmara e na eleição de Eunício Oliveira (PMDB-CE) no Senado. Conta com o apoio deles para governar.
Com uma mão, Cármen ficou bem na foto ao homologar a delação. Com a outra, ficou bem com Temer e mal na foto ao manter o conteúdo da delação em segredo.
Caberá ao novo relator da Lava-Jato dar o passo que Cármen não ousou dar. Antes que decida fazê-lo ou não, é provável que sejamos contemplados com vazamentos seletivos das delações.
Já somos crescidinhos o bastante para conhecermos a verdade. Servi-la em pílulas só alimenta especulações e aumenta a desconfiança.
Nenhum comentário:
Postar um comentário