- O Estado de S.Paulo
Entre o início de tramitação no Congresso e a aprovação, a reforma da legislação trabalhista saiu em cinco meses. Digamos que seja prazo recorde para um assunto complexo que mexe com tantos interesses. Nessas condições, é natural que tenham sobrado rebarbas para serem aparadas. Vamos a algumas.
A questão sindical é uma delas. O fim da contribuição obrigatória veio ajudar a separar sindicatos sérios dos sindicatos pelegos. Mas não mexeu na estrutura sindical e, por isso, manteve problemas que o sindicalismo carrega há anos. Um deles é o princípio da unicidade, que garante a existência de apenas um sindicato por categoria em cada município. Assim, sindicatos pouco identificados com a defesa dos trabalhadores seguirão como seus representantes na negociação coletiva. A medida provisória que o governo elabora para os ajustes deverá de alguma forma rever o fim da obrigatoriedade do imposto sindical. A ideia é garantir algum repasse quando o sindicato atuar em negociações coletivas. Mas o texto da lei passa ao largo da tão insistentemente reivindicada reforma sindical, algo que exigiria alteração da Constituição.
O questionamento mais comum entre os especialistas foca o tratamento legal a ser dado ao profissional autônomo. Até agora, a exclusividade e a frequência à empresa eram suficientes para caracterizar vínculo empregatício. Pela nova lei, só haverá comprovação do vínculo com subordinação à empresa. Flávia Martins Azevedo, sócia do escritório Veirano, observa que tudo fica subjetivo porque não está definido o que seja essa relação de subordinação.
Se falta definição por um lado, sobra por outro, sem que o excesso resolva os problemas. O professor Paulo Paiva, da Fundação Dom Cabral, cita como exemplo a questão do assédio moral nas relações de trabalho. A ideia do legislador foi delimitar as situações passíveis de punição, mas a delimitação deixou de fora outras formas de bullying, como, por exemplo, as motivadas por questões religiosas. Além disso, como a indenização é calculada com base no salário do ofendido, um mesmo tipo de ofensa pode ser punido com multa maior ou menor, a depender do salário do reclamante, o que não deixa de ser estranho, porque sugere que funcionário de baixa remuneração esteja mais exposto.
Para a advogada Maria Lúcia Benhame, outro problema são as contradições entre artigos novos e outros, mantidos na CLT ou existentes na Constituição. Exemplo disso é a permanência de gestantes e lactantes em locais insalubres. Pela nova lei, essa permanência dependerá de atestado médico, em vez de impor afastamento imediato. Essa determinação pode ser questionada na Justiça por se contrapor ao artigo 7.º da Constituição que determina como direito do trabalhador a redução de riscos à saúde, higiene e segurança.
Também entre as contradições está a alteração que garante a não incidência de prêmios e abonos à base de cálculo das contribuições previdenciárias. “Pela Constituição (art. 195), o que foi pago ao trabalhador compõe o recolhimento à Previdência”, adverte Juliana Dal Moro Amarante, do escritório de advocacia Rolim de Mello.
Embora a reforma preveja emissão de medida provisória que corrija eventuais defeitos de costura da nova lei, é provável que a prática acabe apontando outras. Ou seja, a reforma é obra não terminada.
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