Experimentando índices elevadíssimos de impopularidade, o presidente Michel Temer (PMDB) se aproxima de mais um difícil teste político-institucional com a votação na Câmara dos Deputados, marcada para esta semana, da denúncia contra ele apresentada pela Procuradoria-Geral da República.
Os fatos que fundamentam a peça acusatória são, a esta altura, largamente conhecidos.
Numa conversa estranha agenda oficial, em 7 de março, o presidente da República indicou ao empresário Joesley Batista, da JBS, o nome de seu assessor de confiança Rodrigo Rocha Loures como interlocutor nos diversos assuntos e pendências que o grupo empresarial mantinha com o poder público.
Semanas depois, em 28 de abril, flagrou-se Rocha Loures commala contendo R$ 500 mil, que lhe havia sido entregue por um executivo da JBS. Conforme a denúncia, o próprio Temer seria o destinatário da propina, a caracterizar o crime de corrupção passiva.
Desde que vieram à tona tais episódios, acirrou-se uma lamentável confrontação entre o Palácio do Planalto e o Ministério Público.
Se é verdade que o chefe do Executivo enredou-se em evasivas e versões contraditórias, o procurador-geral, Rodrigo Janot, não raro parece movido por impulsos de retaliação ou enfrentamento político.
Há evidentes sinais de açodamento no acordo de delação premiada firmado com o dono da JBS, que proporcionou, na prática, impunidade a um criminoso confesso. Nem mesmo se realizou uma perícia prévia no áudio -ainda hoje inconclusivo- do fatídico diálogo no Palácio do Jaburu.
As investigações que se seguiram pouco acrescentaram ao que os executivos da empresa entregaram à PGR, o que acentua a impressão de que a Lava Jato tornou-se por demais dependente do instrumento das delações.
No entanto, era real a mala com dinheiro; fora de dúvida, as ligações entre Rocha Loures e Temer; plausível, a disposição deste em atender a pleitos de Joesley Batista.
Em qualquer outro contexto, tratando-se de governador, prefeito, congressista ou ministro, não haveria dúvida em recomendar que suspeitas tão graves fossem alvo de apuração mais aprofundada.
Paradoxos e nuances se sobrepõem, todavia, no caso do presidente da República -e não apenas porque a aceitação da denúncia implica saída imediata, ainda que em teoria reversível, do cargo.
Seu desempenho sofre altas taxas de reprovação, mas não se veem mobilizações de rua correspondentes a tal sentimento, nem depois de amplamente divulgados os episódios em que a denúncia criminal se baseou.
Se uma difícil legitimidade cerca seu mandato -nascido de um processo de impeachment polêmico, embora legal, e sobrevivendo a sólidas contestações às contas de campanha na Justiça Eleitoral-, estão longe de despertar entusiasmo as perspectivas de seu eventual substituto, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ).
As incógnitas se multiplicam, caso a denúncia seja aceita pelos deputados. O prazo constitucional de até seis meses de afastamento bastaria para concluir um julgamento no Supremo Tribunal Federal? O que acontecerá caso não baste, para condenação, o material até agora sistematizado pela PGR?
Não obstante, urge que os deputados deliberem o quanto antes sobre o caso. O país já permanece por tempo excessivo refém de incertezas; um desfecho se impõe, ainda que dificilmente vá significar solução plenamente satisfatória.
É certo que o governo possui a seu favor graduais avanços na superação da crise econômica, e parece contar com apoio em setores influentes, ainda que minoritários, para prosseguir nesse caminho.
Seria, contudo, excessivo sacrifício do ponto de vista político, e mesmo do respeito que merecem as instituições republicanas e os próprios cidadãos, fazer vistas grossas ao conjunto de suspeitas que se acumulou sobre o Planalto.
Diz um conhecido bordão jurídico que, nesta fase prévia à abertura de um processo, as dúvidas devem orientar-se não em favor do indiciado, mas da sociedade.
Esta, por divididos ou hesitantes que se encontrem seus ânimos, não haverá de perdoar-se, cedo ou tarde, se deixar a complacência vencer o ímpeto com que, até agora, apoiou a luta contra a corrupção.
Aceite-se, com todo seu peso e implicações, a denúncia contra o presidente da República.
Deixar de investigar indícios tão fortes de irregularidade seria votar a favor de uma política, um sistema e uma visão de país que não podem continuar a ser o que são. Mudá-los, dentro da democracia, do direito à defesa e do equilíbrio institucional, tem um custo de incertezas e eventuais injustiças. Mas não há como não enfrentá-lo, e já.
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