- Folha de S. Paulo
Costume de não assumir responsabilidade sobre os problemas cobra seu preço em violência e cinismo
Há vasta controvérsia sobre os fatores que levam um povo a prosperar, enquanto a maioria das nações atola na estagnação. Como o papel aceita tudo, arrisco um palpite: atingir a maturidade nas relações humanas é para poucos.
A crise dos caminhões é caso exemplar de como a responsabilidade, a arte de encarar a dureza do mundo como missão individual incontornável, escasseia por estas terras.
Caminhoneiros e empresários do transporte, às voltas com o encarecimento de seus custos, asfixiam as cidades e cobram do governo um resgate para liberá-las. A culpa não é nossa, proclamam os bucaneiros.
O governo, que apenas intermedeia a relação entre pagadores de impostos e usuários de serviços públicos, aceita de cara a chantagem. Transfere a fatura para a ponta mais fraca e mal representada da população.
Não se preocupa nem mesmo com garantir a volta à normalidade antes de fazer concessões. A culpa não é nossa, é da Petrobras, afirmam poderosos irresponsáveis em Brasília.
A estatal controla 99% do refino de petróleo no país. Com esse porte, sem concorrentes a fazer-lhe sombra e controlada pelo governo, tem sido a primeira escolha para absorver os excessos do infantilismo nacional. É a mãe que mima os filhos da pátria, alargando artificialmente os limites para suas travessuras.
Tudo isso, obviamente, não passa de uma fantasia típica de povos que não se emanciparam da adolescência. A conta, a despeito da prestidigitação, sempre é paga de algum modo.
Mamãe Petrobras vive com artrose de tanto carregar piano e não consegue produzir nem investir o que seria possível se atuasse em ambiente sóbrio. Bem mais pesado é o fardo sobre a matriarca dos venezuelanos, a PDVSA, que entrou em coma.
Nas sociedades imaturas, a falsificação da realidade é uma constante. A violência, o engodo e o cinismo suprem as lacunas que o diálogo e o senso de responsabilidade intransferível ocupam nas nações adultas.
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