- Folha de S. Paulo
Bolsonaro apoia a greve para produzir desordem agora e vender ordem em outubro
É preciso ter muita cautela ao interpretar o apoio à greve dos caminhoneiros nas redes sociais. A turma de Bolsonaro está bastante engajada para aumentar a visibilidade do movimento grevista e reforçar a impressão de que ele é popular. Não sabemos se esse entusiasmo nas redes sociais reflete bem a opinião da turma na fila dos supermercados.
Mas é possível mesmo que haja algum nível de simpatia pela greve. Há gente com esperança de que a greve reduza o preço da gasolina. O governo Temer é o mais impopular da história. E, ainda assim, mesmo com tudo isso, é surpreendente que um movimento que leva pessoas em pânico a estocar alimentos desperte qualquer entusiasmo no público.
A primeira suspeita é que a simpatia pela greve seja uma reação ao sucesso do sistema político em seu esforço de evitar surpresas na eleição de 2018. Os outsiders não conseguiram os apoios partidários com que contavam. As regras de financiamento eleitoral favorecem fortemente a manutenção do status quo.
O público pode não conhecer os detalhes desses mecanismos, mas já notou, pela lista de candidatos disponíveis, que a eleição deve ser bem mais parecida com as anteriores do que esperavam que a Lava Jato dizimasse o sistema. Diante disso, a ideia de uma grande mobilização que pare o país e "mande um recado para o poder" pode parecer sedutora.
Se for isso, é preciso explicar para o público que ele está, de novo, sendo feito de otário.
Há uma questão bastante específica que ajudou a desencadear a greve —os aumentos constantes de preço dos combustíveis tornaram o planejamento dos fretes impraticável. É certamente possível encontrar uma solução prática para esse problema, e imagino que algo nesse sentido seja feito nos próximos dias.
Mas também há fortes suspeitas de que a greve foi, em parte, um locaute, um movimento de empresas de transporte para conseguir dinheiro do governo. Ninguém nessa turma é seu amigo, leitor. Se as empresas vencerem, teremos que pagar mais impostos.
E se você acha que roubarem seu dinheiro e te deixarem sem comida é a pior coisa que pode lhe acontecer nessa história, veja só o que Bolsonaro está fazendo.
Bolsonaro gosta da greve dos caminhoneiros porque cedo ou tarde alguém vai morrer sem hemodiálise por causa da paralisação, e Bolsonaro quer que pessoas morram sem hemodiálise. Bolsonaro apoia a greve dos caminhoneiros porque o desabastecimento vai deixar a população com fome, e Bolsonaro quer a população com fome.
Bolsonaro quer isso tudo porque sabe que quanto mais você estiver com raiva, medo e fome, quanto mais estiver desesperado e sem saber o que fazer, menor será sua capacidade de pensar direito. E ninguém jamais votará em Bolsonaro se estiver pensando direito.
Bolsonaro apoia a greve para produzir desordem agora e vender ordem em outubro.
Cai nessa quem for otário. Bolsonaro já foi condenado em primeira instância por planejar a colocação de bomba no próprio quartel para pedir aumento de salário —acabou livrado pelo Superior Tribunal Militar. Apoiou o motim policial do Espírito Santo no ano passado. É incapaz de criticar as milícias que aterrorizam o Rio de Janeiro. E agora torce pelo caos.
Bolsonaro nunca vai lhe entregar ordem, amigo. Se houver ordem, você vai conseguir pensar direito. E quem estiver pensando direito jamais votará em Bolsonaro.
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Celso Rocha de Barros doutor em sociologia pela Universidade de Oxford.
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