Documentos reativam desejo de revisão de uma anistia legítima e de ampla base legal
Não há qualquer dúvida sobre a repulsa ao crime de tortura e a assassinatos cometidos pelo Estado ou por grupos políticos, como os revelados por documentos liberados pela agência americana CIA. A defesa de ideologias não dá licença para criminosos infratores de direitos humanos. Entendem-se as críticas à anistia proposta pelo último governo da ditadura militar, de João Baptista Figueiredo, citado em um desses documentos, e aprovada pelo Congresso, em 1979. Foram tempos duros que geraram dramas pessoais, de lado a lado, impossíveis de serem apagados.
São tragédias que ocorrem em regimes de exceção, que, a depender de seu desfecho, terminam em anistias, geralmente recíprocas. É sempre o recomendável para o apaziguamento da sociedade. Mais ainda quando as transições para a democracia são negociadas, sem violência, atendendo-se a condições de ambos os lados.
Aconteceu no Brasil, no esgotamento da ditadura militar, no último dos governos dos generais, de João Baptista Figueiredo, com o aval do Congresso e participação da oposição nas negociações. Não seria uma unanimidade a anistia, porque havia o lado radical de combate à ditadura dos militares, inspirado no castrismo e outras correntes da esquerda e que, na verdade, queriam substituir uma ditadura por outra. Estas frações fizeram parte da ampla aliança de resistência ao regime, lado a lado com democratas. Divergências posteriores seriam incontornáveis, e isso ficou evidente no estilhaçamento do velho MDB em várias legendas, à esquerda e à direita.
A anistia brasileira se diferencia de outras concedidas no continente, em que ficou evidente a preocupação prioritária com o perdão dos militares. Tanto que Uruguai, Argentina e Chile reabriam, na democracia, suas anistias. No Brasil, não faria sentido.
Em recente artigo publicado na “Folha de S.Paulo”, o advogado José Paulo Cavalcanti Filho, que atuou na Comissão da Verdade, destaca aspectos importantes no processo brasileiro. A solidez da base legal e de legitimidade do perdão concedido em 1979 não se deve apenas à forma como foi negociado e à unção do Congresso.
Recorda o advogado que, em novembro de 1985, o mesmo Congresso que elegera Tancredo Neves presidente aprovou, de forma livre, a Emenda Constitucional 26 para inscrever na Carta a lei de 79. Foi uma exigência dos militares para incluir no perdão os responsáveis pelo atentado do Riocentro, de 81, portanto posterior à anistia.
Os entendimentos foram feitos dentro do mesmo contexto das conversas em torno da lei de 79, em que atuou Raymundo Faoro, presidente da OAB, de que participaram Ulysses Guimarães e Tancredo Neves, entre outros. Tancredo, antes da eleição, ajudou a preparar, com os militares, as bases para uma transição sem turbulências. Assim foi feito. José Paulo Cavalcanti destaca, com razão, que, ao contrário do que ocorreu em outros países, a transição no Brasil foi dos militares para a oposição civil, e não dos militares para o estamento civil do velho regime.
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