A onda de insatisfações que levou Jair Bolsonaro (PSL) a vencer a disputa pela Presidência embaralhou também as cartas no Congresso e nos Estados, permitindo, pelo menos no primeiro momento, que o presidente eleito possa iniciar seu governo com uma base no Congresso disposta a aprovar seus projetos. O apoio de governadores e parlamentares, como sempre, cobrará um preço que não se sabe se o presidente eleito estará ou não disposto a pagar.
A renovação conservadora do Congresso trouxe ao PSL um bloco de 52 deputados, número que se estima que poderá crescer para até 70, ao atrair a maior parte de 32 eleitos por partidos que não conseguiram ultrapassar a cláusula de barreira. Os aliados do PSL foram sugados pela força do prestígio do capitão reformado e elegeram menos parlamentares. O PSD, de Kassab, perdeu 2 deputados (34) e o PTB, 6 (10). As contas variam, mas legendas que apoiam para valer Bolsonaro somam 108 deputados.
Na oposição parlamentar, a avalanche antipetista fez com que o PT, ainda forte, não detenha mais a maioria da bancada da esquerda. O PT teve perda de 6 cadeiras (56), mas outras legendas aumentaram sua representação, com o salto de 6 cadeiras do PSB (32), 8 do PDT (28) e 4 do Psol (10). Socialistas e pedetistas já são em maior número que deputados petistas. No total, não se alinharão em princípio ao governo 136 deputados, com possíveis acréscimos de 8 deputados do PPS, 8 do Pros, que apoiaram o candidato petista na eleição, 7 do Avante e 4 do PV.
Sobra então a geleia geral do Centrão, que determinará os rumos das votações e cujo apoio é determinante para a viabilidade das agendas de governo. Bolsonaro contribuiu para emagrecer também os principais partidos desse aglomerado. O PP, maior deles, encolheu 12 cadeiras (37) e o MDB, sempre disposto a apoiar qualquer governo, perdeu 16 (34), enquanto que o PR está com 7 deputados a menos agora. O PRB, apoiado pela Igreja Universal, avançou 9 cadeiras (30). A esse grupo com 134 deputados podem aderir também os 29 deputados do DEM, que perdeu 14 deputados de seus 43. O interesse em manter a presidência da Câmara em suas mãos levou Rodrigo Maia (RJ) a aproximar-se de Bolsonaro, que deverá ganhar para sua agenda de mudanças do Estatuto do Desarmamento trânsito desimpedido para tramitação na Casa.
O PSDB encolheu 20 cadeiras e foi reduzido a 29 deputados, mas, pelo seu passado, não se negaria a dar apoio a parte da agenda liberal do PSL, se ela for ao Congresso. Boa parte dos eleitores que respaldaram os tucanos votaram em massa no segundo turno em Bolsonaro. Dos 1.110 municípios que votaram no partido nas três últimas eleições, Jair Bolsonaro ganhou em 1.098 deles (Folha de S. Paulo, ontem). Isto é, eleitores do partido não estranhariam acordos com um governo com o qual mostraram mais afinidade do que com o PT nas eleições.
Aos bolsonaristas, garantir o apoio integral das quatro principais forças do Centrão lhes daria a maioria simples para aprovar projetos de lei complementar (257 votos). Para a aprovação das emendas constitucionais, precisaria deles, do DEM, PSDB e mais o voto dos nanicos para chegar aos 308 votos necessários. Não é fácil em geral e muito menos em uma Câmara mais fragmentada que nunca, mas é factível, dependendo do modus operandi do presidente eleito em relação ao Congresso. Bolsonaro terá de convencê-los sem barganhar cargos e posições ministeriais, como prometeu. Há sérias dúvidas se manterá essa posição.
No caso dos governadores, a situação é mais confortável. Bolsonaro tem apoio dos governadores dos três Estados mais ricos do país (São Paulo, Rio, Minas Gerais) e de 9 outros. Ainda que não detenham controle estreito de bancadas, os governadores têm peso político relevante e poderão ser valiosa linha auxiliar de apoio às propostas do governo no Congresso.
Há, porém, as contrapartidas. Desses 12 Estados, 9 aderiram ao acordo de renegociação de dívidas com a União em 2016 e 4 deles poderão sofrer sanções porque vão descumprir o teto para o crescimento das despesas - Goiás, Mato Grosso, Rio Grande do Sul e Santa Catarina (um dos três Estados em que o PSL elegeu o governador). A situação das finanças mineiras é crítica, mas, governado pelo PT, o Estado não aderiu ao acordo, ainda que vá precisar de socorro.
É um problema grande abandonar aliados à sorte neste caso, mas fazê-lo abrirá a porta por onde procurarão passar todos os 19 Estados que obtiveram alívio para suas dívidas. Há uma crise fiscal e não há dinheiro.
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