domingo, 30 de junho de 2019

Míriam Leitão: Portas fechadas para os jovens

- O Globo

Jovens que chegam ao mercado de trabalho em períodos recessivos têm mais risco de entrar para o crime, mostram estudos

Para aumentar a oferta de empregos no país será preciso “chacoalhar” a economia, na opinião do professor Naércio Menezes, do Insper. Ele é um estudioso do assunto e seu diagnóstico é que o normal no Brasil tem sido há décadas a oferta insuficiente de vagas. O país tem que ter mais inovação, novas empresas que entrem no mercado e que mudem a dinâmica da economia, hoje ainda fechada e com muita proteção para companhias ineficientes. O mais assustador no momento, segundo o professor, é que estudos feitos na Inglaterra mostram que jovens que saem da escola em momentos recessivos têm maior probabilidade de entrar no crime.

Tudo o que o Brasil está discutindo no desemprego é o depois da vírgula. A Pnad mostrou na sexta-feira que é de 12,3% a taxa de pessoas que procuraram emprego e não encontraram. No trimestre anterior o número era 12,4%, e no mesmo período do ano passado era 12,7%. Estamos parados num nível intolerável de falta de vagas. Os que inutilmente tentam entrar no mercado de trabalho a cada mês são 13 milhões de brasileiros. Os desanimados, que estão em casa, sem coragem, tempo ou dinheiro para procurar uma colocação são 4,9 milhões. A soma dos desempregados, desalentados e os que trabalham menos do que poderiam dá 25% da população economicamente ativa, ou 28,5 milhões de pessoas, um quarto do capital humano do Brasil.

O economista Naércio diz que o desemprego no final da década de 1990 e começo de 2000 ficou em torno de 11%, ou seja, muito alto. Depois caiu por efeito do forte aumento real do salário mínimo que elevou a renda e ativou a economia, e pelo boom das commodities. Essa melhora, portanto, não mudou a economia.

— O crescimento sustentável se dá por aumento de produtividade. E falta dinamismo na economia. Por que as firmas brasileiras não adotam as práticas gerenciais de gestão e promoção por resultado, de resolução de problemas? É amplamente disponível. Falta facilitar a entrada de novas empresas que vão chacoalhar o mercado. Nos Estados Unidos, 90% do crescimento da produtividade ocorre pelo surgimento de companhias inovadoras e fechamento de firmas ineficientes. No Brasil é muito difícil fechar empresas ineficientes porque elas têm, principalmente as maiores, uma série de favores, lobbies e proteção que impede que esse mecanismo de competição abra espaço para as firmas novas, novas tecnologias e novas ideias — diz Naércio.

Se nesta devastação a gente tentar procurar alguma notícia boa, alguma melhora, vai descobrir que um milhão cento e setenta mil pessoas inventaram seu próprio emprego. É o trabalhador por conta própria. Os números são superlativos, e todos juntos nos contam a história de um momento longo demais na economia em que milhões de brasileiros encontram portas fechadas no mercado de trabalho. E estão fechadas principalmente para os jovens. Um dado divulgado no trimestre anterior mostrava que a taxa dos jovens de 18 a 24 anos desempregados era 27,3%.

O dramático é que jovens, que em geral se qualificaram mais do que seus pais, não conseguem emprego, e quanto mais o tempo passa mais difícil é iniciar a carreira. Isso vira um problema em três níveis: é pessoal porque vai demolindo a esperança que ele carregava ao estudar e sonhar com o futuro; é social porque uma massa de jovens desempregados produz inúmeros problemas; e é nacional porque o país está perdendo o melhor momento do seu capital humano sem saber se poderá recuperá-lo.

Naércio cita estudos feitos na Inglaterra que mostram o risco maior nesse cenário. Jovens que saem da escola e tentam entrar no mercado em períodos recessivos têm mais probabilidade de entrar no crime.

— Isso é na Inglaterra, imagine no Brasil. Esses jovens chegam com mais educação do que seus pais, não querem trabalhar numa ocupação sem qualificação e não há empregos para eles. Gerações que entram no mercado de trabalho em época de crise ingressam na carreira do crime. Não é nem depreciação do capital humano, é usar o capital humano para outra atividade, a ilícita.

É esse o perigo maior que ronda o país nesse tempo de recessão e desemprego. Nas últimas décadas houve um aumento da escolaridade nas faixas etárias mais jovens. E agora eles chegam no mercado de trabalho e encontram apenas portas fechadas.

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