- O Estado de S.Paulo
Para além das vantagens comerciais, negociação ajuda a dissipar bobajada ideológica
A semana terminou com uma grande notícia, com o fechamento do acordo comercial entre União Europeia e Mercosul. Além das vantagens da abertura econômica e comercial, o acordo serve como um banho de pragmatismo na política externa brasileira, por evidenciar que a crítica ao tal globalismo como um bicho-papão que tragaria o mundo ocidental e seus valores nada mais era do que delírio ideológico que, na hora do vamos ver, foi deixado de lado.
O acordo é uma construção de 20 anos e muitas mãos. Começou a ser costurado no governo Fernando Henrique Cardoso, em 1999. A primeira oferta foi feita no governo Lula, em 2004. Em 2007, no governo Lula 2, o Brasil assinou uma parceria estratégica com a Europa, dando mais um passo para o acordo. Ele ficou dormitando ao longo de quase todo o governo Dilma Rousseff, mas, ironicamente, foi no último dia da petista, 11 de maio de 2016, que houve a apresentação das ofertas de parte a parte. O desenho do acordo que foi finalmente fechado se deve em muito ao trabalho do ex-chanceler Aloysio Nunes Ferreira, no governo de Michel Temer.
E, finalmente, graças a uma ação bem coordenada do Ministério da Economia de Paulo Guedes, na pessoa do secretário de comércio exterior Marcos Troyjo, da ministra da Agricultura, Teresa Cristina, e do Itamaraty de Ernesto Araújo, foram alinhavados, ainda nas reuniões de Buenos Aires, os termos finais da proposta finalmente assinada em Bruxelas.
Portanto, ainda que haja aspectos que possam desagradar esse ou aquele setor, que possam existir críticas quanto ao fato de o Mercosul ter sido levado a ceder mais que os parceiros europeus – o que é óbvio, uma vez que os países do lado de cá são mais fechados e atrasados que os de lá –, trata-se de uma rara convergência de propósitos e de continuidade de ação entre governos. Um bálsamo diante de tantos solavancos políticos e econômicos que o Brasil vem enfrentando nos últimos anos.
É claro que Jair Bolsonaro vai querer faturar em cima do acordo, a despeito de seu discurso, dos filhos, do próprio Araújo e do entorno mais ideológico do governo sempre ter sido avesso ao multilateralismo e de ceticismo em relação à própria existência da União Europeia. É do jogo que o governo exagere os próprios méritos num acordo que já estava bem adiantado, ao qual também foi impelido pelos parceiros do Mercosul, que estavam mais dispostos a fechá-lo que o Brasil, e para o qual contribuiu, também, a necessidade da Europa de dar a volta por cima num cenário internacional que hoje é dominado pelo duelo de titãs entre Estados Unidos e China. Os ganhos advindos da abertura são maiores que qualquer reparo que se tenha a fazer à bateção de bumbo exagerada.
Além do enorme impacto comercial e econômico que a retirada de barreiras trará para o Brasil, devolvendo o País ao tabuleiro global, do qual estava escanteado, o acordo com a União Europeia funciona também como uma bem-vinda garantia de que o ímpeto bolsonarista em áreas como meio ambiente também terá de ser contido. O capítulo político do tratado inclui o compromisso dos países signatários com o Acordo de Paris e com outras metas ambientais e traz importantes disposições também relativas a direitos humanos (com menções específicas a respeito a minorias e garantias de direitos trabalhistas, por exemplo).
A assinatura do acordo faz letra morta da cantilena bobalista da ala ideológica do governo. Ela pode até continuar entoando seus mantras no Twitter, comemorando como sua uma construção que, como se vê é anterior e mais plural. Mas o fato é que, na vida real, falaram mais alto o pragmatismo e a disposição pelo liberalismo econômico e pela abertura do País ao resto do mundo. Grande dia, de fato.
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