Com Bolsonaro, é o Congresso que terá de desentortar o orçamento, que ignora realidades e é enviesado ideologicamente
A implantação do teto de gastos, criou a expectativa de inversão de uma nociva praxe orçamentária vigente. Em vez da busca para adequar receitas aos gastos, inflando artificialmente o primeiro, haveria estímulo à decisões racionais sobre os melhores gastos e os cortes menos nocivos, já que as despesas não poderiam mais crescer em termos reais. O pressuposto otimista depende da sabedoria e parcimônia dos congressistas e da escolha das prioridades adequadas pelo Executivo inscrita no orçamento. As coisas não ocorreram bem assim, como demonstram as discussões sobre o orçamento para 2021.
Antes, ao longo do caminho, o Congresso deu um jeito de tornar impositivas as emendas dos parlamentares, retirando do Executivo mais um bom naco da autonomia com que manejava as verbas, que são hoje ainda mais escassas pelos estragos provocados pela pandemia. Boa parte dos recursos encaminhados pelos congressistas não são de livre direcionamento, e sim dirigidos a gastos com saúde e educação. Mas, diante da contenção de despesas, um grupo de pressão a mais entrou na disputa por recursos com vantagens sobre os outros: os militares. O ministro da Defesa, Fernando Azevedo, solicitou ao governo que reservasse para sua pasta 2% do PIB - nenhum ministério terá essa dotação, pelo menos na proposta em debate no governo.
O presidente Jair Bolsonaro, com apoio do Congresso, defendeu logo após a aprovação da reforma da Previdência, novas regras para aposentadoria dos militares que embutiram recomposição generalizada de salários, asseguradas a integralidade e a paridade dos vencimentos entre os da ativa e os da reserva, com uma economia duvidosa de R$ 1 bilhão por ano nos próximos 10 anos. A reforma no regime geral reduzirá gastos de R$ 800 bilhões no mesmo período.
Bolsonaro piorou o déficit público de 2019, (R$ 95 bilhões), ao autorizar no apagar das luzes, em dezembro, gasto extra de R$ 7,6 bilhões para a capitalização da Empresa Gerencial de Projetos Navais (Emgepron). Aceitou a ideia de que o orçamento da Defesa não poderia ser contingenciada. A prioridade um do presidente, fora se reeleger, é defender a corporação de militares e policiais, a única coisa que fez em seus 28 anos de atuação no Congresso. A peça orçamentária de 2021 reflete esse desejo. O orçamento planejado para a Defesa será o segundo maior, com R$ 109,97 bilhões, desbancando o da Educação, com dotação sugerida de R$ 101,98 bilhões.
Pelas mãos do presidente, a Defesa está tirando as castanhas do fogo dos cortes planejados. Haveria redução de 5% dos recursos para a pasta, ainda assim já superiores ao da Educação. Os militares pediram e Bolsonaro ordenou que lhes destinassem mais R$ 2 bilhões. O governo tem até o fim do mês para enviar a proposta orçamentária, há disputa interna e o que sair do Planalto não necessariamente é o que o Congresso aprovará.
Ainda assim, a orientação de gastos, em contexto de um Estado quebrado e de rescaldo de uma pandemia, são muito ruins. Há poucos aumentos de dotação, que irão para o Turismo (que incorporou a Cultura), para o Itamaraty, e para a AGU e CGU. Em percentuais, os cortes mais violentos recairão, se forem mantidos, sobre Minas e Energia (-73,3%), Cidadania (-59,3%), Ciência e Tecnologia (-49,8%) e Infraestrutura (-49,4%) - nos dois últimos setores as carências do país são aberrantes.
Bolsonaro e Guedes deram em seguida, em ordem decrescente, um talho de 36,8% na verba do Ministério dos Direitos Humanos e de 28,6% no da Agricultura. E, como se não houvesse necessidades urgentes a serem supridas no meio ambiente, nem indignação generalizada com a destruição da Amazônia, o orçamento do ministério será cortado em 23,5%, após poda mais vigorosa em 2020.
Ainda que em menores percentuais, Saúde e Educação, duas das três pastas com maiores dotações, terão cortes (-4,8% e -13,1%, respectivamente). Na Educação, as verbas para as universidades serão reduzidas e, o que é absolutamente inusual, o MEC pediu redução das próprias verbas em benefício da Defesa, para dobrar, para R$ 108 milhões, o programa com escolas comandadas por militares, as cívico-militares (O Globo, ontem).
Antes de Bolsonaro, o Executivo tinha de se esforçar para que austeridade e metas em geral sensatas fossem entendidas e aprovadas pelos parlamentares. Com Bolsonaro, é o Congresso que terá de desentortar o orçamento, que ignora realidades e é enviesado ideologicamente para a Defesa.
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