- O Globo
Não, não vou falar sobre os três zeros de Bolsonaro, como o Ascânio Seleme define muito bem seus filhos, nem sobre as mudanças políticas do presidente, que o Ruy Castro comparou às nuvens da antiga metáfora mineira. Vou falar da capacidade camaleônica, beirando a sociopatia, de Bolsonaro, num espaço de uma semana, abordar o mesmo assunto para públicos diferentes, com enfoques diferentes.
No dia 12, depois que houve uma debandada do ministério da Economia de alguns assessores importantes, como os secretários de desestatização e o da desburocratização, Bolsonaro, imbuído da “liturgia do cargo”, reuniu os presidentes da Câmara e do Senado (foto), diversos ministros e lideranças políticas do governo para solenemente declarar-se a favor da manutenção do teto de gastos e do equilíbrio fiscal.
Na live do dia seguinte, já mais à vontade na roupa e no linguajar, Bolsonaro dirigiu-se a seu público cativo. E tratou de dizer que o debate interno sobre o teto de gastos existe: “A ideia de furar o teto existe, o pessoal debate, qual o problema? Na pandemia, temos a PEC [proposta de emenda à Constituição] de guerra, nós já furamos o teto em mais ou menos R$ 700 bilhões".
Bolsonaro se referia aos gastos para combater a Covid-19 como algo normal, que pode ser repetido. Mas se esqueceu que esse dinheiro não é igual aos dos “fura-tetos” do Centrão, que querem gastar mais para garantir dividendos políticos, mesmo com as conseqüências previsíveis.
Quatro dias depois, o presidente Bolsonaro foi a Sergipe, uma das muitas viagens ao nordeste depois que descobriu que o auxílio emergencial de R$ 600 alavancou sua popularidade na região antes dominada pelo petismo devido ao Bolsa Família. Lá, de chapéu de vaqueiro, foi recebido por uma multidão de seguidores e marcou seu populismo com a linguagem do povo.
Um populismo que necessita ser cevado pelo Renda Brasil. São vários Bolsonaros em uma semana, o que ajuda a confundir o cidadão, já atordoado pela pandemia. Não é à toa que sua popularidade aumenta, mas aumenta também o receio com o futuro.
O grande problema para fechar o orçamento do próximo ano é que é o próprio presidente Bolsonaro quem está querendo aumentar gastos. Ele quer dinheiro para obras, para o Renda Brasil e engavetou a reforma administrativa para não desagradar as corporações. Desse modo, vai ficar difícil comportar todas essas demandas dentro do orçamento.
Sem cortar gastos, não há como aumentar o teto além da correção da inflação. Se não se pode ter um líder que estimule os ministérios a conter gastos e repensar suas composições administrativas, fica difícil combater o desequilíbrio das contas públicas. Nos ministérios existem fortes corporações muito reativas a cortes, com lobby forte no Congresso. Vai ser complicado, sem furar o teto, conseguir fazer tudo o que o governo quer.
Hoje quem faz esse papel é o ministro da Economia Paulo Guedes, mas cada vez mais fragilizado pelas posições de Bolsonaro, que, se de um lado o apóia, de outro aumenta a verba para os militares em detrimento da Saúde e Educação, incentiva assessores a pedirem mais verba para obras públicas e quer o Renda Brasil - que já viu ser um bom instrumento político, especialmente no Nordeste.
Com o apoio do Centrão, é possível que tenha força para mudar os critérios que regem o teto, embora acredite que esteja muito em cima para fazer isso este ano. Outra saída que buscam é incluir obras públicas emergenciais no orçamento de guerra feito para combater a Covid-19. Ou aprovar a CPMF digital para mudar o teto.
O obstáculo mais difícil de ultrapassar é a presença de Rodrigo Maia na presidência da Câmara, que já avisou que não aceitará mudanças no teto de gastos, nem aprovará a CPMF. Não sei se o Tribunal de Contas da União (TCU) concordaria que pontes e estradas podem entrar na conta da Covid-19. E que o dinheiro arrecadado a mais pode ser usado para gastos correntes, e não para abater a dívida.
Nenhum comentário:
Postar um comentário