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Se parece espionagem política, espionagem é
A ministra Carmen Lúcia, do Supremo Tribunal Federal, olhou o bicho e concluiu: se tem tromba de elefante, orelhas de abano de elefante, presa de elefante, altura, e caminha como um elefante, só pode ser um elefante. E assim condenou o uso do aparelho do Estado para espionar servidores públicos contrários ao governo.
“No Direito Constitucional, o uso ou abuso da máquina estatal para a colheita de informações de servidores com postura contrária ao governo caracteriza desvio de finalidade”, disse a ministra no seu voto. A sessão do tribunal foi interrompida e será retomada hoje com o voto dos demais ministros.
Em julgamento, a questão suscitada por um dossiê produzido pela Secretaria de Operações Integradas do Ministério da Justiça sobre 579 servidores públicos e três professores que se declararam antifascistas. Ser antifascista ou fascista não é crime. Por que então investigar os antifascistas e deixar os fascistas em paz?
Arapongagem é crime. É coisa da época da ditadura militar de 64 que criou o Serviço Nacional de Informações, extinto pelo presidente Fernando Collor em 1992. O atual Sistema Brasileiro de Inteligência conta com 42 órgãos de coleta de informações. O presidente Jair Bolsonaro quer usá-los ao seu gosto.
Na semana passada, ao julgar outra ação, o Supremo decidiu que isso não é possível. E estabeleceu limites para o acesso e a troca de informações entre os órgãos e a presidência da República. Bolsonaro queria centralizar as informações na Agência Brasileira de Informações comandada por um delegado amigo seu. Não pode.
O ministro André Mendonça, da Justiça, não rebateu a existência do dossiê nas explicações que ofereceu ao Supremo, disse apenas que tomou conhecimento dele pela imprensa. A ser verdade, admitiu desconhecer o que se passa no quintal do seu ministério. Talvez por isso tenha mandado embora o militar autor do dossiê.
O episódio serve para mostrar que Mendonça se alinha com seu chefe no costume de atravessar a rua para pisar em casca de banana. Não só ele. Augusto Aras, mais advogado de Bolsonaro do que Procurador-Geral da República, chamou o dossiê sobre os antifascistas de relatório que “antecipa riscos”. Quais? A quem?
A propósito: como chamar um governo que, vira e mexe, afronta o Estado de Direito?
Regabofe no Planalto não salva o governo de derrotas no Congresso
Se gritar pega Centrão...
Foi um almoço e tanto, e a comida mineira servida foi elogiada pelos participantes do convescote promovido pelo presidente Jair Bolsonaro no Palácio do Planalto. Presentes, a fina flor do Centrão, 22 parlamentares, e mais sete ministros do governo.
Não houve momentos de saia justa. Poderia ter havido porque um dos ministros, o general Augusto Heleno, do Gabinete de Segurança Institucional, à época da campanha de Bolsonaro, associou o termo “ladrão” ao Centrão.
Chegou a cantar assim, meio desafinado:
– Se gritar pega Centrão, não fica um, meu irmão…
O senador Ciro Nogueira (PI), presidente do Partido Progressista, postou depois em suas redes sociais uma foto ao lado de Bolsonaro e de outros deputados, entre eles Arthur Lira (AL). Os dois são acusados de chefiar o chamado “quadrilhão do PP”.
No passado, Nogueira foi aliado dos governos do PT e classificou Bolsonaro de político fascista e preconceituoso. Nada que o tempo não apague quando a conjuntura política muda e os interesses convergem. Bolsonaro precisa do Centrão, que precisa dele.
O Centrão quer cargos no governo, já ganhou muitos, mas quer sempre mais. Bolsonaro quer os votos do Centrão para aprovar projetos do governo. Vai ver que o almoço empanzinou o Centrão a ponto de ele descuidar-se e o governo amargar outra derrota.
Por 42 votos a 30, o Senado derrubou o veto de Bolsonaro ao aumento de salários de servidores envolvidos no combate ao coronavírus. Se a Câmara, hoje, votar na mesma direção, o governo será obrigado a desembolsar quase 100 bilhões de reais.
Um dia antes, o Senado retirou de pauta projeto de Bolsonaro que muda o Código de Trânsito. Votaram até parlamentares do PSD, que ganhou o Ministério das Comunicações, e do MDB, em avançado processo de adesão ao governo.
Uma fatia do PSDB na Câmara, liderada pelo deputado Aécio Neves (MG), dá sinais de que poderá se aliar ao governo se também for contemplada com cargos. O Centrão começa a engolir os que antes se apresentavam apenas como centro.
“Se gritar pega Centrão, não fica um, meu irmão…”
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