quinta-feira, 20 de agosto de 2020

Ascânio Seleme - E o Rio, como fica?

- O Globo

Se dependesse do prefeito, melhor seria deixar o debate para a última hora

Em três meses os cariocas vão eleger o sucessor do bispo Marcelo Crivella ou reconduzir o atual prefeito para um novo mandato de quatro anos. Embora a questão política nacional seja enorme, e quase sempre prioritária, não dá para ignorar a urgência da eleição municipal. Mesmo tendo população e orçamento maiores do que de alguns estados brasileiros, o Rio não deixa de ser uma cidade onde pessoas moram, estudam e trabalham. É no Rio, e não em Brasília, que os cariocas andam de ônibus. É nos hospitais da cidade que tratam da saúde e nas escolas municipais que seus filhos estudam. Chegou a hora de prestar atenção ao Rio.

Se dependesse do prefeito, melhor seria deixar o debate para a última hora mesmo. Enquanto isso, ele iria consolidando suas posições entre os evangélicos e fortalecendo seus laços com Bolsonaro e família. Crivella é o pior prefeito do Rio dos últimos anos, mas não é bobo. Ele já mapeou muito bem o caminho que pode levá-lo à reeleição. Em primeiro lugar, grudou no presidente como uma ostra na pedra. Mesmo nos momentos ruins, sempre esteve ao lado de Bolsonaro, não porque antecipava a sua recuperação, mas por falta de opção mesmo. Hoje, com a melhora dos índices de aprovação de Bolsonaro, Crivella cresce.

Seu primeiro movimento em favor da confirmação desse apoio já foi dado. O bispo quer a deputada Major Fabiana como sua candidata a vice. Ela é do PSL, partido do qual Bolsonaro está se reaproximando. Se o entendimento entre o partido e o presidente desandar, Fabiana será ejetada. Crivella sabe fazer o jogo político, o que ajuda a fortalecer sua posição eleitoral. Uma candidatura que até outro dia parecia fadada ao fracasso hoje pode muito bem constar da cédula do segundo turno. Seu sucesso ou fracasso vai depender de como reagirão seus adversários.

O principal concorrente de Crivella é o ex-prefeito Eduardo Paes, cujo maior problema é ser sempre associado ao grupo do ex-governador Sérgio Cabral, responsável pela sua indicação na primeira eleição a prefeito e de quem foi secretário. Este fantasma com certeza será lembrado na campanha. As delações premiadas da Lava-Jato não o alcançaram e ganhou todas as ações movidas contra ele; mesmo assim, é por aí que será bombardeado. Hoje, é réu em ação iniciada pelo Ministério Público assim que anunciou sua candidatura.

Paes é de longe o mais forte dos opositores de Crivella. Ele lidera todas as pesquisas e talvez seja o único capaz de ganhar do atual prefeito ainda no primeiro turno. Mas dependerá muito de como vai construir sua campanha. Com certeza, ele será atacado pelo bispo e, se não reagir com a mesma intensidade, pode ficar pelo caminho. Flancos frágeis Crivella tem aos montes, difícil é saber por onde começar.

Como o crescimento da aprovação de Bolsonaro alavancará Crivella, Paes terá de brigar pelos eleitores que lhes deram a vitória nas duas eleições que ganhou no Rio. Os votos de opinião não serão suficientes para elegê-lo, como não bastaram para seu adversário Fernando Gabeira na eleição de 2008. Será nas periferias das grandes cidades que os candidatos a prefeito apoiados por Bolsonaro testarão a força eleitoral do auxílio emergencial. Crivella vai navegar nesta onda. E é lá que Paes terá de garimpar.

Para derrotar o pior prefeito da história do Rio, Eduardo Paes terá também que ser capaz de se articular com os partidos de esquerda. Se souber dividir, poderá somar e ganhar.

Ditadura do tráfico
O cenário lembra os piores momentos da ditadura, quando pessoas eram sequestradas, torturadas, assassinadas e enterradas em covas clandestinas por forças policiais ou militares. O cemitério do tráfico do Salgueiro é tão grotesco quanto o de Perus, em São Paulo, por reunir sob o mesmo terreno corpos de dezenas de pessoas. No Salgueiro, os restos são de traficantes de facções concorrentes, de moradores da comunidade desobedientes e de policiais. Em Perus, pelo menos 20 corpos encontrados em valas clandestinas pertenciam a desaparecidos políticos, inimigos do regime militar.

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