Correio Braziliense
Pela própria trajetória como magistrada, a nova
presidente do Supremo é protagonista de um fenômeno polêmico, que vem sendo
muito questionado no Brasil: a judicialização da política
Não, esse texto não tem nada a ver com o
velho samba de Nelson Cavaquinho, em cuja a alegoria poética o espinho quer
apenas passar com sua dor, jamais machucar a flor. Estamos tratando da eleição
da ministra Rosa Weber para a Presidência do Supremo Tribunal Federal (STF),
ontem, para liderar a Corte de 12 de setembro até outubro de 2023, quando se
aposentará compulsoriamente, ao completar 75 anos. Assumirá no lugar do
ministro Luiz Fux, em pleno curso do processo eleitoral, tendo como
vice-presidente Luís Roberto Barroso, um dos alvos preferidos dos ataques do
presidente Jair Bolsonaro (PL) ao Supremo.
Não, esse texto não tem nada a ver com o velho samba de Nelson Cavaquinho, em cuja a alegoria poética o espinho quer apenas passar com sua dor, jamais machucar a flor. Estamos tratando da eleição da ministra Rosa Weber para a Presidência do Supremo Tribunal Federal (STF), ontem, para liderar a Corte de 12 de setembro até outubro de 2023, quando se aposentará compulsoriamente, ao completar 75 anos. Assumirá no lugar do ministro Luiz Fux, em pleno curso do processo eleitoral, tendo como vice-presidente Luís Roberto Barroso, um dos alvos preferidos dos ataques do presidente Jair Bolsonaro (PL) ao Supremo.
Como magistrada, é uma rosa de ferro,
acostumada a tomar decisões difíceis. Na segunda-feira, por exemplo, enviou
para a Procuradoria-Geral da República (PGR) um pedido de investigação de
Bolsonaro por ter feito ataques ao sistema eleitoral, sem provas, durante
encontro com embaixadores estrangeiros.
Deu sequência à ação na qual parlamentares
da oposição questionam a conduta do presidente por abuso de poder econômico,
improbidade administrativa e crime contra o Estado democrático de Direito.
Houve forte reação da opinião pública e das chancelarias estrangeiras aos
ataques que Bolsonaro fez ao sistema eleitoral brasileiro, principalmente à
urna eletrônica, à Justiça Eleitoral e aos ministros Edson Fachin, presidente
do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), e Alexandre de Moraes, que assume o
comando da Corte durante as eleições.
Apesar de pôr mais lenha na fogueira das
tensões entre Bolsonaro, o espinho, e o Supremo, essa foi uma decisão de praxe,
pois cabe à PGR decidir se pede a instauração de apurações formais contra
autoridades com foro privilegiado, o que é muito improvável. O procurador-geral
da República, Augusto Aras, é um aliado quase incondicional de Bolsonaro.
Provavelmente, a PGR pedirá o arquivamento do caso, como vem fazendo
sistematicamente em assuntos que envolvem o presidente. Nos bastidores, Aras é
uma das autoridades que mais se queixam da atuação do Supremo, que teria usurpado
atribuições do Executivo e do Legislativo, segundo afirma nos bastidores da
Praça dos Três Poderes.
Gaúcha de Porto Alegre, Rosa Weber tomou
posse na Suprema Corte em 2011, depois de ter sido indicada pela então
presidente Dilma Rousseff. Presidiu o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) de 2018
a 2020, ou seja, durante a eleição de Bolsonaro. Fez carreira na Justiça do
Trabalho, na qual ingressou em 1976, como juíza substituta no Tribunal Regional
do Trabalho da 4ª Região (Rio Grande do Sul). Em 1981, foi promovida ao cargo
de juíza-presidente, que exerceu sucessivamente nas Juntas de Conciliação e
Julgamento de Ijuí, Santa Maria, Vacaria, Lajeado, Canoas e Porto Alegre.
Judicialização
Pela própria trajetória como magistrada,
Rosa é protagonista de um fenômeno polêmico, que vem sendo muito questionado e
também estudado no Brasil: a judicialização da política, a partir de uma
concepção formal sobre as atribuições e relações entre os poderes. O debate
político, porém, deu à expressão, cujo sentido é normativo, um caráter
pejorativo.
A rigor, há dois modelos em discussão. No
primeiro, trata-se de uma República constitucional com predomínio das
instâncias eleitorais-majoritárias de representação, na qual o Judiciário é
voltado à aplicação da lei aos casos individuais e com limitada interferência
nas decisões legislativas e governamentais. É mais ou menos nesse campo que se
posicionam Bolsonaro, os militares que ocupam o Palácio do Planalto, os
políticos do Centrão que dão sustentação ao governo e Aras.
O outro modelo consagra a cooperação e
complementariedade entre os poderes nas decisões políticas, com base na
Constituição de 1988, que deu ao Estado brasileiro as características de uma
democracia ampliada, com maior participação da sociedade civil nas agências
governamentais. Nesse modelo, o Judiciário tem o papel de formular os valores
compartilhados e servir de canal de expressão para grupos minoritários cujos
direitos não são levados em conta pela representação da maioria.
Nesse contexto, ao longo dos últimos 20
anos, o Supremo emergiu como poder moderador na relação entre os poderes
Executivo e Judiciário e entre o Estado e sociedade, ocupando espaços na
definição de políticas públicas e na garantia de direitos sociais, sempre que o
Executivo os contrariava ou o Legislativo se omitia, como nos casos do aborto,
das terras indígenas, das relações homoafetivas etc.
A existência da Justiça Trabalhista e da Justiça Eleitoral, que antecedem a Constituição de 1988, já era expressão dessa tendência, que ganhou mais vigor a partir da democratização do país. São inúmeros os temas nos quais o STF é demandado em ações diretas de inconstitucionalidade (Adins) para garantir direitos de entes federados ou dos cidadãos em sua relação com o Estado. Rosa tende a reafirmar essa tendência à frente do Supremo, até por uma questão de coerência doutrinária e trajetória pessoal na magistratura.
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