Folha de S. Paulo
Hoje a democracia tem um encontro marcado
na Faculdade de Direito da USP, onde será lida a "Carta às brasileiras e brasileiros em defesa do estado democrático
de direito" assinada por cerca de 900 mil pessoas. Ali
também, importantes associações empresariais, todas as centrais sindicais e
organizações da sociedade civil lançarão o documento "Em defesa da
democracia e da justiça".
Relevantes por afirmar vigoroso compromisso
com as instituições representativas do país e as eleições que as garantem
—desafiadas pelas recorrentes investidas golpistas do ocupante de turno do
Executivo federal—, tais iniciativas em respaldo dos valores republicanos
fundamentais equivalem a um formidável jorro de luz que clareia o turvo
horizonte da hora.
Indicam que cidadãos ativos e lideranças da sociedade organizada estão aptos a superar a polarização política que cindiu a nação, abrindo caminho para que a vulgaridade, o deboche e, sobretudo, o obscurantismo, se escarrapachassem nos estofados do Palácio do Planalto.
A polarização é um fenômeno político específico que se
caracteriza pelo primado de posições extremadas e irredutíveis, travando o
diálogo e a negociação imprescindíveis ao jogo democrático. Essa modalidade de
radicalismo nem sequer se assenta em preferências nascidas do cálculo racional.
Mas acende e nutre paixões que rompem amizades, dividem famílias, amordaçam a
troca de opiniões até nas mesas de bar e fazem dos adversários inimigos
jurados.
A polarização jamais brota da base da
sociedade e envolve a massa dos cidadãos apenas em circunstâncias de vida ou
morte —como nas guerras civis. Em geral, só afeta a (importante) minoria
interessada pelo que ocorre na esfera pública; invariavelmente é obra de
lideranças políticas adeptas do jogo bruto.
Há pouco, os pesquisadores George Avelino,
Guilherme Russo e Jairo Pimentel, mostraram nesta Folha que as
opiniões de lulistas e bolsonaristas sobre uma penca de questões relevantes
para suas vidas estão mais próximas do que se imagina.
Os dois documentos pró-democracia atestam
ainda que as distâncias também têm encolhido junto à parcela politicamente
ativa da sociedade. Carta e manifesto resultaram de muita conversa entre
moradores de lados diferentes da linha de fogo traçada pelo impeachment de
Dilma Rousseff em 2016, que votaram cada grupo a seu modo em 2018 e mal se
falavam até há bem pouco. Aproxima-os o que Maria Eugenia da Silva Telles, uma
das autoras da "Carta aos brasileiros", de 1977, chama de
compromisso com o conjunto de normas que nos permite usufruir de uma vida mais
civilizada.
*Professora titular aposentada de ciência política da USP e pesquisadora do Cebrap.
Um comentário:
Pois é,ter uma ''vida civilizada'' com Bolsonaro no poder é impossível.
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