Valor Econômico
Só por desconhecimento ou má-fé se pode
imaginar que a rejeição da resolução do Conselho de Segurança das Nações Unidas
tenha sido derrota brasileira
Só por desconhecimento ou má-fé se pode
imaginar que a rejeição da resolução do Conselho de Segurança das Nações Unidas
tenha sido derrota brasileira. Se mal-intencionados não se curam, há um lote de
razões para resgatar os primeiros.
Foram 12 votos, com uma folga, portanto, de
três para a aprovação, impedida pelo veto americano. Entre os votos favoráveis
estão França e China. O primeiro precisa de uma mediação para conter atentados
que prosperam no país. O segundo optou por fortalecer uma proposta que teve
como principal contendor, os EUA.
Entre os favoráveis à resolução constam ainda
dois aliados americanos, Japão e Emirados Árabes, único país árabe no CSNU e
signatário do acordo de Abraão, com EUA e Israel.
Reino Unido absteve-se porque sua diplomacia segue o compasso da americana, e Rússia porque revidou a abstenção brasileira em sua proposta a despeito de o Brasil ter apoiado suas emendas nessa quarta.
As concessões, guiadas pelo que o embaixador
do Brasil na ONU, Sergio Danese, chamou de “realismo político”, levaram o texto
a condenar o Hamas, pedir a libertação imediata dos reféns e rifar até o pedido
de cessar-fogo imediato em nome de uma “pausa humanitária”.
Nada disso bastou. O veto não veio apenas
pelas infinitas salvaguardas israelenses propostas pelos EUA. Não parecia
haver, de fato, interesse em tirar a prerrogativa do presidente Joe Biden, que
estava em Israel, na negociação.
“Estamos lá dando duro na diplomacia e
precisamos deixar que esta diplomacia opere”, disse Linda Thomas-Greenfield, a
embaixadora dos EUA. A votação deu-se no mais importante conselho do principal
fórum mundial, mas diplomacia é a americana. Ou melhor, é a política americana
que vale porque Biden não foi capaz de fazer diplomacia na viagem.
O rei Abdullah, da Jordânia, cancelou a
cúpula que teria com Biden e os presidentes do Egito, Abdel Fattah al Sisi, e
da Autoridade Palestina, Mahmoud Abbas, depois do bombardeio do hospital em
Gaza.
Antes de Biden, o secretário de Estado já
havia tido dificuldades de transitar até junto a um aliado histórico, a Arábia
Saudita. Anthony Blinken chegou a Riad no fim da tarde do sábado na expectativa
de encontrar Mohammed bin Salman naquela noite. Acabaria informado de que o
príncipe herdeiro, depois de um chá de cadeira, só o receberia no dia seguinte.
De Sisi, Blinken chegou mesmo a ouvir que, a
despeito de o ataque do Hamas ser condenável, foi o resultado da “acumulação de
fúria e ódio de quatro décadas em que não foi dada esperança de uma solução
para os palestinos”.
O convite que Sisi estendeu ao Brasil para
que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva participe da conferência que vai
promover no Cairo neste sábado é mais um indício de que o Brasil, como diz o
assessor especial da Presidência, Celso Amorim, se legitimou no conselho.
A conferência, para a qual foram convidados
os cinco membros permanentes do CSNU, a Espanha, na condição de presidente da
União Europeia, a Jordânia, a Turquia, o Iraque, a Argélia e o Catar, já estava
anunciada desde o domingo.
O Brasil, na condição de presidente do CSNU,
não constava da lista de convidados. O chanceler Mauro Vieira chegou a conversar
duas vezes ao longo da terça-feira com o chanceler egípcio, Sameh Shoukry, por
conta da evacuação dos brasileiros de Gaza, mas o assunto não foi levantado. O
convite só apareceria nesta quarta-feira depois da reunião do conselho, o que
sugere o reconhecimento do esforço do Brasil em mediar posições. ‘
O Egito é um dos pivôs do conflito, visto que
é a porta de saída humanitária não apenas para os estrangeiros residentes em
Gaza quanto para os próprios palestinos.
A votação expôs o retrocesso imposto aos EUA
em seu papel de mediador na região. Representantes dos países árabes assistiram
à reunião e alguns, como o da Jordânia, se pronunciaram pela resolução.
E todos poderão voltar a se pronunciar numa
reunião aberta do Conselho no dia 24 e numa plenária da Assembleia Geral quando
os EUA devem expor as razões de seu veto. Isso se deve a uma mudança aprovada
no ano passado, em função da Ucrânia, para constranger Rússia e China a não
vetarem resoluções. Agora volta-se contra os EUA.
Parece claro que os americanos se expõem a
esse desgaste em função da política doméstica. Com uma reeleição difícil no
próximo ano, Biden teme se abespinhar com as comunidades judaica e pentecostal,
que condicionam apoio à proteção dos EUA a Israel.
A encruzilhada de Biden se explicita quando
se compara a conjuntura em que se aprovou a última resolução da ONU sobre os
palestinos. Foi em 2016, último ano do governo Barack Obama, do qual o atual
presidente americano foi vice.
Naquela ocasião, o conselho, por unanimidade,
condenou os assentamentos israelenses em áreas palestinas. Pode-se argumentar
que Obama não vetou porque não buscava reeleição, mas em 2009, quando ele ainda
estava no primeiro mandato, duas resoluções de ajuda humanitária, cessar-fogo e
proteção a civis foram aprovadas.
Depois das resoluções da era Obama, ascendeu
Donald Trump. O veto desta quarta demonstra o que representa a ameaça de seu
retorno num ambiente de fragilidade política de Biden, vide o enrosco em torno
da presidência da Câmara. É aí, e não no vizinho de baixo, que devem ser
buscadas as razões de a ONU ter dado as costas a Gaza.
2 comentários:
Misericórdia!
As vidas palestinas nada valem para Biden e seu governo criminoso.
Postar um comentário