Bolsas para ensino médio e Enem são meros paliativos
O Globo
Medidas ajudam, mas, para atrair os jovens às
escolas, seria melhor aprovar a reforma que continua parada
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva
sancionou nesta semana a lei criando o programa Pé-de-Meia, que concede bolsas
para alunos de baixa renda permanecerem no ensino médio.
A evasão nesse segmento tem desafiado gestores. Ao mesmo tempo, o governo
pretende pagar um bônus a estudantes do terceiro ano que prestarem o Exame
Nacional do Ensino Médio (Enem), cujo esvaziamento também tem preocupado o MEC.
Pelo projeto, alunos da rede pública de famílias inscritas no Cadastro Único para Programas Sociais (CadÚnico) receberão uma ajuda mensal e uma poupança anual para permanecer no ensino médio. O dinheiro acumulado nos três anos poderá ser usado após a conclusão do curso. De acordo com o MEC, os valores a pagar dependerão de negociação com os estados. Para usufruir o benefício, os alunos precisarão ter frequência mínima de 80% nas aulas.
É positivo criar incentivos para a
permanência na sala de aula e a participação no Enem. Atualmente, a taxa de
evasão nos três anos do ensino médio é, respectivamente, de 8,8%, 8,3% e 4,6%
(cerca de 500 mil largam a escola todo ano). A adesão ao Enem, embora tenha
subido, ainda é baixa. Em 2023, apenas 50,8% dos 2 milhões de alunos que
concluíam o ensino médio prestaram o exame.
A falta de interesse pelo Enem — porta de
entrada para as universidades — é mistério até para o governo. O ministro da
Educação, Camilo
Santana, reconheceu desconhecer os motivos e anunciou uma pesquisa,
em parceria com estados e municípios, para entender por que os jovens não
buscam o Enem. Já não era sem tempo.
Ainda que haja mérito nas iniciativas para
ampliar o alcance da educação, não será recorrendo a bolsas assistenciais que o
governo resolverá os problemas do ensino médio. A situação financeira dos
alunos não é a única dificuldade. Não se podem menosprezar as deficiências na
formação de professores, a precariedade de escolas, a falta de apelo dos
cursos, os currículos defasados, a desconexão flagrante da realidade dos
jovens, da demanda das empresas e de um mercado de trabalho competitivo.
A prioridade do governo deveria ser aprovar
as alterações na reforma do ensino médio, concebida há sete anos para torná-lo
necessário e atraente para todos. Dando voz a grupos que se opõem a qualquer
mudança, o MEC suspendeu a implantação da reforma em abril passado para dar um
“freio de arrumação”. Enviou novo projeto ao Congresso corrigindo problemas da
proposta original, especialmente em relação à carga horária das disciplinas
básicas. Os parlamentares fizeram modificações, o governo não gostou e, no fim
de 2023, a votação foi adiada para este ano. A solução está posta. O governo já
perdeu um ano em hesitações e discussões pouco produtivas. Lamentavelmente,
está tudo na estaca zero.
Enquanto isso, o país gasta dinheiro — o
programa Pé-de Meia deverá custar R$ 6 bilhões neste ano e R$ 20 bilhões até
2026 — para atrair os alunos a cursos que já não atendem à demanda dos tempos
atuais. Os jovens deveriam buscar o ensino médio para aumentar sua chance de
conseguir um bom emprego e uma boa renda. Não para fazer jus a mais uma bolsa
criada pelo PT.
Sucesso no combate à dengue depende não
apenas da vacina
O Globo
Nova aliada é avanço fundamental, mas não
elimina a necessidade de práticas conhecidas contra o mosquito
São preocupantes as perspectivas para a dengue neste
ano. Depois dos recordes sucessivos de 2022 e 2023, o Ministério da Saúde e o
InfoDengue, da Fiocruz, estimam para 2024 uma média de 3 milhões e um máximo de
5 milhões de infectados. No ano passado, o país registrou 1,7 milhão de casos e
1.094 mortes. As altas temperaturas combinadas a chuvas intensas contribuem
para a proliferação do mosquito transmissor da doença, dificultando ainda mais
o já difícil combate aos focos de Aedes aegypti.
Neste ano, as autoridades de saúde contarão
com uma nova aliada no controle da doença. A vacina Qdenga,
da farmacêutica japonesa Takeda, deverá começar a ser aplicada no país em
fevereiro. Ela foi aprovada pela Anvisa em março do ano passado, mas, devido à
hesitação do governo, à baixa capacidade de fabricação e aos trâmites
burocráticos do Ministério da Saúde, só foi liberada para uso no SUS em
dezembro.
Desde julho, a vacina está disponível em
clínicas particulares por preços entre R$ 800 e R$ 1 mil. Protege contra os
quatro tipos de dengue. Recomendada para a faixa de 4 a 60 anos, é aplicada em
duas doses. Segundo o fabricante, nos testes clínicos demonstrou eficácia de
80,2% para evitar infecções e de 90,4% para casos graves.
A capacidade de entrega da Takeda é, porém,
limitada. Por isso não haverá vacinação maciça, como aconteceu com a Covid-19.
O primeiro lote, de 460 mil doses, deverá chegar no mês que vem. Até novembro,
o Ministério da Saúde deverá receber 5 milhões, além de um carregamento de 1
milhão doado pelo laboratório (seriam necessários pelo menos 10 milhões).
Diante da escassez de doses e do aumento
esperado nos casos, é acertada a estratégia do ministério ao traçar
prioridades. Seguindo recomendação da câmara técnica de imunização, deverão ser
vacinadas crianças e adolescentes entre 6 e 16 anos nas regiões com maior
incidência da doença. A OMS também orienta a aplicação nessa faixa etária. A
decisão final sobre público-alvo e municípios prioritários deverá ser tomada
até o fim do mês, com a participação de secretários estaduais e municipais de
Saúde.
Por mais que o Ministério da Saúde priorize
grupos vulneráveis nas áreas de maior incidência, a vacinação não será
suficiente para conter a doença, ao menos num primeiro momento. Será
fundamental, portanto, combater os focos do mosquito transmissor eliminando
recipientes que acumulam água parada em quintais, terrenos baldios e vias
públicas. Isso exige esforço conjunto dos três níveis de governo e da própria
população, uma vez que 90% dos criadouros estão nas residências. O aumento dos
casos tem mostrado que todos têm falhado nessa tarefa. A vacina é só parte da
solução, ninguém deve esmorecer em todas as demais medidas já conhecidas de
combate à dengue.
Capacidade de adaptação à IA define futuro do
emprego
Valor Econômico
Mulheres, trabalhadores com mais educação e
os mais jovens no Brasil são os mais expostos às inovações, mas também os mais
bem colocados para encontrar emprego à sombra delas
A revolução da Inteligência Artificial se
distingue das anteriores, como a da automação acelerada provocada
desenvolvimento da informática. Ao contrário delas, que eliminavam tarefas
repetitivas, ou etapas que se tornaram obsoletas em um processo produtivo,
atingindo duramente escalões intermediários e os de baixa escolaridade, a IA
põe em xeque também carreiras e profissões intensivas em conhecimento.
Algoritmos podem realizar tarefas antes a cargo de técnicos e especialistas de
alta qualificação. O avanço da IA afetará 40% da mão de obra global e 41% da do
Brasil, segundo estudo do Fundo Monetário Internacional, mas este não é o dado
mais importante. A capacidade de migrar para setores complementares aos
altamente expostos à IA determinará a nova configuração do trabalho nos países.
“A facilidade em obter habilidades relacionadas a IA determinará o impacto
final dessa tecnologia”.
O FMI criou um índice que revela o estado de
preparação dos países para a nova tecnologia, incluindo 32 economias avançadas,
56 emergentes e 37 em desenvolvimento. O Brasil não está mal em uma comparação
de 30 países em diferentes estágios de desenvolvimento - está na exata média,
na 15ª posição em 30 países. O índice considera quatro dimensões:
infraestrutura digital, inovação-integração, capital humano, e regulação e
ética. É conhecido que o país tem séria defasagem na disseminação massiva de
habilidades digitais e possui baixa flexibilidade no mercado de trabalho. Outro
handicap sério envolve inovação e integração: baixo investimento em pesquisa e
desenvolvimento, alta tarifa média e muitas barreiras não tarifárias.
Os economistas do FMI argumentam com uma
“escala” de exposição que desmente a suposição de que a IA vai destruir em
massa os empregos menos qualificados e os da média administração. Os países
mais expostos à nova tecnologia são as economias avançadas. Mas há diferentes
maneiras de estar exposto. Os países ricos têm a maior parte das ocupações com
alta exposição, pois são intensivas em conhecimento, mas também, e por causa
disso, sua mão de obra tem mais facilidade de se adaptar às atividades
complementares à IA. Na média das economias avançadas, o percentual dos
trabalhadores altamente exposta é de 27%, ante a média de 16% nos países
emergentes.
Mas há também a categoria de alta exposição
com baixa complementaridade, o que significa destruição de ocupações e
empregos. A proporção dos empregos nessa condição é de 33% nos países ricos e
mais baixa, de 24%, nos emergentes. Isto não faria muito sentido não fosse a
terceira categoria, a da baixa exposição à tecnologia, que no Brasil, por
exemplo, é de 60% e abrange todo o setor informal da economia, vasta parcela
dos serviços e de ocupações de baixa qualificação. O Brasil tem então 20% do
total de seus empregados sujeitos à alta exposição às mudanças, mas com
capacidade de encontrar ocupação a elas ligadas, e 20% com baixa
complementaridade, onde mora o perigo da extinção de ocupações.
Isto significa que na primeira onda da
revolução da IA o país será menos afetado, simplesmente pelo seu atraso
econômico. Mas outro efeito da IA o constrangerá: a distância entre ele e os
países ricos aumentará, abrindo um fosso que pode condenar o Brasil a patinar
no pântano da baixa produtividade por muito tempo, se não para sempre. “O
impacto líquido no emprego dependerá da capacidade do país em inovar, adotar e
se adaptar à IA”, registra o estudo.
Mulheres, trabalhadores com mais educação e
os mais jovens no Brasil - e no mundo - são os mais expostos às inovações, mas
também os mais bem colocados para encontrar emprego à sombra delas. Na ponta
oposta estão os trabalhadores mais velhos e os menos qualificados. Além disso,
quanto menor a renda do trabalhador exposto à tecnologia, menor a chance de
permanecer ocupado. Já os situados entre os 20% mais bem remunerados têm mais
chances de sucesso.
O estudo mostra que a adoção da IA aumenta as
rendas do capital e aprofunda a desigualdade de riqueza. Mas há nuances.
“Simulações sugerem que altas desigualdades iniciais de renda e de riqueza
podem exacerbar a disparidade de riqueza, porque os ganhos associados à IA se
acumulam no topo da renda”, aponta. Em economias com baixa exposição à
tecnologia, o impacto direto é menos intenso. Os economistas se concentraram
nos efeitos sobre ocupação, e deixaram em segundo plano os benefícios da
tecnologia, relacionados brevemente. Ela pode aliviar a falta de pessoas
especializadas nas áreas de saúde e educação, propiciando melhores serviços
públicos, além de aumentar a produtividade e competitividade em vários setores
da economia, entre muitas outras.
Preocupações de especialistas brasileiros têm
pontos de contato com as do FMI. Estudo da Academia Brasileira de Ciências
(“Recomendações para o avanço da inteligência artificial no Brasil”) é enfático
ao pregar a urgência de investimentos adequados e políticas públicas
“duradouras e apropriadas”. Sem isso, “o quadro global de IA pode empurrar o
Brasil para um declínio tecnológico sem precedentes”, adverte. É uma ameaça
real para uma economia fechada e não integrada às cadeias globais de produção.
Quão desigual?
Folha de S. Paulo
Seja qual for a métrica, Estado precisa
conter inflação e rever tributos e gasto
Se não pode restar dúvida de que a
desigualdade social no Brasil é elevadíssima e vergonhosa, as dimensões dessa
concentração de renda e sua evolução têm sido objeto de um
proveitoso debate acadêmico e político nos últimos anos.
Até meados da década passada, acreditava-se
que a disparidade entre ricos e pobres seguia em trajetória de queda quase
contínua desde o início do século, o que era um dos indicadores mais alardeados
pelas administrações petistas.
Os dados empregados na época se baseavam nas
pesquisas amostrais periódicas do IBGE, em particular as destinadas a apurar os
níveis de emprego e renda —um padrão seguido globalmente.
A partir do trabalho do economista francês
Thomas Piketty, porém, firmou-se o entendimento de que esse tipo de estatística
tende a subestimar os rendimentos no topo da pirâmide social.
Por motivos variados, entre eles o mero
desconhecimento, entrevistados declaram incorretamente os ganhos que são
oriundos não do trabalho, mas do patrimônio, como juros, dividendos e aluguéis.
Para sanar a deficiência, tornou-se comum o
uso de informações prestadas nas declarações do Imposto de Renda das pessoas
físicas. Com tal recurso, diferentes estudos apontaram que a desigualdade
brasileira ficara estável, em nível mais alto do que se imaginava, ou mesmo
subira até 2015.
A conclusão não é consensual, entretanto. Em
2021, um trabalho divulgado pelo Insper inovou
ao considerar rendas não monetárias dos mais pobres, como acesso a
educação e saúde públicas, e concluiu que a disparidade social diminuíra, sim,
até 2015, embora com alta em 2016 e 2017.
Conforme a Folha noticiou, pesquisa
do economista Sérgio Gobetti recém-publicada pela FGV indica alta da
concentração entre 2017 e 2022 —quando a
renda declarada pelo 0,01% mais rico do país quase dobrou, enquanto
a dos brasileiros que não pertencem aos 5% do topo avançou 33%.
Já a pesquisa amostral do IBGE apurou queda
da desigualdade do rendimento domiciliar per capita no período (de 0,539 para
0,518 pelo índice de Gini, que varia de 0 a 1), com ajuda do emprego e das
transferências de renda do governo.
O aprimoramento das estatísticas é crucial
para aferir a eficácia das políticas sociais. Qualquer que seja a métrica, de
todo modo, são evidentes os imperativos de buscar uma tributação mais
progressiva, melhorar o ensino básico, manter a inflação sob controle e rever
gastos públicos que beneficiam os estratos mais abonados.
O bullying e a lei
Folha de S. Paulo
Norma tem méritos e excessos; avanços
dependem de transformação cultural
Diz-se, proverbialmente, que, se a única
ferramenta de que se dispõe é um martelo, todos os problemas se parecerão com
um prego. Esse viés cognitivo faz com que superestimemos os poderes das
ferramentas que nos são familiares.
Legisladores são particularmente suscetíveis
a esse viés. São poucos os problemas sociais que os parlamentares não tentam
resolver a golpes de leis, não raro penais.
Eles não estão inteiramente errados.
Problemas sociais são fenômenos complexos com múltiplas causas e, em muitos
casos, devem ser abordados pela via penal. O risco é que, aprovada a norma, as
autoridades considerem a missão cumprida e abandonem o problema, que só passa
tangencialmente por essa área do direito.
O novo
diploma sobre o bullying é um exemplo. Intimidações contra crianças
e adolescentes sempre foram uma adversidade no ambiente escolar. Tornaram-se
piores com a internet, já que na modalidade presencial ficavam limitadas a
algumas horas por dia. Na virtual, afetam a vítima diuturnamente.
Não é de todo mau tipificar a prática como
delito. Tal medida fornece a diretores, professores, pais e alunos mais um
argumento contra o bullying e um recurso efetivo para agir em casos mais
graves.
Foi sensato que, na modalidade presencial, os
legisladores tenham sido módicos na sanção prevista, que ficou limitada a multa
—embora não tenham deixado claro quem a pagaria, já que menores não podem ser
incriminados.
A moderação é necessária. Os autores das
intimidações no mais das vezes são outras crianças, que também podem ser
vítimas.
Contudo o que distingue o bullying de
interações sociais traumáticas, mas não criminosas, é principalmente a
repetição sistemática, característica muito difícil de fixar em regra. Quantas
vezes por semana é necessário agredir um jovem para caracterizar o delito?
Ademais, a moderação foi abandonada no
cyberbullying. A pena prevista deixou de ser apenas multa para converter-se em
dois a quatro anos de prisão. A discrepância é excessiva, mesmo considerando
que as
repercussões da prática virtual tendem a ser piores.
Deve-se registrar que os parlamentares
tiveram o cuidado de propor a criação de uma política nacional de prevenção e
combate ao bullying. Porém tirá-la do papel exige mais do que uma lei. Passa
por uma transformação cultural.
A boa notícia é que há indícios de que ela esteja em curso. O problema é que jamais dará conta de todos os casos e ocorre lentamente. Para muitas crianças, já será tarde.
A obsessão de Lula pela Vale
O Estado de S. Paulo
Ao agir para emplacar o companheiro Mantega
na direção da empresa, o presidente retoma sua campanha para transformá-la em
agente de seus delirantes projetos desenvolvimentistas
O presidente Lula da Silva quer porque quer
retomar o poder de influência sobre a Vale. Consta que o petista está fazendo o
que pode para emplacar o companheiro Guido Mantega na empresa – como presidente
ou como integrante do Conselho de Administração. Em qualquer hipótese, a
simples possibilidade de que isso aconteça, mesmo que Mantega não tenha
condições de mudar os rumos da Vale como deseja Lula, ajudou a derrubar as
ações da companhia na Bolsa – investidor nenhum gosta de interferências
políticas nas empresas em que põe dinheiro.
A intenção de fincar uma bandeira na
mineradora, a segunda maior do mundo, traduz a obsessão de Lula e do PT em
transformar as grandes empresas nacionais em agentes a serviço dos delirantes
projetos desenvolvimentistas do lulopetismo. O caso da Vale é exemplar dessa
sanha.
Lula vem desde pelo menos 2006 questionando
os rumos da empresa depois de sua privatização, em 1997, sob a alegação de que
privilegia a busca do lucro e coloca em segundo lugar o imperativo de investir
no País e gerar empregos. Em 2009, em seu segundo mandato, Lula traçou o plano
de substituir o então presidente da Vale, Roger Agnelli, porque este havia
demitido 1.300 funcionários em razão da crise mundial de 2008 e,
principalmente, porque havia se recusado a tocar adiante o projeto lulopetista
de investir na área de siderurgia e de transformar a Vale em generoso cliente
da inexistente indústria naval que Lula sonhava desenvolver. Agnelli não
resistiu à pressão e caiu em 2011 – depois de manobras, ora vejam, do então
ministro da Fazenda, Guido Mantega, que costurou apoio dos principais
acionistas da Vale para afastar o executivo, tornando-se, ele mesmo, uma
espécie de interventor informal da então presidente Dilma Rousseff na
companhia.
Logo, chega a ser ofensiva a versão segundo a
qual Lula estaria se empenhando em cavar um lugar para Mantega na Vale apenas
para demonstrar gratidão ao ex-ministro por seus serviços prestados e
arranjar-lhe um bom salário. Todos sabem que Mantega foi escolhido para essa
missão porque é um tarefeiro do lulopetismo, como ficou claro, por exemplo,
quando presidiu o Conselho de Administração da Petrobras, entre 2010 e 2015.
Naquela época, Mantega deu aval aos projetos megalomaníacos que ajudaram a
arruinar a empresa e atuou em favor da política suicida de preços dos
combustíveis para socorrer a companheira Dilma, às voltas com uma inflação que
corroía sua popularidade.
Portanto, ainda que Mantega seja um nome
indelevelmente ligado ao que de pior o lulopetismo produziu, sobretudo na
trágica passagem de Dilma Rousseff pela Presidência, quando ajudou a mascarar o
desastre das contas públicas que culminaria em recessão e impeachment, ele não
passa de um peão no projeto estatólatra de Lula.
Esse projeto inclui não só a Vale, mas também
a Eletrobras, cuja privatização é tratada por Lula como “sacanagem”,
“bandidagem” e “crime de lesa-pátria” – o presidente mandou entrar na Justiça
para reaver o poder de decisão sobre a empresa, o que na prática representaria
sua reestatização, um escandaloso retrocesso. E, claro, não se pode esquecer da
Petrobras, cuja reconstrução após a razia lulopetista levou anos, mas que de
uns tempos para cá voltou a navegar ao sabor dos interesses do governo, em franco
desrespeito aos seus investidores privados.
Seria tolo esperar outra coisa de Lula, um
presidente comprovadamente incapaz de imaginar o Brasil com uma economia que se
desenvolva e se sustente por suas próprias forças, em razão de investimentos
privados, num ambiente de livre competição, sem qualquer interferência estatal.
Nos sonhos de Lula está um setor produtivo que deixe de buscar o lucro e seja
voluntarioso agente de seus fantásticos projetos de desenvolvimento liderados
pelo Estado – todos já devidamente desmoralizados ao longo da trevosa era em
que o lulopetismo exerceu o poder.
Talião não é bom conselheiro
O Estado de S. Paulo
Articulação entre os governadores de São
Paulo, Minas e Goiás para acabar com as saídas temporárias de presos é
desumana, imprudente e oportunista. A sociedade só tem a perder
É desumana, imprudente e oportunista a
articulação entre os governadores de São Paulo, Tarcísio de Freitas, de Minas,
Romeu Zema, e de Goiás, Ronaldo Caiado, para aprovar no Senado um projeto de
lei que põe fim às saídas temporárias de presos, conhecidas como “saidinhas”,
benefício concedido aos apenados de bom comportamento que cumprem o regime
semiaberto.
É desumana porque está inspirada por uma
concepção medieval de pena, segundo a qual, quanto mais supliciado for um
criminoso – ou mero suspeito –, mais o clamor por “justiça” será aplacado.
Nesse sentido, note-se que são poucos os que ainda se espantam com a renitência
do “estado de coisas inconstitucional” em que se encontra o sistema prisional
do País, sem que uma só autoridade tenha tido coragem para enfrentar esse
problema, ponto de partida para políticas públicas sérias na área de segurança.
Os governadores vocalizam uma compreensão
obtusa de que criminosos, ao serem capturados, deixam de ser titulares de
direitos – inclusive, e sobretudo, direitos humanos. Mais bem dito: para essa
turma, movida por uma mentalidade de aniquilação, criminosos são animais; e
quanto pior forem tratados, melhor para a sociedade. Essa não é uma ideia de
segurança pública que anima apenas autoridades brasileiras. Em El Salvador,
Nayib Bukele é uma celebridade por encarnar, até de forma caricata, a ideia
segundo a qual “bandido bom é bandido morto”.
Casos de sucesso em políticas de segurança
pública no mundo civilizado são aqueles que não negam a existência de direitos
aos que violam as leis; ao contrário, são os que lembram a todo instante que,
num Estado Democrático de Direito, não há lugar para a barbárie nem tampouco há
confusão entre justiça e justiçamento. As câmeras corporais nas fardas das
polícias são exemplo vívido desse tipo de abordagem da segurança pública,
profissional e republicana.
A articulação pelo fim das “saidinhas” entre
Tarcísio, Zema e Caiado também é imprudente porque não considera as evidências
científicas. É sabido que uma ínfima minoria de presos não retorna ao cárcere
terminado o período de liberação judicial – cerca de 4,5% dos beneficiados. Em
São Paulo, 34.547 presos saíram às ruas para as festas de fim de ano. Desses,
apenas 1.566 não retornaram no dia aprazado, e só 81 deles – 0,002% dos
beneficiados – foram flagrados pela polícia paulista cometendo crimes.
Diante desses números, é vergonhosa a
declaração do secretário de Segurança Pública de São Paulo, Guilherme Derrite,
segundo a qual as “saidinhas” representam “um dos principais entraves para a
segurança pública” no Estado. Ou se está diante de desonestidade ou se trata de
rematada incompetência do sr. Derrite, por erro de diagnóstico tão crasso, para
ocupar um cargo muito acima de suas capacidades.
Por fim, trata-se de uma articulação
oportunista tendo em vista os cenários políticos delineados não só para 2024,
como também para 2026, ano de eleições gerais. Tarcísio, Zema e Caiado apelam à
emoção primal dos eleitores, fartos de décadas da incompetência do Estado para
lhes prover segurança. Presumem que os cidadãos querem vingança, não justiça.
E, ao invés de iluminar o caminho, o obscurecem ainda mais com seu populismo
rasteiro.
O fim das saídas temporárias não torna a
sociedade mais segura e ainda pode aumentar o risco de violência a que estão
expostos os cidadãos. Os beneficiados pela medida, lembremos, já saem dos
presídios para trabalhar ou estudar hoje, retornando à prisão apenas para o
pernoite. Ademais, cumprem suas penas em estabelecimentos despreparados para o
regime semiaberto, convivendo com presos de altíssima periculosidade.
Um caminho técnico para evitar que presos em
liberdade temporária fujam ou cometam crimes durante as saídas, sem prejuízo de
outras propostas, seria aprimorar os critérios para a liberação, negando o
benefício, por exemplo, a membros de organizações criminosas.
Tudo mais é aceno irresponsável para os
sedentos de sangue, em particular nas redes sociais, essa espécie de Coliseu do
século 21.l
Taiwan joga os dados
O Estado de S. Paulo
Espaço para acomodação com a China fica ainda
mais reduzido após eleição na ilha
As eleições presidenciais em Taiwan, no
último dia 13, consagraram a permanência no poder do Partido Democrático
Progressista (PDP), favorável à independência formal da ilha da China
continental. A vitória nas urnas da candidatura de Lai Ching-te foi obviamente
uma derrota de Pequim. Como se esperava, tal fracasso foi respondido com
ameaças adicionais do regime de Xi Jinping de anexação à força dessa “província
rebelde” – na verdade, território autônomo desde 1949 e democracia liberal há
quatro décadas. Como o espaço para acomodação entre Taiwan e China se reduziu
consideravelmente, é real a possibilidade de que os chineses partam para uma
ação militar. Disso depende a preservação de uma frágil paz não só no Oriente,
mas entre China e Estados Unidos – de quem Taiwan depende para se defender.
O médico e político Lai recebeu das urnas 40%
dos votos válidos, sobretudo de gerações que autenticamente se reconhecem como
taiwanesas – não como chinesas – e que rejeitam a subordinação do país ao
Partido Comunista Chinês. Não faz parte dos planos dessa parcela da população
ver Taiwan sob o risco de se converter em uma nova Hong Kong. Reincorporada à
China sob o compromisso de preservação de sua autonomia, Hong Kong teve a
promessa rasgada em seguida por Pequim. A votação do último sábado em favor da independência,
sublinhe-se, deu-se sob a coação das forças navais chinesas, que executaram
manobras no estreito que separa a China continental de sua alegada província.
Igualmente é preciso destacar que os dois
principais partidos de oposição, ambos permeáveis às propostas e às ameaças do
regime de Xi, angariaram 60% dos votos, no total, capturando a maioria no
Congresso de Taiwan. Expôs, portanto, limites reais à agenda independentista no
futuro governo de Lai. Sobretudo, indica que dificilmente partirá de Taiwan
qualquer atitude que possa ser lida por Pequim como pretexto para uma invasão.
O problema é que a China, assim como demonstrou a Rússia ao invadir a Ucrânia em
2022, não precisa de motivação incontestável para desencadear uma guerra que,
há décadas, preferiu pragmaticamente evitar.
O governo americano, por sua vez, move-se
entre dissuasão e advertência para evitar que Xi Jinping cumpra sua promessa
de, “em breve”, anexar Taiwan à China. Há sete décadas, os EUA cuidam da
proteção militar da ilha, mas, por outro lado, não expressam apoio à
independência de Taiwan. Qualquer gesto de Washington, no entanto, é lido por
Pequim como interferência naquilo que considera ser “assunto interno”.
A incerteza sobre como Xi Jinping e o presidente americano, Joe Biden, evitarão que o mundo seja exposto a uma guerra com efeitos incalculáveis é motivo de preocupação permanente. Outras incertezas, como o resultado da eleição presidencial americana, em novembro, tornam efêmera qualquer previsão sobre esse risco em futuro próximo. O certo é que, enquanto não interessar à China nem aos EUA mover a primeira peça desse xadrez, uma frágil paz será o máximo que o mundo poderá desfrutar.
O duro combate à desinformação
Correio Braziliense
Os especialistas chamam a atenção para o fato
de as fake news estarem dominando os debates sem que os governos sejam capazes
de conter esse movimento com a rapidez necessária
Dias antes de dar início ao encontro anual
deste ano, na segunda-feira, em Davos, na Suíça, o Fórum Econômico Mundial
divulgou seu tradicional relatório de riscos para o planeta. Pela primeira vez,
mais de 1,4 mil especialistas apontaram a disseminação de desinformação como a
principal ameaça global, que tem força o suficiente para provocar agitações
sociais, desestabilizar governos e minar a democracia. Na visão desses
analistas, o quadro tende a se agravar numa velocidade assustadora, diante do
uso da inteligência artificial nesse processo. A tecnologia é capaz de
manipular imagens, voz, distorcer dados e dar veracidade a mentiras.
Os especialistas chamam a atenção para o fato
de as fake news estarem dominando os debates sem que os governos sejam capazes
de conter esse movimento com a rapidez necessária. O temor é de que, num mundo
já polarizado, com guerras ganhando proporções preocupantes, a desinformação
tome conta de processos eleitorais fundamentais para ditar os rumos do planeta.
Neste ano, serão mais de 70. Haverá disputas para o Parlamento Europeu, e os
Estados Unidos definirão o próximo presidente da República. Os cidadãos de
potências emergentes, como a Índia e a Indonésia, também irão às urnas. A lista
de pleitos é engrossada por México, Peru, Reino Unido, Panamá e República
Dominicana. No Brasil, o ano será de eleições municipais.
Está mais do que na hora, portanto, de o
Congresso brasileiro definir limites para a internet, com uma consistente
regulação das redes sociais. O projeto de lei das fake news foi mais do que
debatido no último ano e está pronto para votação em plenário. Se não levarem
adiante a proposta que tem como relator o deputado Orlando Silva, a Câmara e o
Senado terão de assumir a responsabilidade de que foram lenientes com aqueles
que usam a mentira como arma para atacar pessoas e instituições. Que ninguém
duvide da disposição dos que desprezam a democracia em usar todas as
ferramentas disponíveis para inundar as campanhas eleitorais de inverdades,
pregando o ódio e a intolerância.
Regulação não pode ser comparada à censura.
Os adeptos da desinformação tentam disseminar a visão de que, ao se impor
limites à internet, está se ferindo o direito constitucional da liberdade de
expressão. União Europeia, Canadá e Austrália têm avançado no sentido de
controlar as redes sociais, sem que isso represente ameaça ao direito de as
pessoas se manifestarem livremente. O que se quer é que as big techs tenham
regras semelhantes às impostas aos meios de comunicação tradicionais, que podem
ser punidos em caso de abusos. No mundo virtual, é o vale-tudo. Tanto que se
transformou em terreno fértil para o crime organizado, o terrorismo e o tráfico
de seres humanos.
O Brasil não pode ficar para trás nesse
debate. As fake news 4.0, agravadas pela inteligência artificial, precisam ser
combatidas com todo o rigor. No retorno do Congresso aos trabalhos, em
fevereiro próximo, o projeto que trata sobre o tema terá de ser prioridade não
apenas por causa das eleições municipais, mas, sobretudo, para salvar vidas.
São cada vez mais frequentes relatos de pais que perderam os filhos para a
desinformação. Crianças e adolescentes têm sido levados a tirar a própria vida,
seja por não conseguirem lidar com notícias falsas a respeito deles, seja por
indução do submundo que opera na deep web. A monstruosidade no mundo virtual
das mentiras não tem limites.
O Legislativo, inclusive, deve agir para não levar o Judiciário a definir as regras para a internet. É visível que o Supremo Tribunal Federal (STF) está comprometido com o combate à desinformação, mas cabe a deputados e senadores chegarem a um consenso em torno das regras que prevalecerão em lei. Os líderes de todos os partidos devem ser chamados para o debate, como manda o regime democrático. Divergências são naturais. Por isso, há a opção do voto em plenário na Casa do povo. Já passou da hora de se tratar a Lei das Fake News com o respeito que ela merece, sem nenhum tipo de ideologia. A sociedade, que elegeu seus representantes no parlamento, não pode pecar pela omissão, sob o risco de ser a maior vítima da onda de mentiras.
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