terça-feira, 12 de novembro de 2024

Patrimonialismo americano – Pedro Doria

O Globo

No final da semana passada, o senador republicano Mike Lee publicou na plataforma X um post curto. Argumentou que o Federal Reserve, o banco central americano, deveria ser controlado pelo presidente da República. Imediatamente Elon Musk retuitou a mensagem de Lee. Entrou na campanha pelo fim do banco central independente. Enquanto isso, as criptomoedas todas disparavam como não se via há anos. Bitcoins voltaram a valer muito.

Para quem é atento, não há surpresa. Donald Trump é iliberal. Não quer banco central independente, deseja tarifas comerciais altas, despreza organismos multilaterais na gerência do globo. Tudo que o pensamento liberal criou nos últimos cem anos, Trump abomina. Por isso, tampouco deveria ser surpresa ver patrimonialismo, igualzinho ao nosso, brasileiríssimo, surgindo por lá. Neste exato momento, Musk e uma dúzia de bilionários do Vale do Silício já começaram a aumentar suas fortunas inflando o valor das criptomoedas.

Em julho, um dos principais investidores do Vale, Mark Cuban, desenhou a estratégia. Aumentam as barreiras alfandegárias sobre os importados chineses, aumenta a inflação. Ao mesmo tempo, haverá insegurança em todo o mundo em relação à maneira como Trump cuida da economia americana. Perante inflação, resguardar-se com dólares poderá não ser a melhor escolha. No mínimo, será melhor diversificar. Para Cuban, bitcoins e outras criptomoedas terminariam por aumentar em valor. Já acontece.

Cuban foi um dos financiadores da campanha de Kamala Harris. Seus rivais no Vale, os sócios Marc Andreessen e Ben Horowitz, apoiaram Trump desde o início e têm pesados investimentos no mundo cripto. O presidente eleito, ele próprio, lançou mais de uma criptomoeda e garante que desregulará seu comércio. Facilitará seu fluxo, claro, mas também aumentará o tombo de quem investir nelas e perder.

A ideia de o Fed perder independência e estar sujeito aos humores da Casa Branca dificilmente prosperará. Ainda há liberais o suficiente no Congresso que compreendem como a ideia é ruim. Mas só especular sobre isso, com Musk fazendo campanha aberta, já deixa o dólar mais inseguro — e as bitcoins mais fortes. Neste momento, muita gente já ganha dinheiro. Opera o mercado como se não houvesse regras e dá o tom de como serão os próximos quatro anos.

Musk só começou. Comprou uma rede social por US$ 44 bilhões, transformou-a numa gigantesca máquina de propaganda trumpista. Quando veio a campanha, mergulhou de cabeça. Comprou acesso direto ao Salão Oval por quatro anos. Quando Trump deu seu primeiro telefonema a Volodymyr Zelensky, o presidente ucraniano, Musk participou. Por quê? Bem, Musk tem contato consistente com o presidente russo, Vladimir Putin, desde 2022. Os russos têm tecnologia espacial avançada, Musk é dono de uma empresa aeroespacial, a SpaceX. Sua companhia é a principal fornecedora de tecnologia da Nasa. Isso quer dizer que ele tem acesso a informação considerada altamente secreta pelos Estados Unidos. Claro: ele faz os foguetes do país. Esse relacionamento próximo deixava o governo Biden tenso. Agora, tornou-se bem-vindo.

Onde se separam os interesses dos Estados Unidos e os interesses comerciais de Musk? Ao que parece, não há mais diferença. Patrimonialismo puro e simples, pois é. Como numa república de bananas.

Seus interesses em regulamentação não se restringem a naves espaciais ou criptomoedas. A Tesla, seu negócio mais famoso, depende de subsídios para vender automóveis e, agora, começa a enfrentar globalmente a concorrência de chinesas como BYD. Elas fabricam carros elétricos mais baratos. Musk precisa de peças fabricadas na China e, simultaneamente, precisa que o acesso ao mercado global dificultado aos chineses. É bem conveniente ser amigo do sujeito na Casa Branca.

Além disso, ele quer acelerar os carros autônomos. A regulação deveria ser pesada, pois não é claro de quem é a responsabilidade quando houver atropelamento. As regras possivelmente serão escritas nos próximos quatro anos. Que conveniente.

E, claro, existe a X/AI. Sua empresa concorrente de OpenAI, Google e outras. Musk se preocupa com o futuro distante, quando talvez inteligências artificiais destruam a humanidade. Mas não tem nenhuma preocupação com discriminação nos algoritmos ou com direitos autorais dos donos do conteúdo usado para treinamento, os problemas comezinhos de hoje.

O governo Trump nem começou.

 

7 comentários:

Anônimo disse...

Foi emblemático as declarações de Trump em relação a combater a indústria de censura instalada nas universidades, nas redações de jornais e nas Big tech
Ele será implacável Para quem reprimir a liberdade de expressão Isso dará um alento muito grande a todos os democratas e amantes das liberdades mundo afora

Anônimo disse...

Simples assim: o blá blá blá de "amantes da liberdade" esconde o mais puro interesse em turbinar os negócios de quem já opera na casa dos bilhões de dólares. E a boiada vibrando a caminho do matadouro...

Anônimo disse...

É liberdade de expressão divulgar nomes, endereços, nomes das esposas e filhos, onde estudam, números dos celulares, etc de delegado da PF encarregados de inquéritos em andamento?

Anônimo disse...

É liberdade de expressão divulgar documentos FALSOS acusando pessoas de crimes não cometidos? Sabia que a defesa de pablo marçal alegou que a divulgação do documents falsificado era "liberdade de expressão"?

Anônimo disse...

A galera tá sem noção falando um monte de besteira sem conexão com a realidade
Toma atento pessoal
Para de ficar criticando criticando igual adolescente nervoso

Anônimo disse...

É incrível como a esquerda tomou gosto pela censura e é por isso que apoia o careca ditador, mas as horas dele e da censura estão contados Quem diria a esquerda que autora clamava por liberdade de expressão e democrática hoje banca a censura e a perseguição aos opositores , mas a hora está chegando o Trump tá aí

Anônimo disse...

Incrível como o miliciano mentiroso não sai do colo do Trump...