terça-feira, 12 de novembro de 2024

Escala 6x1 evita que pauta seja dominada pelos cortes - Maria Cristina Fernandes

Valor Econômico

Proposta do Psol tem pouca viabilidade, mas evita que a pauta do campo progressista seja dominada pela repercussão negativa dos cortes

Depois de perder a única prefeitura que comandava, Belém (PA), onde o prefeito e candidato à reeleição, Edmilson Rodrigues, não chegou a 10% dos votos, ver sua bancada de vereadores se reduzir para aquém de partidos como o PRTB, e registrar, em São Paulo, o mesmo percentual de votos a despeito de ter gasto 16 vezes mais, o Psol resolveu bombar a proposta que acaba com a semana de seis dias trabalhados por um de folga.

Para sair das cordas, funcionou. A proposta do Psol é a única do campo progressista a pautar o debate público. Enfrentou ainda o estigma de um partido dominado pela pauta identitária ao projetar a deputada trans Erika Hilton (SP), líder do Psol, como autora da PEC. Apresentada em maio, a proposta é uma variação da pauta do movimento “Pela vida além do trabalho”, ambos em torno da redução da jornada de trabalho de 44 horas, lançado na mesma época pelo ex-balconista Rick Azevedo, que acabaria se tornando não apenas o vereador mais votado do Psol como o dono de um mandatos mais baratos do país - R$ 2 por voto (o de Guilherme Boulos custou R$ 38).

A reciclagem do discurso do Psol com uma pauta da vida real, abraçada por um candidato a vereador desdenhado pelo partido, o coloca em linha com a discussão emanada das eleições municipais e da vitória de Donald Trump para o enfrentamento da extrema-direita. Parlamentares do PL, que costumam lacrar em cima das pautas identitárias do Psol, já se mostraram acuados pela PEC contra a semana de seis dias de trabalho.

O sucesso na velocidade com a qual a PEC ultrapassou as 100 assinaturas (são necessárias 171 para ser protocolada) e o abaixo-assinado chegou a 1,4 milhão de assinaturas não guarda relação com a perspectiva de aprovação da proposta, mas o Psol não parece estar preocupado com isso. No balanço que fez da disputa municipal, Boulos disse que para se aliar ao centro a esquerda não precisa abandonar suas próprias pautas. Argumentou que a extrema-direita construiu sua base e tornou-se incontornável defendendo seus próprios valores. Na lição de casa pós-eleição só faltou parabenizar Ricardo Nunes pela vitória.

É bem verdade que para um partido, como o PT, que está dentro do Palácio do Planalto, o descompromisso com a viabilidade das pautas não se aplica. Mas o partido não atentou para a capacidade de a pauta conter a repercussão negativa dos cortes. Ao verbalizar sua oposição à PEC e remeter a redução de jornada para as convenções coletivas, porém, o ministro do Trabalho, Luiz Marinho, mostrou que a resistência ao corte de rubricas de sua pasta lhe minou o prumo. Além de ser incapaz de endereçar propostas aos trabalhadores de aplicativos, também não consegue formatar alternativas para quem está na formalidade mas acumula insatisfações com suas condições de trabalho.

É no descompasso que também se move a guerra interna - e com o governo - que está em curso no PT. É compreensível que o partido se rebele contra cortes no seguro-desemprego ou mesmo contra a desvinculação de benefícios sociais do salário mínimo, como o fez no manifesto desta segunda-feira que abespinhou o governo. Não parece razoável, porém, que o PT se cale ante rubricas que escoam a receita nacional. Não foram citadas no documento subscrito pelo partido, mas brotam às pencas.

O PT foi protagonista do texto que saiu da Câmara dos Deputados preservando, em grande parte, o gigante e obscuro quinhão das emendas. É razoável que o partido resista a apoiar uma nova reforma do Regime Geral da Previdência Social, que abrange a massa de trabalhadores da iniciativa privada, cujo salário médio é de R$ 1,8 mil. O mesmo não se aplica à Previdência do setor público - civil e militar - cujo déficit é proporcionalmente superior àquele do INSS. O partido também terá dificuldade em reencontrar o eco das ruas sem enfrentar o corporativismo de carreiras públicas. O humor antissistema que brota das urnas também é derivado de privilégios que resistem a uma reforma administrativa real e encontram refúgio no Congresso. O PT não é o único partido a lhes dar abrigo, mas é aquele cujo futuro mais pode vir a ser comprometido com a resistência a cortar na carne.

A vitória de Donald Trump parece ter tornado mais improvável a possibilidade de o presidente Luiz Inácio Lula da Silva vir a abrir mão de disputar a reeleição. Esta perspectiva tinha tudo para apaziguar as disputas internas, especialmente os torpedos dirigidos contra o ministro da Fazenda, Fernando Haddad. Só que não. O partido foi derrotado nas urnas de outubro não apenas pelas máquinas dos prefeitos. Foi derrotado pelas suas próprias máquinas - municipal e partidária, vide disputas no Estado de São Paulo como as de Araraquara e Osasco. A partir de agora, e por todo o segundo biênio, é isso que se impõe ao PT: evitar que Lula seja derrotado por seu próprio governo como o foi Jair Bolsonaro.

Culpar a imprensa e o mercado pela cobrança redobrada por ajuste fiscal é dar as costas às pressões exercidas pela eleição de Trump sobre a política monetária dos países emergentes. Não basta reciclar o discurso como fez o Psol com a proposta de acabar com a semana de seis dias de trabalho, é preciso manter as rédeas da economia. A derrota do bom governo de Joe Biden pode ter muitas explicações, mas nenhuma delas pode contornar o preço cobrado pela inflação.

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