O Globo
Apesar de resultados melhores do que o
previsto nas contas públicas, o governo enfrenta desconfiança do mercado em
relação ao controle fiscal
O ano vai terminar com um déficit primário de 0,5% do PIB, abaixo do esperado pelo mercado, 0,8%. Isso na metodologia do Banco Central, que inclui todos os gastos, mesmo os que ficam fora do arcabouço. Assim, repete-se a história de 2024, em que o mercado estimava 0,9% do PIB de resultado negativo e terminou em 0,4%, incluindo todas as despesas. As contas estão com um desempenho melhor do que o projetado, mesmo assim, o governo é visto como descontrolado do ponto de vista fiscal. O que há de verdade e preconceito nessa avaliação?
O governo fez ajuste pelo lado da receita e
não pelo corte de gastos. O mercado sempre acha um erro. Só que os aumentos de
impostos foram justos e anularam algumas renúncias fiscais. Alguém dirá que é
errado cobrar imposto de fundo exclusivo dos ricos? A coisa se passava assim: a
classe média tem o come-cotas pegando pedaços do rendimento dos seus fundos de
investimento. Mas os fundos exclusivos, dos ricos, não tinham esta cobrança e o
imposto poderia acabar nunca sendo pago. O governo corrigiu a injustiça e ainda
passou a tributar os fundos offshore.
Atualmente, trava uma luta para aumentar
imposto sobre bets. O lobby no Congresso não quer deixar. Assim como não deixou
aumentar imposto das fintechs grandes, cobrar tributos de títulos incentivados
e, ainda, engavetou a proposta de controlar os gastos do funcionalismo acima do
teto.
Qualquer que seja o governo em 2027 terá que
fazer um ajuste para conter despesa obrigatória, o que significa mexer no
reajuste do salário mínimo. É um consenso no mercado. O governo Lula deu
aumento real de salário mínimo e, como não desvinculou as despesas da
previdência, acabou virando uma armadilha para o próprio governo, porque elevou
o gasto obrigatório que mais pesa nas contas públicas, o da previdência. O
salário mínimo tinha ficado todo o governo Bolsonaro sem aumento real. Lula
prometeu dar e foi o que ele fez. O problema é que o índice usado reajusta
também as pensões, aposentadorias e vários benefícios.
A equipe econômica tinha uma proposta de
corrigir o salário mínimo pelo teto do arcabouço, 2,5%, mas numa fórmula assim:
se tivesse déficit primário, no ano seguinte, o aumento seria pelo piso das
regras do arcabouço, ou 0,6%. A proposta não foi enviada para o Congresso
porque não passou pelo crivo político. Qualquer que seja o governo é impossível
controlar despesa obrigatória sem fazer uma das duas coisas: desvincular do
salário mínimo ou mudar a regra de reajuste do salário mínimo.
Houve muito ruído entre o governo e o
mercado. Quando a LDO de 2024 foi definida, em abril de 2023, a promessa era
que, com o arcabouço, o mandato terminaria com 1% de superávit. Em abril do ano
seguinte, a meta foi mudada para 0,25% do PIB, o que arranhou a credibilidade.
Aconteceram outros episódios. Em 2024, demorou-se a fazer o contingenciamento.
Havia uma receita com a qual o governo contava e ninguém acreditava, os R$ 55
bilhões com acordos com o Carf. Essa receita se frustrou totalmente, mas o contingenciamento
só foi anunciado em 22 de julho.
O episódio do Auxílio Gás também é apontado
como fator de perda de credibilidade do governo. Foi um não evento na verdade.
Logo depois de apresentar a peça orçamentária de 2025, em agosto do ano
passado, o governo anunciou o programa com uma fórmula estranha. Seria um gasto
por volta de R$ 15 bilhões por ano a ser pago não pelo Orçamento da União, mas
pela Caixa Econômica que usaria recursos do pré-sal. A equipe econômica ficou
contra, e por isso, a proposta foi por projeto de lei, em vez de medida
provisória que entraria em vigor imediatamente. Acabou sendo modificada pelo
governo e hoje o benefício está dentro do Orçamento. Na fórmula original era
uma manobra fiscal.
No fim do ano passado, o governo prometeu que
adotaria medidas fiscais amplas. Anunciou menos do que se esperava e veio junto
com o projeto de isenção de tributos até R$ 5 mil. Como o modelo de isenção não
foi divulgado, as projeções eram de um gasto de R$ 100 bilhões. Ficou em um
terço disso. A equipe econômica focou, acertadamente, naquela faixa de renda.
Seria muito mais caro fazer, como no passado, um corte linear para todos os
contribuintes.
Na verdade, quando se analisa caso a caso, é
possível ver que há mais ruído do que déficit nesse pessimismo com a atual
gestão da política fiscal.

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