domingo, 27 de setembro de 2015

Opinião do dia - Marco Aurélio Nogueira

Não se trata de fazer o elogio retórico e doutrinário da esquerda, mas de lembrar sua contribuição efetiva para a conquista de melhores patamares de vida digna e a qualificação da democracia política. Os valores da esquerda democrática - justiça social, liberdade, tolerância, igualdade, direitos, regulação da economia - não foram dissolvidos pela barafunda de convicções e disputas ideológicas. Continuam ativos e operantes. E poderão, se levados à prática, ajudar decisivamente a soltar a democracia das limitações liberais, por um lado, e da reoligarquização, da corrupção e da degradação ética, por outro.
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Marco Aurélio Nogueira é professor titular e diretor do Instituto de Políticas Públicas e Relações Internacionais da Unesp. - ‘A democracia e a esquerda democrática’ – O Estado de S. Paulo, 26 de setembro de 2015.

Reforma ministerial amplia distância entre Temer e Planalto

Reforma ministerial amplia distância entre Michel Temer e Dilma Rousseff

• Novo desenho da Esplanada proposto pelo Planalto reduz espaço e poder do vice, que, em resposta, atuou para travar as negociações entre a presidente e o PMDB em busca de recompor a base de apoio, aprovar o ajuste e afastar a ameaça do impeachment

Erich Decat - O Estado de S. Paulo

- BRASÍLIA - As negociações para a composição da nova equipe ministerial da presidente Dilma Rousseff, articuladas por integrantes da cúpula do governo e por líderes dos partidos aliados, ampliaram o afastamento entre a petista e seu vice, Michel Temer. Conforme relatos de peemedebistas, o novo arranjo da Esplanada proposto pelo Palácio do Planalto diminui o poder de Temer, que, em resposta imediata, atuou para travar o avanço das mudanças.

As discussões sobre a nova divisão dos espaços do governo também ocorrem no momento em que Temer tem sido excluído pelo Planalto das principais decisões do Executivo. Desde o mês passado, quando Temer afirmou que “alguém” precisava unir o País diante do avanço das crises econômica e política, o poder dele vem sendo desidratado gradativamente.

Articulada nos bastidores, a reação do vice pode comprometer a reforma que tem por objetivo afastar o risco de impeachment da presidente no Congresso e aprovar o ajuste considerado vital para diminuir o impacto da crise econômica.

Na noite da quarta-feira passada, no entra e sai de lideranças do PMDB do gabinete do presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), o ex-ministro e senador Edison Lobão (MA) deu a senha: “O presidente Michel Temer acha que é necessária, mas é contra a reforma agora”.

Apesar de o senador condicionar o avanço da reforma ministerial à votação de propostas de interesse do governo, é outra a avaliação de congressistas da legenda. As negociações “emperraram”, na avaliação deles, porque Temer entrou no circuito para embaralhar o avanço das mudanças sugeridas pela cúpula do Palácio do Planalto. O vice, para eles, percebeu que perderia espaços na Esplanada e, consequentemente, prestígio no partido. Nas palavras de um líder do PMDB, Temer “tem tensionado (as negociações)”.

No rascunho da reforma apresentado aos congressistas por integrantes do Executivo, as Secretarias de Portos e da Aviação Civil, atualmente ocupadas por ministros ligados a Temer, devem ser distribuídas às bancadas do partido na Câmara e no Senado. Os deputados peemedebistas também devem indicar o novo ministro da Saúde, pasta que detém o maior orçamento da Esplanada.

Esse redesenho dos ministérios, que segue a lógica de que a preferência é de quem tem voto, tem sido comemorado no Congresso. Alguns peemedebistas lembram que, no início do governo, Dilma tratava dos principais espaços do governo federal apenas com os presidentes das legendas. Com o atual cenário de crise, em que o Congresso poderá conduzir um processo de impeachment, essa prerrogativa teve de ser revista e transferida às bancadas.

Programa. Mal recebida pelo Planalto, a frase dita por Temer em agosto serviu como mote para o programa partidário do PMDB que foi ao ar em cadeia nacional de rádio e TV na quinta-feira. Entre os vários recados enviados ao governo, o programa apresentou a imagem de Temer, presidente da legenda, formada a partir de um mosaico composto pelas principais lideranças do partido. O jogo de imagens teve como objetivo mostrar que o vice-presidente conta com apoio interno.

Na prática, entretanto, após ser afastado da articulação política e isolado pelo Palácio do Planalto, nem deputados nem senadores do partido defenderam nomes do grupo de Temer para compor a equipe ministerial na semana passada.

O único da cota do vice-presidente que deve ficar na Esplanada é o ministro do Turismo, Henrique Eduardo Alves. Preocupado em assegurar o posto, ele tem intensificado o corpo a corpo com integrantes do partido no Congresso. A iniciativa dele se deve, em parte, pelos sinais de Temer de que, inicialmente, não indicaria ninguém para compor a nova equipe.

Renan e o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), também adotaram a mesma postura. Embora as declarações públicas sejam nesse sentido, os dois “operaram” diretamente com os líderes do partido escalados para as negociações com o Planalto.

Líder do partido no Senado, Eunício Oliveira (CE) tem relatado todos os passos a Renan. E Cunha tem recebido “informes” do líder na Câmara, Leonardo Picciani (RJ). Uma das missões de Eunício é assegurar a permanência no primeiro escalão do ministro da Pesca, Helder Barbalho, filho do senador Jader Barbalho (PMDB-PA).

A Pesca deve ser incorporada ao Ministério da Agricultura, sob o comando de Kátia Abreu (PMDB). A informação nos bastidores era de que Helder deverá ocupar uma das vagas de “ministro de Temer” – Portos ou Aviação Civil. A segunda opção deve ficar com um deputado do PMDB, indicado por Picciani.

Disputa de pastas no PMDB ameaça reforma de Dilma

• Impasse pode minar objetivo do Planalto de obter apoio coeso do partido

• Anúncio do desenho da Esplanada foi adiado para semana que vem, quando Congresso vota vetos com impacto fiscal

Mariana Haubert, Ranier Bragon, Gustavo Uribe – Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - As negociações que a presidente Dilma Rousseff têm feito com o PMDB para acomodá-lo em sua reforma ministerial resultaram em disputas internas na sigla que ameaçam o principal objetivo traçado pelo Palácio do Planalto com as mudanças administrativas: o de obter apoio coeso da sigla no Congresso.

O impasse interno no partido aliado emperrou as negociações e obrigou a petista a adiar em quase uma semana o anúncio das mudanças. Mesmo que consiga contemplar os diferentes grupos do PMDB ao final da reforma, Dilma deve enfrentar problemas com os insatisfeitos.

Prova disso é que na votação dos vetos presidenciais, em sessão conjunta do Congresso na semana passada, quase um terço da bancada da sigla na Câmara votou pela derrubada da decisão de barrar a proposta de alternativa ao fator previdenciário, mecanismo que desestimularia aposentadorias precoces.

Dos 49 parlamentares peemedebistas presentes, 30% se posicionaram contra a orientação do governo federal.

Sob pressão da bancada do PMDB da Câmara, a presidente já alterou ao menos três vezes a configuração dos cargos oferecidos aos deputados federais do partido, mas ainda não conseguiu agradar a sigla.

Inicialmente, a petista havia pedido ao líder do PMDB na Câmara dos Deputados, Leonardo Picciani (RJ), indicações para Saúde e Infraestrutura,que seria criada da fusão entre Aviação e Portos.

A pedido do vice-presidente Michel Temer (PMDB), no entanto, a presidente acabou recuando da ideia para acomodar dois aliados do peemedebista: o ministro Eliseu Padilha, que continuaria na Aviação, e Helder Barbalho, que iria da Pesca para Portos.

A mudança não foi bem aceita pela bancada da sigla, que abriu divergência interna com o vice e ameaçou desistir das indicações para a nova configuração da Esplanada.

Para evitar uma rebelião, Dilma estuda mudar novamente a configuração das pastas e cogita duas alternativas.

A primeira é deslocar Padilha da Aviação para o comando da Infraero. Se isso ocorrer, Barbalho assumiria a pasta e deixaria Portos para a bancada peemedebista.

A segunda é entregar Turismo para os deputados do PMDB e deslocar o ministro Henrique Eduardo Alves, também aliado de Temer, para o comando da Embratur.

Os aliados do vice-presidente, no entanto, resistem a aceitar essas mudanças. Segundo a Folha apurou, Temer foi informado que caso um deles fique sem pasta, os três abrirão mão de participar do primeiro escalão do governo.

Senado
No Senado, a bancada do PMDB tem dito que não fará pressão sobre a presidente para obter cargos. Os senadores dizem que a manutenção dos ministros Eduardo Braga (Minas e Energia) e Kátia Abreu (Agricultura) os satisfaz.

No entanto, movimentações recentes irritaram senadores do partido. A oferta do ministério das Comunicações ao PDT enfureceu o líder do PMDB na Casa, Eunício Oliveira (CE), desafeto dos irmãos Ciro e Cid Gomes no Ceará, que agora integram o PDT.

A distribuição de cargos de peso a integrantes das diversas alas do PMDB é tida pelo governo como a última cartada para tentar desmobilizar um processo de impeachment contra Dilma no Congresso.

O presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), responsável por dar o encaminhamento do processo, já disse, contudo, que é contrário às negociações da sigla com o Planalto e defende que o PMDB saia do governo.

O anúncio oficial da reforma ministerial deverá ser feito na próxima quarta (30), mesmo dia em que o Congresso Nacional terminará de analisar seis vetos, dentre eles o que reajusta o salário de servidores do Judiciário e o que estende a todos os aposentados a política de valorização do salário mínimo.

Vetos
Se derrubados, eles podem causar um impacto fiscal de R$ 63 bilhões nos próximos quatro anos. Parlamentares dizem acreditar que a presidente, que volta na terça (29) de viagem ao exterior, poderá esperar o resultado da sessão conjunta do Congresso para apresentar a nova configuração da Esplanada.

A estratégia seria uma forma de não contaminar a votação e dar margem a uma eventual derrota do governo.

Para tentar resolver a crise com o PMDB, que ameaça romper com o Planalto em novembro, quando discutirá o tema em um congresso, Dilma teve que cortar espaço do PT.

Seu partido vai perder Saúde, Comunicações e as secretarias de Mulheres, Direitos Humanos e Igualdade Racial, que formarão a pasta da Cidadania, entregue ao petista Miguel Rossetto. A pasta de Governo, que substituirá a Secretaria-Geral, será comandado por Ricardo Berzoini.

Ato de filiação de Marta ao PMDB vira palanque de críticas ao PT

• Evento também foi marcado por discursos em defesa de um candidato da sigla à Presidência nas eleições de 2018

Pedro Venceslau e Aline Bronzati - O Estado de S. Paulo

Ladeada pelo vice-presidente Michel Temer, pelo presidente do Senado, Renan Calheiros (AL) e pelo presidente da Câmara, Eduardo Cunha (RJ), a senadora Marta Suplicy oficializou neste sábado, 26, sua entrada no PMDB. O ato político lotou o Tuca, teatro da PUC-SP, e foi marcado por críticas ao PT e discursos defendendo que a legenda tenha candidatura própria à Presidência em 2018. Trinta e três anos depois de entrar no PT, Marta pediu sua desfiliação da sigla em abril depois de fazer duras críticas ao partido e ao governo federal.

A senadora afirmou, durante seu discurso, que está honrada em ingressar no partido de Michel Temer. "Conte comigo para reunificar os sonhos, o País. Vamos todos unir o País", disse Marta, que citou vários integrantes da legenda em sua fala, incluindo o ex-presidente e ex-senador José Sarney (PMDB-AP). "Sarney é um gigante da política. Ele deu ao Brasil a constituição cidadã, o direito ao consumidor e tantas outras conquistas. As pessoas esquecem", destacou a senadora.

Após deixar o PT, Marta negociou ao mesmo tempo com o PMDB e o PSB, que chegou a anunciar sua filiação. A entrada no PMDB foi articulada por Temer. Postulante a vaga de candidata à Prefeitura de São Paulo em 2016, Marta reuniu os principais quadros peeemdebistas no evento e recebeu garantias de que será a escolhida para a disputa.

O discurso mais duro do ato foi feito por Eduardo Cunha. "Que o PMDB siga seu exemplo: vamos largar o PT", disse o presidente da Câmara, que também rompeu com o governo. "O PMDB tem que ter candidato à Presidência. Não podemos mais ir a reboque. Chega de usar o PMDB apenas como parte do processo", concluiu Cunha ao microfone. Os militantes responderam com o refrão "1, 2, 3, 4, 5 mil, Marta em São Paulo e Michel no Brasil".

Em sua fala, o ex-ministro da Aviação, Moreira Franco, disse que de São Paulo "haverá de sair uma voz que vai percorrer o Brasil". "O PMDB reunificado reunificará o Brasil."
O secretário de educação do município de São Paulo, Gabriel Chalita (PMDB), que é aliado do prefeito Fernando Haddad (PT), disse que a decisão sobre a candidatura da legenda para a capital em 2016 será tomada em convenção no ano que vem.

Segundo Chalita, os convencionais decidirão na ocasião se a sigla permanece ao lado do prefeito Fernando Haddad (PT) ou lança candidatura própria. Caso se decida pela segunda opção, a perspectiva é, segundo ele, que "4 ou 5 nomes" entrem na disputa pela vaga.

O ministro da Ciência e Tecnologia, Aldo Rebelo (PC do B-SP), que integra o núcleo de articulação política do Palácio do Planalto, também esteve presente no ato. "Marta é uma amiga de muito tempo", disse o ministro. Ainda segundo Rebelo a presença do PC do B no evento de filiação de Marta não significa um afastamento dos comunistas do prefeito de São Paulo, Fernando Haddad (PT). Depois do evento de hoje, Marta, que não falou com os jornalistas, receberá os peemedebistas em um almoço em sua casa.

Marta: Temer vai 'reunificar o país'

Marta diz que Temer vai reunificar o país

• Ao se filiar ao PMDB, ex-petista afirma que Brasil precisa se livrar da corrupção; Cunha pede que sigla ‘largue o PT’

“A gente quer um Brasil livre da corrupção e das mentiras. Afinal, eu estou no PMDB do doutor Ulysses (Guimarães), que redemocratizou o país, e do Michel (Temer), que vai reunificar o país” Marta Suplicy Senadora

Silvia Amorim – O Globo

- SÃO PAULO- Mais do que um evento de filiação, a oficialização da chegada da senadora Marta Suplicy ao PMDB ontem, em São Paulo, foi um ato de demonstração de força do partido diante da crise que atinge o governo da presidente Dilma Rousseff, com direito a duras críticas ao PT. Lideranças peemedebistas exaltaram o tamanho e a história da sigla, para concluir que o PMDB tem todas as credenciais para conduzir o país por um “novo caminho”. No palco, defesa da candidatura própria do partido em 2018.

O apelo pela unidade partidária em momento de crise política foi a tônica dos discursos. O presidente da Câmara, Eduardo Cunha, foi o mais enfático e sugeriu à legenda que siga o exemplo de Marta e rompa com o PT. Anfitriã da festa, a ex-petista disse que o país precisa se livrar da “corrupção e mentiras” e apontou o presidente em exercício, Michel Temer, como aquele que “vai reunificar o país”.

— A gente quer um Brasil livre da corrupção e das mentiras. Livre daqueles que usam a política como meio de obter vantagens pessoais. Afinal, eu estou no PMDB do doutor Ulysses (Guimarães), que redemocratizou o país, e do Michel, que vai reunificar o país — discursou Marta, que ignorou o fato de Cunha e Renan Calheiros serem investigados na Lava-Jato.

“Líder”, “conciliador” e “homem de diálogo” foram algumas das palavras usadas pela senadora para definir Temer. Ainda sem garantias de que sairá candidata à prefeitura de São Paulo, Marta dedicou quase todo seu discurso a fazer afagos aos peemedebistas presentes e ausentes, como o ex-presidente José Sarney, a quem chamou de “gigante da política”:

— É ao PMDB do Michel Temer que me uno. Um líder, conciliador, homem do diálogo, qualidades pessoais essenciais que este momento de crise exige. Todos nós estamos com você.

O presidente da Câmara fez um discurso antiPT ainda mais duro e defendeu que o fortalecimento do PMDB passe por se lançar nas disputas eleitorais a partir do ano que vem.

— Nós não podemos fechar os olhos para o movimento que está acontecendo. É o PMDB crescendo e buscando seu lugar na História, e não abrindo mão de participar de todas as disputas eleitorais daqui para frente. O PMDB tem que ter candidato em todos os municípios, todos os governos estaduais e na Presidência da República. Seja bem-vinda ao PMDB, e que a sua presença possa consolidar o PMDB em São Paulo e no país, e que o PMDB siga seu exemplo. Vamos largar o PT — afirmou Cunha.

O ex-ministro Moreira Franco usou a iniciativa da ex- petista para encorajar o partido a “construir um novo caminho para o país”.

— A Marta abre uma possibilidade real de, em São Paulo, darmos um exemplo para o Brasil de reunificação das forças políticas com as forças populares, e, juntos, construirmos um novo caminho para o nosso país. A Marta tem na sua biografia a marca da mudança. E tenho certeza de que esse sentimento, que já toma conta da ampla maioria do povo brasileiro, agora será fortalecido aqui, e, de São Paulo, haverá uma voz para percorrer o país inteiro. Há necessidade de nós nos reunificarmos para mudar.

Michel Temer e o presidente do Senado, Renan Calheiros, mais alinhados ao Planalto, foram mais comedidos. Evitaram criticar o governo e falar sobre o futuro político.

— O PMDB é um partido de divergências quase permanentes que fazem a sua grandeza. Mas há um momento em que o PMDB converge. É quando se trata do Brasil e do interesse público. Neste momento, há uma convergência absoluta — ponderou Temer, ao encerrar o evento.

Puxão de orelha em Leonardo Picciani
Em meio ao clima anti-PT sobrou até um puxão de orelha público dado pela própria senadora ao deputado federal Leonardo Picciani. O parlamentar se encontrou com Dilma semana passada para tratar de indicações do PMDB para a reforma ministerial. O governo tenta rachar o partido e, com isso, obter governabilidade.

— Picciani, a gente tem que se unir. Então vou pedir de coração que você ouça os mais velhos. A gente está num momento muito importante, e eu gostaria muito de entrar num PMDB que utilizasse a sabedoria acumulada desde o início do partido. O momento é agora — afirmou Marta.

O local escolhido para a filiação de Marta foi o teatro da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), o Tuca, símbolo da luta contra a ditadura na cidade. Marta lembrou dos encontros entre lideranças para articular o movimento de retomada da democracia.

Ex-prefeita de São Paulo, a senadora tenta se candidatar mais uma vez à maior prefeitura de país. A ida para o PMDB tem como pano de fundo esse projeto político, já que no PT, onde militou por mais de 30 anos, não conseguiu espaço com a candidatura à reeleição do prefeito Fernando Haddad.

Entretanto, mesmo no PMDB, sua postulação não está garantida. Hoje o partido está na base do governo Haddad; se decidir romper com essa aliança, há pelo menos mais um peemedebista de olho na vaga de prefeitável em 2016. Gabriel Chalita, atual presidente municipal do PMDB, já disse que disputará o posto com Marta se o PMDB decidir que terá candidatura própria em São Paulo.

— Eleição, nós vamos discutir no próximo ano. Se o partido achar que deve ter candidato, quero dizer que eu me coloco para essa disputa — afirmou Chalita ontem.

PT defende Dilma, mas critica Levy em SP

• Em evento, militantes criticam o que avaliam como golpe contra a presidente, mas reprovam a política econômica do governo

- O Estado de S. Paulo

O PT comandou, no centro de São Paulo, um ato em defesa do partido e da presidente Dilma Rousseff, mas também apontou ressalvas à política econômica do governo e ao ministro da Fazenda da atual gestão, Joaquim Levy.

O ato, denominado “Primavera Democrática”, atacou o que o partido avalia ser uma tentativa de “golpe” em curso contra a presidente, alvo de pedidos de impeachment encampados pela oposição e protocolados na Câmara dos Deputados.

Os militantes do PT, com apoio de partidos de esquerda aliados, carregavam faixas com críticas ao presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), e ao presidente nacional do PSDB, senador Aécio Neves (MG), acusados por eles de serem “golpistas”. O peemedebista é o primeiro a analisar se algum pedido de impeachment deve ser apreciado ou arquivado. Os manifestantes também levaram mensagens contra o ministro da Fazenda e contra o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), entusiastas do corte de gastos públicos.

O protesto começou por volta do meio-dia e contou com a participação de movimentos sociais, além de militantes do partido. A expectativa do diretório municipal do PT de São Paulo, organizador do evento, era reunir pelo menos 5 mil pessoas. Até esta edição ser concluída, não havia estimativa de participantes nem por parte dos organizadores nem por parte da Polícia Militar.

Além dos discursos e manifestações políticas, o ato contou com apresentações musicais e mais de 40 barracas, onde era possível comprar sanduíches, refrigerantes e cerveja. O lucro vai ficar com os diretórios zonais do partido na capital.

Embora o PT esteja em uma situação financeira delicada devido ao envolvimento de dirigentes com o esquema de desvios na Petrobrás investigado pela Operação Lava Jato, o objetivo das barracas não é econômico, é simbólico. “A ideia é criar um clima parecido com o que era o PT na origem, quando a gente vendia coisas para poder sustentar o partido”, disse Jorge Coelho, um dos vice-presidentes do PT.

A base do partido decidiu se posicionar contra as propostas de ajuste fiscal encaminhadas pelo governo ao Congresso na semana passada, que incluem corte de gastos e de programas sociais e a recriação da CPMF, o “imposto do cheque”, para custear as despesas da Previdência.
Para a cúpula do PT, a defesa da presidente não significa alinhamento automático com atual a política econômica.

O pacote fiscal do governo levou movimentos sociais a reavaliar a defesa da gestão. Os setores que pressionam o governo a mudar a política econômica reúnem sindicatos, entidades estudantis e setores ligados à moradia. Na quarta-feira, militantes invadiram o Ministério da Fazenda em Brasília.

Cúpula do PMDB defende candidato próprio e ruptura com PT em SP

• Principais lideranças do partido participaram da festa de filiação de Marta Suplicy

Cúpula do PMDB defende ruptura com o PT em São Paulo

Catia Seabra – Folha de S. Paulo

SÃO PAULO - A cúpula do PMDB defendeu neste sábado (26), durante cerimônia de filiação da senadora Marta Suplicy ao partido, a ruptura com o PT em São Paulo.

Na chegada ao Teatro Tuca, em São Paulo, integrantes do comando do PMDB afirmaram que o partido terá candidato próprio na disputa pela prefeitura de São Paulo, em 2016.

"Teremos candidato à prefeitura", afirmou o ministro Eduardo Braga (Minas e Energia), ex-governador do Amazonas.

Vice-presidente do partido, o senador Valdir Raupp (RO) disse que a presença de líderes nacionais é o indício de que o PMDB romperá com o prefeito Fernando Haddad (PT).

Já o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (RJ), propôs neste sábado lançamento de candidatura própria para prefeituras e para a Presidência.

Ele foi objeto de aclamação no evento um dia depois de mais um delator da Operação Lava Jato, Fernando Baiano, ter dito que Cunha recebeu propina do petrolão, o que o deputado nega.

"Chega de viver a reboque (do PT). Time que não joga não tem torcida", disse Cunha.

O presidente do Senado, Renan Calheiros (AL), destacou que o "Brasil vive a maior crise política e econômica desde 1964".

Em seu discurso, Marta afirmou que o PMDB é amplo: "Sinto que caibo aqui".

O presidente da República em exercício, Michel Temer, também participou da cerimônia de filiação de Marta ao partido.

O ministro de Ciência e Tecnologia, Aldo Rebelo (PCdoB), compareceu à filiação de Marta. "Vim prestigiar o PMDB. Somos aliados do PT", disse Aldo.

Além do PCdoB, PTB e PSD enviaram representantes ao evento.

Disposto a concorrer, o secretário municipal de Educação, Gabriel Chalita, afirmou que "o PMDB é um partido que não tem dono".

Já o prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes (PMDB), destacou que o Brasil vive hoje um desafio.

Representantes do PSDB também estiveram na filiação, como Fernando Capez, presidente da Assembleia Legislativa de São Paulo.

Disputa
Haddad tentou convencer o PMDB a não lançar a ex-petista na disputa pela prefeitura.

Temendo que o eleitorado tradicional do PT possa migrar para Marta, o prefeito decidiu investir na bancada de vereadores peemedebistas e nos integrantes do diretório municipal do PMDB para impedir que eles escolham a senadora como candidata à prefeitura no ano que vem.

Haddad teve uma reunião dura com os quatro vereadores do PMDB de São Paulo.

No encontro, chegou a apelar para que os vereadores apoiassem a candidatura de Chalita à Prefeitura, no lugar de Marta.

Ainda segundo dois participantes do encontro, Haddad disse que não é "trouxa" e ameaçou lançar cinco candidatos para disputar com os vereadores do PMDB em seus redutos.

Ex-deputado revela que o petrolão nasceu com aval de Lula e foi mantido por Dilma

• Pedro Corrêa, ex-presidente do PP, negocia há dois meses com o Ministério Público seu acordo de delação premiada. Se a colaboração for efetivada, ela pode mostrar que o maior esquema de corrupção da história nasceu mesmo no Planalto

Por: Robson Bonin - Revista Veja

Expoente de uma família rica e tradicional do Nordeste, o médico Pedro Corrêa se destacou, durante quase quatro décadas, como um dos parlamentares mais influentes em negociações de bastidores. Como presidente do PP, garantiu a adesão do partido ao governo Lula e - como reza a cartilha do fisiologismo - recebeu em troca o direito de nomear apadrinhados para cargos estratégicos da máquina pública. Essa relação de cumplicidade entre o ex-deputado e o ex-presidente é notória. Ela rendeu a Corrêa uma condenação à prisão no processo do mensalão, o primeiro esquema de compra de apoio parlamentar engendrado pela gestão petista. Mesmo após a temporada na cadeia, Corrêa se manteve firme no propósito de não revelar o que viu e ouviu quando tinha acesso privilegiado ao gabinete mais poderoso do Palácio do Planalto. Discreto, ele fez questão de ser leal a quem lhe garantiu acesso a toda sorte de benesse. Havia um acordo tácito entre o ex-deputado e o ex-presidente. Um acordo que está prestes a ruir, graças à descoberta do petrolão e ao avanço das investigações sobre o maior esquema de corrupção da história do Brasil.

Como outros mensaleiros, Corrêa foi preso pela Operação Lava-Jato. Encarcerado desde abril, ele negocia há dois meses com o Ministério Público um acordo de colaboração que, se confirmado, fará dele o primeiro político a aderir à delação premiada. Com a autoridade de quem presidiu um dos maiores partidos da base governista, Corrêa já disse aos procuradores da Lava-Jato que Lula e a presidente Dilma Rousseff não apenas sabiam da existência do petrolão como agiram pessoalmente para mantê-lo em funcionamento. O topo da cadeia de comando, portanto, estaria um degrau acima da Casa Civil, considerada até agora, nas declarações dos procuradores, o cume da organização criminosa. Nas conversas preliminares, Corrêa contou, por exemplo, que o petrolão nasceu numa reunião realizada no Planalto, com a participação dele, de Lula, de integrantes da cúpula do PP e dos petistas José Dirceu e José Eduardo Dutra - que à época eram, respectivamente, ministro da Casa Civil e presidente da Petrobras. Em pauta, a nomeação de um certo Paulo Roberto Costa para a diretoria de Abastecimento da Petrobras.

Pedro Corrêa, José Janene e o deputado Pedro Henry, então líder do PP, defendiam a nomeação. Dutra, pressionado pelo PT, que também queria o cargo, resistia, sob a alegação de que não era tradição na Petrobras substituir um diretor com tão pouco tempo de casa. Lula, segundo Corrêa, interveio em nome do indicado, mais tarde tratado pelo petista como o amigo "Paulinho". "Dutra, tradição por tradição, nem você poderia ser presidente da Petrobras, nem eu deveria ser presidente da República. É para nomear o Paulo Roberto. Tá decidido", disse o presidente, de acordo com o relato do ex-deputado. Em seguida, Lula ameaçou demitir toda a diretoria da Petrobras, Dutra inclusive, caso a ordem não fosse cumprida. Ao narrar esse episódio, Corrêa ressaltou que o ex-presidente tinha plena consciência de que o objetivo dos aliados era instalar operadores na estatal para arrecadar dinheiro e fazer caixa de campanha. Ou seja: peça-chave nessa engrenagem, Paulinho não era uma invenção da cúpula do PP, mas uma criação coletiva tirada do papel graças ao empenho do presidente da República. A criação coletiva, que desfalcou pelo menos 19 bilhões de reais dos cofres da Petrobras, continuou a brilhar no mandato de Dilma Rousseff - e com a anuência dela, de acordo com o ex-presidente do PP.

Os crimes que podem levar à saída de Dilma

• Já existem elementos jurídicos para o afastamento da presidente da República. Sejam pelas pedaladas fiscais ou pelos indícios de delito eleitoral, Dilma pode ser enquadrada na lei 1.079, que tipifica o crime de responsabilidade

Por Izabelle Torres- : Revista Istoé

Desde que o debate sobre o afastamento da presidente Dilma Rousseff passou a dominar a pauta política, muitas vozes se levantaram para discorrer sobre o aspecto legal do processo. As opiniões, em geral, procuram levar em consideração se Dilma cometeu ou não um ato de corrupção, pois no único caso registrado no País, o impeachment de Fernando Collor, em 1992, foi possível fazer a associação direta do presidente da República com o malfeito. Naquele ano, Collor foi acusado de ter suas contas pessoais pagas pelo esquema PC Farias, tesoureiro da campanha que seria uma espécie de testa-de-ferro do então presidente. Como Dilma não incorreu em algo semelhante, há no meio jurídico quem sustente que não há nada que justifique, até agora, a abertura de um processo de impeachment. Mas se ainda não há uma denúncia que ligue pessoalmente a presidente a uma prática de corrupção clássica, como a que apeou Collor do poder, o mesmo não se pode dizer de outras ações, igualmente ilegais, cometidas por Dilma que podem sim ser enquadradas na norma constitucional que disciplina o impeachment.

No Brasil, o impeachment está previsto nos artigos 85 e 86 da Constituição, mas, como eles precisariam de uma lei complementar para ser regulamentados, a discussão se baseia na lei 1.079, de 1950. A 1.079 tipifica 65 crimes como sendo de “responsabilidade” e passíveis de afastamento do presidente da República. Dilma pode ser enquadrada em pelo menos dois artigos do capítulo VII desta lei. Ao tratar dos crimes contra o emprego do dinheiro público, a norma condena duas condutas: “Ordenar despesas não autorizadas por lei” e “abrir crédito sem fundamento em lei ou sem as formalidades legais”. No exercício do mandato, Dilma cometeu os dois erros. O TCU já concluiu que o governo atrasou repasses do Tesouro a bancos públicos para melhorar as contas de 2013 e 2014. Uma maquiagem que rendeu prejuízos bilionários e obrigou os bancos a usarem recursos próprios para bancar despesas da União. Além disso, o governo atrasou o pagamento das obras do programa Minha Casa, Minha Vida, para manter os recursos na conta e forçar um saldo positivo que não existia. O mesmo ocorreu com oustros programas sociais, como o Fies. Pelos prejuízos que teve com essas manobras, a Caixa cobra na Justiça mais de R$ 200 milhões em taxas que não foram pagas por ministérios. A prática ficou conhecida como pedalada fiscal.

A situação da presidente pode ficar ainda pior, uma vez que os técnicos do tribunal descobriram também que Dilma assinou de próprio punho a abertura de créditos sem fundamentos e sem a autorização do Legislativo – proibição também prevista na lei. No parecer que está sendo elaborado pelo TCU, os técnicos vão afirmar que é impossível poupar a presidente pela culpa nas pedaladas fiscais, já que foram descobertos 10 decretos criando despesas ilegalmente. O ato de ofício presidencial não deixa dúvidas de que ela foi responsável pela criação dos créditos suplementares em desconformidade com a lei e aumentou despesas sem a autorização do Congresso – crime previsto no artigo 58 da Lei de Responsabilidade. Somente um deles, criou despesa de mais de R$ 15 bilhões em 3 de dezembro do ano passado.

A presidente Dilma também pode ser enquadrada no capítulo que trata dos crimes contra a probidade na administração. O artigo 40 diz que incorre nesse crime o presidente que “não tornar efetiva a responsabilidade de subordinados em delitos funcionais ou atos contrários à Constituição”. Em depoimento, os delatores da Lava Jato deixaram claro que a campanha presidencial foi abastecida com recursos de origem ilegal. O empreiteiro Pedro Barusco, por exemplo, disse que o PT recebeu entre US$ 150 milhões e US$ 200 milhões entre 2003 e 2013. O delator Júlio Camargo diz ter repassado irregularmente US$ 2 milhões para as campanhas petistas em 2010 e 2014. Há ainda o depoimento do empresário Ricardo Pessoa, dono da empresa UTC, que afirmou aos procuradores da Lava Jato ter doado à campanha de Dilma à reeleição R$ 7,5 milhões em dinheiro desviado de contratos da Petrobras, depois de pressionado pelo tesoureiro da campanha. “Com um parecer técnico, vai ficar difícil até para aliados do Planalto explicarem”, diz o líder do DEM na Câmara, Mendonça Filho (PE).

Outro fantasma ronda os corredores do Palácio do Planalto: a ameaça de impugnação da chapa pelo TSE, caso se confirmem as denúncias de que a campanha de Dilma no ano passado foi abastecida com dinheiro do Petrolão. Os indícios são fartos. Ao votar no dia 13 de agosto, o ministro Gilmar Mendes afirmou que existem provas que justificam a instrução processual da ação de impugnação de mandato eletivo quanto ao financiamento de campanha com dinheiro oriundo de corrupção. “Nem precisa grande raciocínio jurídico para concluir que a aludida conduta pode, em tese, qualificar-se como abuso do poder econômico, causa de pedir da ação de impugnação de mandato eletivo”, afirmou. Para dois ministros ouvidos por ISTOÉ, o depoimento dos delatores da Lava Jato, em especial de Ricardo Pessoa, serão decisivos para provar a origem ilegal do dinheiro para a campanha. A própria prisão e a condenação do tesoureiro do PT, João Vaccari, levam a campanha de Dilma para o epicentro do Petrolão. O parecer do juiz Sérgio Moro é contundente: “A lavagem de dinheiro gerou impacto no processo político democrático, contaminando-o com recursos criminosos”, afirmou Moro.

Diante das evidências, o pedido de impeachment feito pelo jurista Hélio Bicudo sugere o julgamento da presidente tanto pelo crime de responsabilidade, como também pelo crime comum. “A existência de crimes comuns apenas reforça a necessidade de se punir a irresponsabilidade. Em primeiro lugar, tem-se que a Constituição Federal, a lei e a doutrina não afastam a possibilidade de dupla punição (por infração política e também penal) e, em segundo lugar, diante da inércia da autoridade competente para fazer apurar o crime comum, ainda mais legítimo rogar a esta Egrégia Casa que assuma seu papel institucional”, escreveu. O consenso no mundo político é de que não faltam demonstrações de que a presidente praticou algumas das irregularidades listadas na lei de responsabilidade. Quanto mais as investigações avançam, mais os fatos empurram a presidente para a saída.

A Lava Jato trincada

A teoria Toffoli: como o STF retirou de Sergio Moro novos casos da Lava Jato

  • A decisão põe em risco o futuro das investigações

Daniel Haidar - Època

O ministro do Supremo Tribunal Federal Dias Toffoli – ex-¬advogado eleitoral do PT, ex-advogado-geral da União no governo Lula – estava num dia para lá de inspirado. Começava a tarde de quarta-feira, dia 23 de setembro, no plenário do STF, e Toffoli se preparava para brilhar. Ele havia levado aos demais ministros uma chamada questão de ordem: queria que um dos casos da Lava Jato em andamento no Tribunal saísse de lá e, em vez de retornar a Curitiba, como vinha entendendo a Corte, fosse remetido a São Paulo, para longe do juiz Sergio Moro. A questão de ordem fora apresentada por Toffoli às pressas, no dia anterior.

Toffoli, o advogado do PT que chegara ao Supremo nomeado pelopresidente Lula, hoje um dos alvos principais da Lava Jato, o advogado que fora reprovado duas vezes num concurso para juiz, pôs-se a dar lições jurídicas e morais, indiretamente, ao juiz Sergio Moro – e aos procuradores e delegados da força-tarefa. “Há Ministério Público, há Polícia Federal e há juiz federal em todos os Estados do Brasil, com uma capilaridade enorme”, disse Toffoli, erguendo a cabeça e mirando todos os colegas ministros. “Não há que se dizer que só haja um juízo que tenha idoneidade para fazer uma investigação ou para o seu devido julgamento.” Toffoli fez, então, o que pareceu uma longuíssima pausa diante do profundo silêncio do pleno. “Só há um juízo no Brasil?”, ele perguntou. Nova pausa dramática. “Estão todos os outros juízos demitidos de sua competência? Vamos nos sobrepor às normas técnicas processuais?”

Para além dos arroubos retóricos,Toffoli argumentava que o caso em discussão, de corrupção e lavagem de dinheiro envolvendo a senadora Gleisi Hoffmann, do PT do Paraná, e outros petistas sem foro privilegiado em desvios no Ministério do Planejamento, não tinha relação com a Lava Jato. Sendo assim, aqueles petistas que não detêm foro não precisariam ser julgados no Supremo e, ademais, deveriam ser processados em São Paulo, onde, no entendimento de Toffoli, dera-se a maioria das operações de lavagem de dinheiro. O mesmo raciocínio passaria a valer para os demais casos da Lava Jato. Se não envolver político com foro, e nada tiver a ver com aPetrobras, cada investigado deveria passar a ser julgado no Estado em que os crimes foram cometidos. É a teoria Toffoli, como ficou conhecida no Supremo: a Lava Jato tem de ser fatiada país afora.

O fatiamento da Operação Lava Jato já era algo esperado dentro do Tribunal. Em reservado, alguns ministros criticavam a postura de Sergio Moro, considerada midiática e com diversos recados em suas decisões. O relator da operação, o ministro Teori Zavascki, já dava sinais de cansaço com o acúmulo de casos, que envolvem despachos quase diários para definir prazos e autorizar diligências, como quebras de sigilo. Ele chegou a dizer em sessão que a operação “se alastrava como ondas”. Três ministros ouvidos por ÉPOCA confidenciaram que ainda estão sob o trauma do processo do mensalão, que tomou dois anos da Corte. Perceberam que a Lava Jato tende a tomar cada vez mais tempo de todos, monopolizando, mais uma vez, os trabalhos do Tribunal. “Ninguém aguenta mais tanto processo criminal”, diz um dos ministros.

Esse estado de ânimo entre os ministros, porém, não explica por que eles não se ativeram a devolver, o máximo possível, os casos da Lava Jato a Curitiba, como vinha sendo feito. Na sessão em que prevaleceu a teoria Toffoli, os ministros pareciam incomodados com oprotagonismo de Moro – e aborrecidos com a dimensão que o caso tomou. “Temos de dar um HC (habeas corpus) ao ministro Teori”, brincou, mas nem tanto, o ministro Barroso. Durante a sessão que pode vir a ser a mais importante deste ano no Supremo, os ministros não debatiam energeticamente ou se mostravam preocupados com a gravidade moral de um caso que mobiliza as atenções do país. Revelavam-se, nos silêncios e nas poucas palavras, alheios à necessidade de assegurar aos brasileiros que a decisão não representava um golpe na Lava Jato.

Fora da Corte, todos se perguntavam: por que agora? O que mudou? A quem interessa essa mudança? Desde abril do ano passado, réus tentavam retirar o julgamento do Paraná, sob o argumento de que o Tribunal competente era o do Rio de Janeiro, sede da Petrobras. Mas diferentes subsidiárias da estatal foram envolvidas na investigação e o STF avaliou que os casos deveriam continuar com o juiz Moro. Nenhum dos ministros explicou a razão dos súbito cavalo de pau nessa interpretação.

A argumentação de Toffoli, enfim, prevaleceu – outros sete ministros acompanharam o voto dele, apenas Gilmar Mendes, Luís Roberto Barroso e o decano Celso de Mello discordaram, além, é claro, da Procuradoria-Geral da República. A tese é, portanto, juridicamente defensável. Mas Toffoli e seus colegas recorreram a uma premissa frágil e, ao mesmo tempo, se esqueceram da mais forte premissa envolvendo o caso. A premissa frágil: a Lava Jato resume-se à corrupção na Petrobras. A premissa forte, mas ignorada: a Lava Jato envolve uma organização criminosa sofisticada.

As evidências do caso apontam que, ao contrário do que argumentou Toffoli, a Lava Jato não se restringe à Petrobras. A Lava Jato começou com uma investigação da Polícia Federal e do Ministério Público sobre quatro grupos de doleiros, que lavavam dinheiro de corrupção, narcotráfico e contrabando, entre outros crimes. Um desses doleiros era Alberto Youssef, cujo esquema de lavagem levou os investigadores à corrupção na Petrobras. Como num efeito dominó, só possível graças aos instrumentos de investigação de organizações criminosas complexas, seguiu-se a prisão do diretor de Abastecimento Paulo Roberto Costa e a descoberta dos políticos, dos partidos e dos grandes empresários que lucravam com os desvios na estatal.

Não tardou para que essa organização criminosa, no melhor entendimento possível diante das provas já colhidas, se desnudasse pelo o que ela é: uma ampla quadrilha de políticos e empresários, com clara divisão de tarefas, unida pelo objetivo de fraudar os cofres públicos para lucrar e se manter no poder. Com o acúmulo de delações premiadas e provas bancárias, especialmente as obtidas em paraísos fiscais, conseguiu-se comprovar crimes em outros órgãos do governo, também sob influência de PT, PMDB e PP, os partidos que davam sustentação ao esquema: Eletrobras, Eletronuclear, Belo Monte, Ministério da Saúde, Caixa, Ministério do Planejamento, entre outros. Quanto mais a Lava Jato avança, mais empresários, políticos, operadores e órgãos públicos aparecem no esquema.

Esse crescimento exponencial de fatos, em tantas e tantas fases da Lava Jato, não é desordenado. Emerge dele um mosaico de um só esquema, com pontos comuns incontornáveis. Do lado político, o comando e a divisão de tarefas cabia a gente grande do PT, do PMDB e do PP. Do lado econômico, havia um cartel de empreiteiras, organizado com o único propósito de, com a cumplicidade criminosa desses políticos e agentes públicos, roubar dinheiro público – e não apenas na Petrobras. A lavagem do dinheiro desse esquema, apesar do grande número de intermediários, envolvia os mesmos corruptores e os mesmos corruptos.

O triunfo da teoria Toffoli põe em risco o futuro da Lava Jato. Abre o precedente para que, a partir de agora, qualquer caso fora da Petrobras seja encaminhado a outro juiz, que não terá a experiência no assunto e o acúmulo de provas para avaliar com mais elementos os crimes. A experiência criminal mostra que essesdesmembramentos produzem processos órfãos, com alta chance de fracasso. Entre alguns dos próprios ministros do Supremo, restou a convicção de que os políticos a serem julgados no Tribunal terão vida mais fácil – de que o precedente Toffoli é o primeiro passo de uma distensão entre a Corte, que está sob extrema pressão, e a maioria dos políticos poderosos de Brasília, que dependem dela para sobreviver até as próximas eleições. Ainda na quarta-¬feira, políticos no Planalto e no Congresso, do PT e do PMDB, trocavam mensagens de comemoração com aliados e advogados. Pela primeira vez em muito tempo, o tempo estava mais leve em Brasília.

A consequência mais grave da decisão do Supremo será a interrupção da salutar sucessão de acordos de delação premiada, no caso de pessoas físicas, e de leniência, no caso de empresas. Há meses, as negociações entre procuradores e possíveis delatores centram-se cada vez mais em provas de corrupção em outros órgãos públicos, e não apenas na Petrobras. Pois essa é a natureza da delação premiada, quando bem executada: buscar provas de crimes que, de outra maneira, o poder público não conheceria. Como os procuradores da Lava Jato já detêm um poderoso arsenal de informações sobre a Petrobras, os mais recentes delatores e empreiteiras como Andrade Gutierrez, que estava para fechar um acordo de leniência com a força-tarefa, estavam sendo estimulados a entregar evidências de crimes em outros órgãos públicos. Assim que o Supremo fatiou a Lava Jato, boa parte dessas negociações foi suspensa.

“Terrível” e “péssima” foram algumas das palavras usadas por investigadores para classificar a ordem do Tribunal. Nos próximos dias, procuradores que coordenam as investigações da Lava Jato vão esquadrinhar uma nova estratégia para enfrentar o desmembramento dos processos da operação. A Procuradoria-Geral da República acredita que para garantir o mesmo padrão nas investigações – que poderão ficar espalhadas por todo o Brasil – será preciso estabelecer novos grupos e metodologias de trabalho. Hoje o grupo que coordena a Lava Jato está concentrado no gabinete do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, e em Curitiba. O temor do grupo é que as investigações percam fôlego e apoio popular. Outro receio é o compartilhamento em massa de informações.

Uma das medidas em análise é a criação de uma “força-tarefa volante” entre os procuradores que já atuam na Lava Jato. A ideia é que eles possam rodar entre as cidades que venham a ter investigações em curso auxiliando os integrantes do MPF na contextualização dos casos em apuração. Ainda que o Supremo tenha decidido pelo desmembramento, a orientação da PGR é a de manter a visão de uma única organização criminosa que atuava em todo o país e em diversos órgãos públicos. A PGR deve ainda preparar um manual detalhando o método da organização, suas ramificações, personagens e atuação, como forma de garantir a unidade dos inquéritos.

Parecer de Janot sobre Lula alerta governo

• Para Planalto, eventual convocação para depor na Lava Jato ampliaria crise, mesmo que ele não seja investigado

Daniel Carvalho e Isadora Peron - O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - A possibilidade de o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva prestar depoimento à Polícia Federal como testemunha do esquema de corrupção investigado pela Operação Lava Jato deixou o governo em alerta. O temor é que uma eventual convocação do petista, mesmo sem ser investigado, amplie a crise do governo Dilma Rousseff.

No Planalto, a avaliação é de que qualquer ação que associe a imagem do ex-presidente ao escândalo é algo que abre um precedente “muito ruim”. O PT tenta desqualificar e minimizar o fato. Anteontem, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, enviou parecer ao Supremo Tribunal Federal no qual recomenda ao relator, ministro Teori Zavascki, que aceite o pedido da PF para ouvir Lula, como testemunha.

“O ex-presidente vai testemunhar sobre o quê? Há uma clara conotação política nessa iniciativa”, afirmou o líder do PT do Senado, Humberto Costa (PE).

Para o senador, não há nenhum fato que envolva o ex-presidente no escândalo da Petrobrás. Ele qualifica como uma “coisa isolada” a iniciativa do delegado da PF Josélio Sousa, que além da autorização para ouvir Lula, pede também os testemunhos dos ex-ministros Gilberto Carvalho e Ideli Salvatti.

Para o deputado tucano Antonio Imbassahy (BA), 1.º vice-presidente da CPI da Petrobrás, a decisão de Janot é acertada. “Lula é um cidadão comum que tem de observar a legislação como todos. Todo o esquema do 'petrolão' foi iniciado no governo dele, por isso tem obrigação de prestar os esclarecimentos. Como presidente, ele tinha responsabilidade sobre as ações de seus subordinados.”

Segundo a edição da revista Veja desta semana, o ex-deputado Pedro Corrêa, preso desde abril por envolvimento no esquema de desvios na Petrobrás, estaria negociando com o Ministério Público um acordo de delação premiada. A publicação afirma ainda que Corrêa teria dito aos procuradores da Lava Jato que Lula e a presidente Dilma Rousseff sabiam da existência do esquema de corrupção que funcionava na estatal.

Também de acordo com a revista, Corrêa contou, em conversas preliminares, que o “petrolão” nasceu em uma reunião no Planalto, da qual participou. No encontro, cuja data não foi informada pela publicação, definiu-se a nomeação de Paulo Roberto Costa para a Diretoria de Abastecimento da estatal.

Investigação colhe dados sobre viagens de Lula

• MPF apura detalhes da intensa agenda nacional e internacional do ex-presidente

Pablo Pereira - O Estado de S. Paulo

Com o governo Dilma Rousseff ladeira abaixo, empurrado pela repercussão da Operação Lava Jato e pela economia em queda livre, o ex-presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva anunciou, no final de agosto, que estava de volta à lida. “Voltei a voar”, disse Lula. Mas, na verdade, o ex-presidente jamais “desembarcou” de sua atuação política e de vendedor de suas ideias sobre o País.

Os detalhes dessa sua intensa agenda de viagens nacionais e internacionais nos últimos anos estão em fase final de coleta de informações na investigação sigilosa que ocorre no Núcleo de Combate à Corrupção (NCC) do Ministério Público Federal do Distrito Federal.

Enquanto Lula abre suas asas sobre o País, o MPF-DF ajusta o radar exatamente na direção dele. Os procuradores querem saber quem paga a conta do sobrevoo continental do ex-presidente e suas consequências.

Levantamento do Instituto Lula aponta que, de 2011 a 2014, ele não economizou tempo e presença visitando boa parte do Planeta. A maratona aérea teve 174 reuniões nas quais Lula se encontrou com 107 chefes de Estado, autoridades, empresários e dirigentes de organismos multilaterais e organizações sociais, 63 deles no Brasil e 111 no exterior.

Neste período, Lula amealhou 28 títulos e tem uma lista de mais 65 outorgados a receber. Contando a despesa com passagens aéreas somente de 2013, 2014 e 2015, o ex-presidente gastou, a preços de classe econômica, cotados nesta semana em empresas aéreas, cerca de US$ 38 mil - o que chega a cerca de R$ 152 mil.

Em ofício de maio, a procuradora do NCC Mirella de Aguiar, que está afastada por licença maternidade, assinou pedido de apuração da movimentação de Lula pelo mundo para “aferir-se se encontram adequação típica no ordenamento jurídico nacional, caso em que poderá ser instaurada ou requisitada investigação”. A procuradora substituta indicada, Anna Carolina Resende Maia Garcia, porém, não pretende assumir a tarefa tão cedo e permanece na Procuradoria-Geral da República trabalhando na equipe do procurador-geral Rodrigo Janot.

O caso das viagens de Lula ganhou peso no Núcleo de Combate à Corrupção em julho quando o procurador Valtan Timbó Martins Furtado, interino no 1º Ofício, fez andar despacho sobre uma Notícia de Fato (NF 3.553/2015) solicitada pelo procurador do 4º Ofício, Anselmo Lopes, que recolheu material de imprensa sobre as viagens de Lula e as relações dele com empreiteiras investigadas na Lava Jato.

A canetada de Furtado transformou a Notícia de Fato de Lopes em Procedimento de Investigação Criminal (PIC), ato que, segundo o MPF, corresponde a um inquérito na esfera da Polícia Federal.
A investigação quer “elucidar suspeitas” de ligações do ex-presidente com empresas patrocinadoras de viagens e compradoras de palestras. Furtado, que não comenta o processo, já sofreu uma ação movida pelo “investigado”. Mas a representação foi arquivada.

O PIC determinou que a DAG Construtora e a Odebrecht expliquem preços de passagens e custos de viagem ao Caribe e à África, assim como entreguem as listas de passageiros desses voos. Pediu ainda ao chefe da Delegacia Especial do Aeroporto Internacional do Distrito Federal, da Polícia Federal, os registros de entrada e saída de Lula e do ex-diretor da Odebrecht Alexandrino de Alencar, assim como dados sobre voos privados (jatinhos).

A Odebrecht entregou os dados no dia 22 de agosto. A Líder não comenta o caso, que corre em sigilo a pedido do Instituto Lula, do BNDES e do Itamaraty.

Dependência de empresas desafia partidos em 2016

• Proibidas, doações de pessoas jurídicas são a maior fonte das campanhas

Levantamento mostra que, em 2012, principais siglas receberam mais de 90% da iniciativa privada

A proibição de doações de empresas a candidatos desafia as campanhas para as eleições municipais do ano que vem. Levantamento do GLOBO das contas da disputa de 2012 mostra que os eleitos nas capitais foram financiados quase que exclusivamente por contribuições privadas. Dos recursos com origem nos diretórios nacionais dos principais partidos, mais de 90% saíram de empresas, revelam FABIO VASCONCELLOS E BRUNO GÓES. Com a proibição, o Brasil integrará um grupo minoritário de 28 países. A eleição presidencial de 1989, sem esse tipo de doação, foi marcada pela descoberta do caixa dois da campanha de Fernando Collor de Mello.

Lei seca nas campanhas

• Fim da doação de empresas liquida com principal fonte de recursos de disputa municipal

.Fábio Vasconcellos - O Globo

Para fazer campanha eleitoral é preciso uma grande soma em dinheiro e, no caso do Brasil, de empresários. A um ano da disputa nos mais de cinco mil municípios do país, as novas regras de financiamento, se mantidas, acabam com as doações de pessoas jurídicas e impõem um novo desafio aos candidatos. Embora nas prestações de contas ao TSE eles declarem receber mais recursos via comitês e partidos, um mapeamento demonstra que as empresas são, no fundo, a principal fonte indireta de financiamento das disputas pelas prefeituras. No caso dos três principais partidos (PT, PMDB e PSDB), mais de 90% dos recursos vieram de empresas.

Levantamento do Núcleo de Dados do GLOBO, a partir das contas dos 26 prefeitos eleitos nas capitais em 2012,mostra que eles receberam 73% de recursos via comitês e direção partidária. Por esses números, os empresários teriam um peso aparentemente limitado no financiamento das campanhas. Mas há outro caminho por onde o dinheiro chega.

A campanha do então candidato Eduardo Paes (PMDB), atual prefeito, para a prefeitura do Rio, por exemplo, recebeu a maior parte das doações pelo comitê de campanha. Este foi bancado por empresas (27%) e o comando nacional do partido (72%). O PMDB, por sua vez, recebeu 96% de recursos de pessoas jurídicas. O modelo se repetiu na campanha do então candidato a prefeito de São Paulo, Fernando Haddad (PT), assim como na de Arthur Virgílio (PSDB), eleito prefeito de Manaus.

Campanhas mais baratas
Embora o Supremo Tribunal Federal ( STF) tenha proibido as doações de empresas, alguns cientistas políticos creem que o debate não terminou. Outros consideram que, se mantida a decisão, as campanhas terão que buscar formas mais baratas de fazer campanha. Eles apontam ainda o risco de o caixa dois voltar a crescer.

Professor de ciência política da UFMG, Bruno Pinheiro Wanderley Reis diz que deverá haver uma intensificação de doações corporativas por meio de pessoas físicas. Ele discorda de que a doação de empresas desequilibre a igualdade política entre cidadãos:

— De um modo geral, acho que, mais do que se adaptarem a orçamentos menores, as campanhas tentarão identificar os procedimentos contábeis que façam caber os orçamentos anteriores, numa prestação de contas que só tenha doações por pessoas físicas. Não me incluo entre os que consideram que as doações por pessoas jurídicas violam o princípio da igualdade política entre todos os cidadãos. Concretamente, porém, não acredito que se possa tomar um sistema pesadamente controlado por elas, como o nosso, e levar sua participação instantaneamente a zero de maneira crível. Insisto sempre que, mais que a origem do dinheiro, é crucial que se discutam os tetos das doações. Só no Brasil esses tetos são um percentual da renda dos doadores. É esse o vício fundamental do nosso sistema.

Na avaliação de Emerson Cervi, professor e cientista político da UFPR, a mudança provocada pelo TSE dividirá o financiamento político em dois momentos, o que pode fortalecer os partidos. No primeiro, com doações no intervalo entre campanhas, quando os partidos podem receber recursos de empresas; e o segundo momento, no período eleitoral, com recursos de pessoas físicas. Para Cervi, não é preciso haver redução de custos de campanha, embora ele identifique “gorduras” a serem extintas:

— Creio que pouco mudará na prática partidária, com possível incremento de doações de empresas a partidos antes das campanhas, para uso nas eleições. Isso poderá fortalecer o papel dos partidos na política brasileira, pois os recursos não serão formalmente carimbados (destinados a um candidato que não existirá). O problema é que isso também pode fortalecer os caciques partidários, que passarão a controlar mais recursos financeiros, que antes eram destinados diretamente aos candidatos. 

Se houver instrumentos de controle e fiscalização das bases partidárias, os partidos podem fazer bom uso desses recursos. Por outro lado, não precisa haver redução de custos de campanha, desde que tenhamos um sistema que seja verdadeiramente democrático de financiamento. Se há uma coisa que não é democrática no nosso sistema político é o financiamento partidário e de campanha, não por motivos formais, mas por motivos de impacto prático.

Perder eleição custará mais caro
Professor de ciência política da Universidade Estadual do Norte Fluminense (UENF), Vitor Peixoto acredita que outro modelo de financiamento será criado para substituir a decisão do STF. Para ele, o descrédito dos partidos reduz as chances de haver grande número de doações de pessoas físicas. Cita a fragilidade do sistema de controle das doações como um dos grandes problemas:

— O fundo partidário e as doações de pessoas físicas sozinhos não serão capazes de manter o sistema. Num cenário de ajuste fiscal, é pouco provável que o fundo tenha incremento substancial. E com a crise de credibilidade dos partidos, é difícil acreditar que as doações de pessoas físicas passem a bancar os custos do sistema. O grande risco que enfrentaremos será o de alternativas realizadas com arranjos corruptos, notadamente o aumento do caixa dois. O fato é que não temos um sistema de fiscalização eficiente capaz de rastrear o repasse indireto de recursos aos candidatos, como pagamentos de palestras e falsas consultorias. Corremos sério risco de termos uma Lava-Jato para cada eleição.

Fernando Lattman-Weltman, cientista político e professor da Uerj, diz que táticas e estratégias de campanhas terão que ser repensadas. Para ele, é possível que o campo político busque adequações do ponto de vista das receitas de campanhas e em relação aos gastos, porque perder custará muito mais caro politicamente:

— Não vejo nenhum sinal de redução da competitividade, muito menos da radicalização na luta partidária brasileira para os próximos anos. Muito pelo contrário. Com a continuidade esperada da crise econômica, ou uma lenta saída dela e os possíveis desdobramentos, em grande medida imprevisíveis da crise política atual, vejo muita turbulência à frente. E isso vai se refletir nas campanhas e na busca por recursos. Perder politicamente vai ficar cada vez mais caro para todos os principais competidores.

Na maioria dos países, empresas podem doar

• Com proibição, Brasil integra grupo de apenas 28 nações

Fábio Vasconcellos e Bruno Góes - O Globo

Um levantamento feito a partir de dados colhidos pelo International Institute for Democracy and Electoral Assistance ( Idea, sigla em inglês) revela que a maioria dos países permite algum tipo de doação de empresas para campanhas eleitorais de partidos e candidatos. Ao todo, 83% das 171 nações pesquisadas autorizam esse tipo de financiamento com as mais variadas regras e limites. Esse percentual pode ser ainda maior se forem considerados, por exemplo, os 31 países que autorizam doações de pessoas jurídicas apenas para partidos ou apenas para candidatos, ou o caso dos Estados Unidos, onde, embora o repasse direto seja proibido, os recursos chegam via PACs (Political Action Committee), comitês independentes.

É nesse cenário que partidos e lideranças políticas no Brasil terão que decidir agora se mudam novamente as regras de financiamento ou se mantêm a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), que considerou inconstitucional a doação de empresas. Mantida a posição do STF, o país torna-se membro de um reduzido grupo de nações que adotaram essa medida. São 28, considerando o caso dos Estados Unidos. Em outros 14, a doação de empresas só é permitida para candidatos, enquanto em 17, apenas para partidos.

Relatório publicado pelo Idea, que possui status de observador da ONU, diz que, independentemente do tipo de financiamento, é necessário que os países sejam transparentes e prestem contas sobre as finanças do processo eleitoral.

Regulação x corrupção
O instituto indica que, apesar da restrição de muitos países ao financiamento de campanhas e partidos, a corrupção continua sendo um problema importante a ser combatido. Sobre a Europa, o Idea afirma que a regulação do financiamento político nos últimos anos “não atendeu aos seus objetivos”.

“Há a percepção de que os partidos mais corruptos se encontram nos países que têm adotado mais normas sobre o financiamento político — como Espanha, Grécia e Portugal —, enquanto nos países com regras mais flexíveis — como Dinamarca, Suécia e Suíça — os níveis de corrupção são mais baixos”, diz o relatório. Grécia e Portugal proíbem o financiamento empresarial, enquanto Espanha, Dinamarca, Suécia e Suíça permitem, em diferentes graus, esse tipo de financiamento.

O instituto conclui que a relação entre a regulação do financiamento político e a corrupção é complexa, e depende, em grande medida, da qualidade da própria regulação. As normas sobre o financiamento político podem, inclusive, ter um efeito contrário: em vez de evitar práticas corruptas, podem incentivá-las.

A entidade destaca que, no caso do continente europeu, os países se dividem entre a tradição liberal, que considera os partidos associações privadas que não devem aceitar a interferência do Estado, e outra corrente de pensamento que vê as legendas como entidades privadas que prestam serviços públicos. No segundo caso, a intervenção seria necessária.

“A Suécia tem um longo histórico de instituições democráticas; em sua Constituição, não há nenhuma regulação dos partidos políticos, não há leis que regulam suas atividades. A legislação que regula o financiamento e os balanços das legendas foi aprovada pela primeira vez em 2014. Do outro lado, está a Espanha, que, depois da ditadura franquista, desenvolveu uma forte tradição de regulação dos partidos políticos”.

Nos EUA, Comitês
Nos EUA, a maior parte do financiamento das campanhas é proveniente do setor privado, dividido em contribuições individuais, comitês (chamados de PACs) e grupos de civis. O processo é supervisionado pela Federal Election Commission (FEC), uma agência independente. Empresas e sindicatos não podem fazer doações diretamente a candidatos ou partidos, mas podem contribuir aos PACs.

Em 2010, a Suprema Corte americana decidiu que os PACs especiais — chamados de superPACs — poderiam arrecadar quanto quisessem, tanto de empresas quanto de sindicatos. Os superPACs podem fazer campanhas a favor ou contra candidatos, mas as candidaturas não podem receber o dinheiro diretamente do fundo nem coordenar suas atividades.

O Idea destaca que a maioria dos países anglófonos (Austrália, Canadá, Estados Unidos, Irlanda, Nova Zelândia e Reino Unido) depende dos grandes doadores, com exceção do Canadá, que proíbe doação de empresas em qualquer hipótese.

Dinheiro do narcotráfico
Na América Latina, o Idea manifesta sua preocupação com o financiamento de campanhas pelo narcotráfico, que coloca em risco as instituições.

“As organizações criminosas estão muito consolidadas, especialmente no corredor do tráfico de drogas que se estende desde a região dos Andes até o México. O caso extremo é a Colômbia, onde falta um marco regulador adequado”.

O instituto também faz referência ao crescimento econômico da região e à explosão de custos de campanha, além da insatisfação no tratamento dado a casos de corrupção.

Marta: “Quero um país livre de corrupção e o PMDB é o meu lugar”

Por Chrystiane Silva – Valor - Econômico

SÃO PAULO - A senadora Marta Suplicy formalizou neste sábado sua adesão ao PMDB em um evento com as principais lideranças do partido, no Teatro Tuca, em São Paulo. A escolha do local, que reuniu centenas de militantes, foi um pedido da senadora, que considera o Tuca palco da luta democrática.

Em um discurso curto, mas emocionado, a senadora agradeceu às lideranças presentes, citando qualidades em todos elas. "Algumas decisões são difíceis, mas diante de relações conflituosas, que ferem nossos princípios, o melhor caminho é o rompimento. Hoje, me sinto acolhida no PMDB, não tenho dúvidas de que aqui é o meu lugar", disse.

A senadora afirmou que quer um Brasil livre da corrupção. "Livre daqueles que usam a mentira para obter vantagens. Estou no PMDB de Ulisses Guimarães e Michel Temer, que vai reunificar o país", disse.

Elogios a Ulisses, Cunha e Renan
Segundo ela, o PMDB é o partido do gigante Ulisses Guimarães, do focado Eduardo Cunha, e do paciente Renan Calheiros, que sempre trabalha com uma agenda positiva. "Agora, o PMDB é meu também ", disse.

Ela aproveitou para pedir ao presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, que ajude a aprovar a lei que prevê quotas para mulheres no Congresso. "Somos 52% da população e apenas 10% no Congresso", disse.

Marta agradeceu aos amigos de outros partidos que estavam presentes ao evento como o ministro Aldo Rebelo (PC do B) e a deputada Cristiane Brasil (PDT), ao marido Marcio Toledo, que faz aniversário hoje. Também agradeceu aos filhos André, Eduardo e João - os dois últimos não estavam presentes porque se apresentam neste sábado no Rock in Rio, no Rio de Janeiro.

O discurso de todas as lideranças presentes no evento foi o de reunificação do PMDB, que possa servir como um exemplo de reunificação para o país.

Entre os presentes estavam o presidente em exercício, Michel Temer, o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, o presidente do Senado, Renan Calheiros, o vereador por São Paulo Gabriel Chalita, o senador Edison Lobão, o ministro das Minas e Energia, Eduardo Braga, o prefeito do Rio, Eduardo Paes, e o presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Paulo Skaf.

Entrevista. Luiz Werneck Vianna: 'Até agora nada compromete Dilma'

• Luiz Werneck Vianna afirma que estamos vivendo 'um momento de névoas'

Por Leandro Resende – O Dia

RIO - Na semana em que o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), irá decidir sobre pedidos de impeachment contra a presidenta Dilma Rousseff, Luiz Werneck Vianna, um dos mais importantes cientistas sociais do Brasil, alerta: um dos perigos da atual crise política no país é o impacto que seus desdobramentos estão tendo na sociedade, com acirramento de posições, divergências e falta de confiança das pessoas.

O professor da PUC-RJ crê que a sociedade sofre, pois está “cercada de incertezas no grande pântano que se tornou o país”. Ele considera possível o debate sobre a saída da presidenta, mas diz que até agora “não apareceu nada que a comprometa”.

O DIA: O presidente Eduardo Cunha deve decidir nesta semana acerca dos pedidos de impeachment protolocados na Câmara. É uma saída possível para crise do país?

Werneck  Vianna: A gente está em um momento cheio de névoa na nossa frente, é difícil enxergar a política. Mas precisa ver se a Câmara vai aceitar o impeachment, se o Eduardo Cunha vai levar isso adiante. Até agora não apareceu nada que efetivamente comprometa o mandato da Dilma. Tem o julgamento das contas no Tribunal de Contas da União (TCU), o julgamento no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), por exemplo, mas até agora não tem nada.

Então é golpe?

Não é golpe. Impeachment está previsto na nossa Constituição. É algo perfeitamente assimilável pelas nossas instituições, elas estão maduras. Mas não sei se a nossa sociedade está; faz muito pouco tempo que vivemos um processo assim. O problema vai ser o dia após o impeachment, precisamos olhar por esse lado, para além da formalidade e da legalidade, porque o país, dividido como está, pode cair numa guerra de extremos. Se a sociedade se desequilibra, perdem tanto os que puxam mais para esquerda, tanto os mais para a direita.

Como essa crise na política, com sucessivos escândalos, somadas aos nítidos problemas econômicos, afeta a sociedade?

Vivemos em um pântano. Há um sofrimento grande de não sabermos o que vem por aí, como será o dia de amanhã. Isso leva a cólera, à desesperança, de não ter um caminho válido. Desde as eleições, vivemos entre extremos e, repito, isso é ruim para todo mundo. Há um clima generalizado de desconfiança na sociedade, nas relações entre as pessoas. É necessário uma coalização do que é saudável.

Qual o papel da presidenta Dilma nesse começo de mandato em crise?

Ela é uma figura muito errática. A cada dia ela escolhe um caminho, e o pior, sempre sem convicção. Ela não está certa, por exemplo, vide suas declarações, do ajuste fiscal anunciado pelo ministro da Fazenda, Joaquim Levy. Um presidente da República precisa ter mais desenvoltura, mais poder de persuasão, firmeza. Ela tem muita dificuldade para reconstruir alianças, e tudo somado leva ao desastre que está sendo esse primeiro ano de mandato dela.

E o ex-presidente Lula? Ele ainda teria algo a contribuir para ajudar a presidenta?

O Lula não está ajudando em nada, e tem imagem suficiente para poder fazer algo. Mas não, fica estimulando movimentos para combater o ajuste que o governo do partido dele quer fazer. E diz que possui um outro caminho, que é necessário outra estratégia, mas não diz qual é a rota certa para o partido, não diz o que deve ser feito.

Em certo sentido, a crise política passa também pelo Judiciário. Há um certo protagonismo deste poder neste momento?

O impeachment não sairá do TCU ou do TSE. O pretexto para desencadear o processo pode sair dos tribunais, mas o encaminhamento é político. O Judiciário tem que atuar expurgando padrões que não são adequados, não são corretos.

Entrevista. Michael Sandel - A chuva é para todos

• Privilégios sociais e econômicos minam a democracia, que precisa ser cultivada por meio de uma educação cidadã, defende professor

Por André de Oliveira – O Estado de S. Paulo / Aliás

O filósofo americano Michael Sandel acredita que os camarotes, as áreas VIPs e os setores exclusivos, privilegiados, simbolizam perfeitamente um mundo em que os desníveis de oportunidades só fazem crescer, em que o abismo entre ricos e pobres é cada vez mais visível, em que a ruína do poder argumentativo dos cidadãos faz com que a democracia deixe de ser vista como um projeto comum de partes diferentes. Com essas ideias em mente, Sandel afirma: é preciso trabalhar com um “tipo de educação cidadã que ajude a cultivar cidadãos democratas”.

Por mais de duas décadas, foi exatamente o que ele fez ao lecionar, na Universidade Harvard, nos Estados Unidos, o curso Justiça, que nos últimos anos passou a ser transmitido também pela internet e já atraiu mais de 15 mil alunos no mundo. Nas aulas, ele aborda situações e temas do cotidiano para discutir conceitos de ética, moral e justiça à luz do pensamento de filósofos como Aristóteles, John Locke, Immanuel Kant, John Stuart Mill e John Rawls.

Agora, Sandel traz suas aulas para o Brasil, em uma parceria entre Harvard, Insper, o Estado e edX (site de cursos online das maiores universidades do mundo). Com duração de 12 semanas, o curso foi especificamente pensando para questões e realidades vividas no cotidiano brasileiro e será transmitido em plataforma online e interativa, com legendas em português (inscreva-se aqui). De passagem por São Paulo, o filósofo concedeu esta entrevista ao Aliás.

O senhor acredita que acabar com a desigualdade é uma questão de justiça?

Sim. Hoje, um dos principais desafios para se ter uma sociedade mais justa é aprender a lidar com o abismo entre ricos e pobres. Isso porque, nos últimos anos, a desigualdade só aumentou na maior parte dos países. No Brasil, vocês tiveram sucesso em reduzir a pobreza, mas é importante distinguir desigualdade de pobreza. Ou almejamos uma sociedade menos desigual ou teremos uma comunidade injusta. E existem inúmeras políticas que podem reduzir a desigualdade. Uma delas, que tem sido usada por aqui, são as ações afirmativas do governo na educação. Existem duas razões para ajudar pessoas que vêm de extratos desfavorecidos da sociedade. A primeira é dar oportunidades iguais para quem está em patamares de desvantagem socioeconômica. A segunda é criar um ambiente educacional melhor para todos. Ter estudantes de diferentes origens étnicas, econômicas e sociais em uma mesma sala de aula cria um ambiente de aprendizagem que ajuda a todos. Isso porque uma parte do que deveríamos estar ensinando em nossas universidades é um tipo de educação cidadã que ajude a cultivar cidadãos democratas capazes de entender, ouvir e discutir com os outros. As ações afirmativas são um belo exemplo de como se reduz a desigualdade, mas, é bom lembrar, sozinhas, elas não são capazes de mudar a sociedade.

Em meio a crise econômica e política do Brasil, o que vemos nas ruas muitas vezes é muita discussão e pouco debate de ideias.

Esse é um momento crítico para o Brasil, mas eu acredito que toda crise também apresenta uma oportunidade de aprofundar a democracia. Eu acho que o ativismo, expresso em protestos, é saudável. Este é um caminho para expressar sua voz. Outro é no dia da eleição. Mas acima desses dois existe o exercício cotidiano da democracia. Ela necessita que os cidadãos debatam através da mídia, de organizações civis, mas que a conversa não vire uma gritaria, uma discussão sem respeito mútuo. Na democracia, devemos nos engajar com o outro, mesmo quando não concordamos com ele, porque só assim é possível tentar encontrar o princípio fundamental de onde está o desentendimento, tenha ele nascido a partir de uma questão sobre transporte urbano, saúde ou taxação de renda. Só assim é possível deixar as coisas claras e evoluir.

Encontrar esse ponto de equilíbrio pode ser difícil quando algumas questões, como a corrupção, muitas vezes são vistas como uma primazia de determinados grupos. O que fazer?

No caso da corrupção, por exemplo, é necessário enxergá-la não apenas como uma questão legal, mas como um tema de ética e cultura democrática. Nós costumamos dizer que a corrupção é sempre o problema de outra pessoa, outro partido político ou de pessoas em cargos altos da Petrobrás, mas ela está na nossa vida cotidiana. Nesse momento, eu respeito e admiro a independência do sistema Judiciário brasileiro, que está fazendo algo sério sobre esse tema. Aliás, a liberdade com que o Judiciário tem trabalhado também revela a maturidade da democracia brasileira. Agora é importante valorizar isso, mas sem deixar de trabalhar com a noção de que a corrupção é algo a ser resolvido em longo termo, algo que depende de uma nova educação cidadã, só encontrável na convivência diária com o outro, com o diferente. Este é o caminho para a corrupção se transformar, gradualmente, em integridade.

O Supremo Tribunal Federal proibiu doações de empresas a partidos e políticos. O senhor acredita que essa é uma boa forma de se combater a corrupção política?

Eu acredito que esse dinheiro distorce a democracia, porque dá muito poder aos mais ricos e faz com que os cidadãos comuns acreditem que é impossível ter suas vozes minimamente representadas na vida democrática. Muitas democracias vivem esse dilema quando o assunto são as doações em campanhas eleitorais. Os EUA vivem uma versão extrema disso, em que empresas e pessoas muito ricas influenciam campanhas diretamente. É importante que haja uma limitação da quantidade de dinheiro que pode ser doado. Nós tínhamos algumas restrições modestas, mas, infelizmente, nossa Suprema Corte, ao contrário do que está acontecendo no Brasil, as derrubou. Idealmente, deveria existir alguma combinação entre um fundo de dinheiro público para campanhas e pequenas contribuições de pessoas físicas. Isso acabaria com essa distorção que, muitas vezes, também é fonte de corrupção.

O senhor fala bastante de resolver a desigualdade por meio de uma “nova educação cidadã”, na qual a convivência com o diferente é fundamental. É possível imaginar uma comunidade saudável em que não há convivência em espaços públicos, em que tudo se dá no âmbito privado, do carro para o trabalho, do trabalho para o carro?

Essa é uma questão fundamental, porque é impossível ter uma democracia sadia sem espaços públicos, onde cidadãos, de todas as origens, possam interagir. Parques, bibliotecas, museus. Tudo isso é necessário para que haja uma cultura democrática forte. Se as pessoas viverem seus cotidianos apenas em espaços privados, elas terão poucas oportunidades de encontrar quem é diferente delas. Uma das consequências mais terríveis da desigualdade, do abismo entre ricos e pobres, é que as pessoas vivem separadas, distantes. Desse modo, corre-se o risco de que as pessoas deixem de enxergar a democracia como um projeto comum, que visa ao bem comum. Só convivendo com pessoas de diferentes origens étnicas, sociais e econômicas é possível apender a cultivar a democracia.

O senhor disse que a desigualdade aumentou no mundo. Essa separação, essa falta de convivência, também aumentou?

Sem dúvida. E quem perde com isso é a democracia. Eu tenho um conceito que expressa bem essa separação. Eu chamo isso de “camarotização” da vida. Quando jovem, antes de existirem setores VIP, eu era um fã de beisebol e ia em todos os jogos torcer pelo time local. Nessa época, existiam alguns assentos mais caros, mas não existia uma diferença grande entre preços. Por isso, ir a um estádio era uma experiência de mistura cívica, era um exercício de cidadania, onde rico e pobre sentavam lado a lado, onde, para ir ao banheiro, todo mundo usava a mesma fila. Sem privilégios. Se chovia, todo mundo ficava molhado. Acredito que algo semelhante à “camarotização” tenha acontecido nas novas arenas de futebol que substituíram os antigos estádios brasileiros, como o Maracanã. No caso americano, isso ocorreu durante os anos 1980 e 1990. O camarote é o símbolo máximo da mudança pela qual nossa sociedade passou e está passando. E, talvez, por ser tão simbólico, esse seja um dos principais desafios das nossas modernas democracias: criar espaços em que as pessoas possam conviver sem privilégios.