Panorama Econômico :: Miriam Leitão
DEU EM O GLOBO
A crise é externa; veio de fora. Não há dúvida. Mas os erros do governo são: ele subestimou o impacto na economia brasileira; confundiu desejo com a realidade, aposta com análise; tem atuado ao ritmo dos lobbies que aparecem em Brasília; antecipou a disputa eleitoral; ainda não tem uma estratégia para enfrentar a crise. Não há sinal de mudança de atitude.
As crises são implacáveis. Não adianta dizer que elas são externas, porque isso não torna menos concretos os efeitos internos. É esse o recado que os frios números do IBGE estão mandando. As economias estão cada vez mais ligadas. Portanto, o que cabe aos governos nacionais é atuar para mitigar ou abreviar seus efeitos. O governo deve ter consciência das virtudes do país em relação a outros países, da mesma forma que é aconselhável ter noção das fragilidades.
Nos últimos anos, o governo brasileiro aumentou muito o gasto público com despesas que não podem ser reduzidas. Aumentou salários de funcionários, criou fórmulas de ajustes de salário mínimo que impactam fortemente a Previdência, contratou 200 mil novos servidores. Isso, agora, reduz a capacidade de ampliar os investimentos públicos para reduzir o impacto da crise.
É normal que um governante queira injetar otimismo e fortalecer a capacidade de o país superar o momento difícil. Isso não se faz negando a crise, dizendo-se invulnerável a ela. Admitir que a crise é grave é o primeiro passo para tornar realista o chamado para a superação.
É preferível que o governo não acredite na propaganda que ele mesmo faz. Veja-se o PAC. Inaugurar dez pedras fundamentais não vai produzir nenhuma vírgula a mais no investimento calculado pelo IBGE. O que os números mostraram ontem foi que a Formação Bruta de Capital Fixo teve uma queda de 9,8%, o maior recuo da série. Como aí é que entram as obras públicas, a construção civil e a compra de máquinas e equipamentos, dá para concluir que o PAC não "pactou". Há muito, o site Contas Abertas e outros especialistas em contas públicas, como o economista Fábio Giambiagi, vêm mostrando que, calculado como proporção do PIB, o investimento público está abaixo dos níveis históricos, apenas se recuperando da queda de 2003. Pior que não fazer nada é tomar a decisão errada. O perigo é, agora, o governo se apavorar após uma queda de 17,2% na produção industrial em janeiro e uma queda de 3,6% do PIB trimestral - no último trimestre do ano passado - e passar a aprovar gastos de forma descontrolada, esperando que a política monetária vai compensar tudo, por liberar recursos com a queda dos juros.
Os juros devem, podem e vão cair. Mas como essa é uma política de metas de inflação, o Banco Central tem que olhar os espaços dados pela queda da inflação, calcular o nível de atividade e, dessa forma, cortar os juros. Há espaço para uma atuação agressiva do Comitê de Política Monetária, o Copom, na derrubada dos juros, ainda que a inflação esteja a níveis altos para os padrões mundiais. Mas o que o Banco Central deve fazer é derrubar a taxa de juros pelas razões certas, e não para socorrer a política fiscal expansionista. Não deve derrubar os juros só porque o governo quer um custo menor da dívida para aumentar os gastos.
O ministro Guido Mantega, em declaração curta e perguntas contadas, deu alguns sinais. Um bom, vários preocupantes. O bom é que o orçamento vai ser revisto. Precisa mesmo. Ele foi formulado com base numa expectativa de crescimento da economia para o ano de 2009 que agora ficou improvável. Entre os sinais preocupantes, ele continua mostrando que prefere suas apostas peremptórias à análise objetiva dos fatos. Disse que o país não terá recessão técnica, ou seja, dois trimestres negativos seguidos, e terá PIB positivo este ano. Tomara que sim, mas acumulam-se as evidências no sentido contrário. Quando foi divulgada a alta de 6,8% do PIB no terceiro trimestre de 2008 (crescimento de 1,8% na comparação com o trimestre anterior), Mantega disse que o país tinha ganhado musculatura, que o PIB cresceria 3,5% no quarto trimestre de 2008 em relação ao mesmo trimestre do ano anterior. A alta foi 1,3%. Não estava ganhando mais musculatura, estava colhendo o dado de um trimestre bom, mas passado. Ele disse também que o Brasil iria crescer 4% em 2009, quando já se sabia que isso não iria acontecer. Naquele dia, 9 de dezembro de 2008, era difícil desconhecer que o país tinha sido atingido pela crise, estava com o crédito trancado, as exportações despencando, a produção em queda e o desemprego aumentando. Tinha perdido musculatura.
O jogo de Poliana nada ajuda na economia. Ontem, o ministro da Fazenda explicou a queda pela redução drástica das exportações - o que é verdade -, mas disse que o mercado interno estava normal. A afirmação não aguentou nem a primeira pergunta dos repórteres, que foi sobre a queda de 2% no consumo das famílias.
Um bom diagnóstico é o primeiro passo, um plano consistente para enfrentar a crise, um segundo passo. Deixar as disputas políticas para o calendário eleitoral é uma proposta sensata.
A queda do PIB no quarto trimestre de 2008 confirmou as previsões mais pessimistas. Os dados da produção industrial de janeiro superaram as piores previsões, e a não ser o dado dos automóveis, não se pode sustentar a tese do governo de que está havendo uma recuperação no primeiro trimestre de 2009. O Brasil ainda tem chance de se sair melhor da crise do que a maioria dos países, mas só se o governo trabalhar para isso.
DEU EM O GLOBO
A crise é externa; veio de fora. Não há dúvida. Mas os erros do governo são: ele subestimou o impacto na economia brasileira; confundiu desejo com a realidade, aposta com análise; tem atuado ao ritmo dos lobbies que aparecem em Brasília; antecipou a disputa eleitoral; ainda não tem uma estratégia para enfrentar a crise. Não há sinal de mudança de atitude.
As crises são implacáveis. Não adianta dizer que elas são externas, porque isso não torna menos concretos os efeitos internos. É esse o recado que os frios números do IBGE estão mandando. As economias estão cada vez mais ligadas. Portanto, o que cabe aos governos nacionais é atuar para mitigar ou abreviar seus efeitos. O governo deve ter consciência das virtudes do país em relação a outros países, da mesma forma que é aconselhável ter noção das fragilidades.
Nos últimos anos, o governo brasileiro aumentou muito o gasto público com despesas que não podem ser reduzidas. Aumentou salários de funcionários, criou fórmulas de ajustes de salário mínimo que impactam fortemente a Previdência, contratou 200 mil novos servidores. Isso, agora, reduz a capacidade de ampliar os investimentos públicos para reduzir o impacto da crise.
É normal que um governante queira injetar otimismo e fortalecer a capacidade de o país superar o momento difícil. Isso não se faz negando a crise, dizendo-se invulnerável a ela. Admitir que a crise é grave é o primeiro passo para tornar realista o chamado para a superação.
É preferível que o governo não acredite na propaganda que ele mesmo faz. Veja-se o PAC. Inaugurar dez pedras fundamentais não vai produzir nenhuma vírgula a mais no investimento calculado pelo IBGE. O que os números mostraram ontem foi que a Formação Bruta de Capital Fixo teve uma queda de 9,8%, o maior recuo da série. Como aí é que entram as obras públicas, a construção civil e a compra de máquinas e equipamentos, dá para concluir que o PAC não "pactou". Há muito, o site Contas Abertas e outros especialistas em contas públicas, como o economista Fábio Giambiagi, vêm mostrando que, calculado como proporção do PIB, o investimento público está abaixo dos níveis históricos, apenas se recuperando da queda de 2003. Pior que não fazer nada é tomar a decisão errada. O perigo é, agora, o governo se apavorar após uma queda de 17,2% na produção industrial em janeiro e uma queda de 3,6% do PIB trimestral - no último trimestre do ano passado - e passar a aprovar gastos de forma descontrolada, esperando que a política monetária vai compensar tudo, por liberar recursos com a queda dos juros.
Os juros devem, podem e vão cair. Mas como essa é uma política de metas de inflação, o Banco Central tem que olhar os espaços dados pela queda da inflação, calcular o nível de atividade e, dessa forma, cortar os juros. Há espaço para uma atuação agressiva do Comitê de Política Monetária, o Copom, na derrubada dos juros, ainda que a inflação esteja a níveis altos para os padrões mundiais. Mas o que o Banco Central deve fazer é derrubar a taxa de juros pelas razões certas, e não para socorrer a política fiscal expansionista. Não deve derrubar os juros só porque o governo quer um custo menor da dívida para aumentar os gastos.
O ministro Guido Mantega, em declaração curta e perguntas contadas, deu alguns sinais. Um bom, vários preocupantes. O bom é que o orçamento vai ser revisto. Precisa mesmo. Ele foi formulado com base numa expectativa de crescimento da economia para o ano de 2009 que agora ficou improvável. Entre os sinais preocupantes, ele continua mostrando que prefere suas apostas peremptórias à análise objetiva dos fatos. Disse que o país não terá recessão técnica, ou seja, dois trimestres negativos seguidos, e terá PIB positivo este ano. Tomara que sim, mas acumulam-se as evidências no sentido contrário. Quando foi divulgada a alta de 6,8% do PIB no terceiro trimestre de 2008 (crescimento de 1,8% na comparação com o trimestre anterior), Mantega disse que o país tinha ganhado musculatura, que o PIB cresceria 3,5% no quarto trimestre de 2008 em relação ao mesmo trimestre do ano anterior. A alta foi 1,3%. Não estava ganhando mais musculatura, estava colhendo o dado de um trimestre bom, mas passado. Ele disse também que o Brasil iria crescer 4% em 2009, quando já se sabia que isso não iria acontecer. Naquele dia, 9 de dezembro de 2008, era difícil desconhecer que o país tinha sido atingido pela crise, estava com o crédito trancado, as exportações despencando, a produção em queda e o desemprego aumentando. Tinha perdido musculatura.
O jogo de Poliana nada ajuda na economia. Ontem, o ministro da Fazenda explicou a queda pela redução drástica das exportações - o que é verdade -, mas disse que o mercado interno estava normal. A afirmação não aguentou nem a primeira pergunta dos repórteres, que foi sobre a queda de 2% no consumo das famílias.
Um bom diagnóstico é o primeiro passo, um plano consistente para enfrentar a crise, um segundo passo. Deixar as disputas políticas para o calendário eleitoral é uma proposta sensata.
A queda do PIB no quarto trimestre de 2008 confirmou as previsões mais pessimistas. Os dados da produção industrial de janeiro superaram as piores previsões, e a não ser o dado dos automóveis, não se pode sustentar a tese do governo de que está havendo uma recuperação no primeiro trimestre de 2009. O Brasil ainda tem chance de se sair melhor da crise do que a maioria dos países, mas só se o governo trabalhar para isso.
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