Este ano a economia brasileira vai crescer metade da média dos países latino-americanos.
Serão dois anos sucessivos de baixo desempenho, colocando em dúvida a ideia de
que a boa performance, desde 2004 de crescimento médio anual de 4% ao ano,
seria um pré-anúncio de um futuro com crescimento acelerado e sustentável. Dois
anos de crescimento médio medíocre, próximo à média do período anterior a 2004,
apesar do conjunto impressionante de medidas para estimular a economia que o
governo vem tomando, trouxe de volta o diagnóstico de que estamos ainda
encalhados numa "armadilha de baixo crescimento".
De fato, desde o Plano Real, o comportamento da economia brasileira tem sido
de sucessivos ciclos de expansão e contração. Com certeza, o conjunto de
medidas tomadas pelo governo está estimulando a economia brasileira. Já vemos
sinais de recuperação e tudo indica que podemos crescer 4% em 2013? E para os
próximos anos?
Enquanto o investimento público em infraestrutura ficar rastejando em torno
de 2% do Produto Interno Bruto (PIB) e a taxa de investimento da economia ficar
abaixo dos 20% do PIB, vamos continuar nesta "armadilha de baixo
crescimento".
Antes de entrar nas explicações de por que a taxa de investimento é baixa no
Brasil, é preciso enfrentar uma questão aritmética, ou seja, a restrição física
da economia. Para crescer de forma sustentável a 6% ao ano é preciso ampliar o
investimento em infraestrutura em 4% a 5% do PIB e a taxa de investimento para
mais de 25% do PIB. No entanto, isto só é possível se reduzirmos a participação
do consumo no PIB em 6%. Portanto, é necessário um ajuste estrutural da
economia. Se isto não acontecer, vamos continuar, na melhor das hipóteses,
reproduzindo o desempenho passado.
Nos últimos anos, o governo foi bem sucedido em tomar medidas de política
fiscal anticíclicas e de curto prazo. Tivemos uma recuperação impressionante a
partir do segundo semestre de 2009, depois do colapso do último trimestre de
2008; e agora novamente, neste segundo semestre. Da mesma forma que o impulso
que a economia brasileira ganhou em 2010 não se transformou em mudança de patamar
nas taxas de investimento, nada garante que isso acontecerá no próximo ano. A
razão é elementar: no curto prazo uma economia pode se recuperar expandindo o
consumo, ou seja, a política fiscal de estímulo à demanda agregada funciona até
ocupar toda capacidade produtiva. Depois vem a inflação ou déficit em conta
corrente, isto é, aumento do passivo externo, ambos impõem limites ao
crescimento ou atolam na "armadilha de baixo crescimento". Mas, no
médio prazo e ao longo dos ciclos, para crescer é preciso ampliar a taxa de
investimento e, para isto é preciso reduzir relativamente o consumo.
Segundo as nossas contas nacionais, grosso modo, em 2011 o consumo total
abocanhou 81% do PIB (consumo dos governos 21%, o consumo das famílias 60%) e
os investimentos 19% do PIB. Como a poupança doméstica foi de cerca de 17% do
PIB, tivemos que recorrer à poupança externa de cerca de 2% do PIB, isto é,
aumentamos o passivo externo nesta magnitude. Hoje ele é de mais US$ 1,7
trilhão, e impõe pesado ônus de cerca de US$ 50 bilhões por ano de pagamentos
de juros e dividendos sobre a sociedade brasileira. Como não podemos continuar
aumentando o passivo externo indefinidamente, precisamos aumentar a taxa de
poupança doméstica, isto é, reduzir o consumo em relação ao PIB.
O problema maior que se coloca para acelerar o crescimento da economia
brasileira hoje é se devemos reduzir o consumo do governo ou das famílias. No
nosso caso não há dúvidas que é o consumo do governo, pois este, nos últimos
anos, aumentou a carga tributária em mais de 10% do PIB, e reduziu a taxa de
investimentos públicos. É preciso limitar o crescimento do consumo abaixo do
crescimento do PIB, para abrir espaço para os investimentos.
Se reduzirmos o consumo do governo de 21% do PIB para 15% do PIB, a taxa de
investimento poderá saltar para 25% do PIB. Há urgência, pois cada ano com
baixo investimento, significa aumentar os estrangulamentos, os custos e a
distância em relação aos demais países que crescem.
As famílias já tiveram seu consumo reduzido de 65% em 1999, para 60% do PIB
em 2011. Esse é o elemento dinâmico da economia brasileira. Numa economia
capitalista de mercado, o empresário só investe se houver demanda. Por mais
baixa que seja a taxa de juros, por mais depreciada que seja a taxa de câmbio e
por maior que sejam os subsídios dados pelo governo, o empresário não ampliará
a capacidade produtiva se não houver perspectiva de que conseguir vender os
bens produzidos, pois senão incorrerá em prejuízos.
Além disso, a ampliação do consumo das famílias por meio do aumento da massa
salários reais, acompanhado de crescimento da produtividade, transformou-se no
principal trunfo da economia brasileira. De fato, independentemente das
transferências sociais do governo e do aumento de crédito, há um elemento endógeno
e sistemático no crescimento da demanda doméstica: o aumento da salário real.
Portanto, o aumento de produtividade do trabalho adquiriu papel-chave para
sustentar o círculo virtuoso do crescimento acelerado. Mais uma razão para o
governo reduzir seu consumo e ampliar os investimentos em infraestrutura, que
sabidamente têm fortes impactos sobre a produtividade geral da economia.
Yoshiaki Nakano, mestre e doutor em economia pela Cornell University, é
professor e diretor da Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getulio
Vargas (EESP/FGV). Ex-secretário da Fazenda do governo Mário Covas (SP)
.
Fonte: Valor Econômico
Nenhum comentário:
Postar um comentário