Supremo retoma o julgamento do ex-ministro da Casa Civil, além de Genoino e
de Delúbio, por corrupção ativa
Diego Abreu, Helena Mader
Uma década depois de José Dirceu chegar ao poder para ocupar um dos cargos
mais importantes da República, o Brasil deve assistir hoje à condenação do mais
poderoso ministro do governo Lula. Faltam apenas os votos de três de seis
ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) para que ele seja considerado
culpado pelo crime de corrupção ativa, que prevê pena de dois a 12 anos de
cadeia. Às 14h30, os magistrados da Corte abrirão a sessão em plenário para
ouvir os votos de Dias Toffoli, Cármen Lúcia e Gilmar Mendes. Também deverão
votar hoje os ministros Marco Aurélio Mello, Celso de Mello e o presidente da
Corte, Carlos Ayres Britto. Os três últimos fizeram duros questionamentos ao
revisor do mensalão, Ricardo Lewandowski, enquanto absolvia Dirceu. Por conta
disso, eles são considerados potenciais votos contra o ex-ministro, o que dá
margem para uma condenação com folga para o réu que foi classificado como
“chefe da quadrilha” do mensalão.
Até hoje, nenhuma autoridade que tenha exercido cargo tão importante quanto o
que Dirceu ocupou foi considerada corrupta pela Suprema Corte. O STF também
deve selar a condenação do ex-presidente do PT José Genoino e do ex-tesoureiro
do partido Delúbio Soares pelo crime de corrupção ativa. Para haver maioria
contra Dirceu e Genoino, são necessários apenas mais três votos pela
culpabilidade de ambos. Já em relação a Delúbio, bastam dois.
Somente Lewandowski absolveu Dirceu e Genoino das acusações de terem corrompido
ex-deputados e assessores parlamentares que receberam dinheiro do valerioduto.
Para o revisor, não há provas que liguem o ex-ministro e o ex-presidente
petista ao esquema do mensalão. “Não descarto que José Dirceu seja o mentor da
trama, mas esse fato não encontra ressonância nos autos”, justificou
Lewandowski na sessão da última quinta-feira, quando absolveu Dirceu. O
presidente da Corte, Carlos Ayres Britto, interrompeu o revisor em um momento
da sessão e afirmou que o ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares, que deve ser
condenado por unanimidade, “não faria carreira solo”. A frase foi interpretada
como um reconhecimento de culpa dos demais acusados do núcleo político. Outro
que interpelou o revisor foi Gilmar Mendes. Ele disse que havia “contradições”
no voto de Lewandowski. Já Marco Aurélio foi irônico ao comentar a argumentação
do revisor. “Vossa Excelência está quase me convencendo de que o PT não fez
repasse a nenhum parlamentar.”
Só não haverá maioria para a condenação de José Dirceu ainda hoje se o voto do
ministro Dias Toffoli demorar mais tempo do que a média dos outros magistrados.
Na pior das hipóteses, o veredicto sai amanhã. Assim como ocorreu na análise da
conduta do deputado João Paulo Cunha (PT-SP), a expectativa é que Toffoli siga
o revisor e absolva o antigo chefe.
Indícios
Há pelo menos um indício de que Toffoli poderá livrar o ex-ministro: o
magistrado absolveu da acusação de corrupção passiva o ex-dirigente do PTB
Emerson Palmieri. Esse réu tem um papel importante na acusação contra Dirceu,
porque ele foi a Portugal com Marcos Valério em 2005. Segundo a Procuradoria
Geral da República, essa viagem teria ocorrido a mando de Dirceu para a
negociação de propina. Lewandowski também absolvera Palmieri antes de inocentar
o ex-ministro da Casa Civil. Apesar de pouquíssimo provável, ainda existe a
possibilidade de Toffoli se declarar impedido de julgar José Dirceu por já ter
atuado como consultor jurídico da Casa Civil na gestão do ex-ministro.
José Dirceu evitou falar de mensalão na véspera de seu “dia D”. Ontem, ele
escreveu apenas sobre as eleições em seu blog e comemorou a conquista de
Fernando Haddad, que conseguiu levar o pleito em São Paulo para o segundo
turno. “Tivemos, nós petistas e a coligação PT e partidos aliados, uma vitória
política e tanto, ao conseguir a realização de segundo turno em São Paulo”,
declarou José Dirceu, que, no domingo, preferiu votar pouco antes do fechamento
da sessão eleitoral para evitar associações à campanha de Haddad.
Os réus do núcleo publicitário também serão mais uma vez condenados por
participação no esquema de compra de apoio parlamentar ao governo Lula. Contra
Marcos Valério, dois ex-sócios e a ex-diretora financeira da SMP&B Simone Vasconcelos,
o placar parcial é de 4 x 0 pela condenação. Ex-parceiro comercial de Valério,
o advogado Rogério Tolentino também deve ser condenado, pois três ministros já
acataram a acusação contra ele. O STF, no entanto, vai absolver a ex-gerente
financeira da SMP&B Geiza Dias, uma vez que os ministros já avaliaram que
não há provas de que ela tinha conhecimento da origem ilegal do dinheiro
repassado ao PT e a políticos da base aliada.
Para saber mais
Coincidências com Che
Silvio Queiroz
Para um político com a trajetória de José Dirceu, o andamento do processo do
mensalão reservou uma coincidência irônica: o STF decide o destino do outrora
poderoso dirigente do PT no dia em que se completa mais um ano da morte daquele
que foi, certamente, um ídolo de Dirceu na juventude. Foi entre 8 e 9 de
outubro que o exército boliviano capturou e executou o revolucionário
argentino-cubano Ernesto Che Guevara, há exatos 45 anos.
Àquela altura, em 1967, o então líder estudantil vivia intensamente a luta
interna que terminaria por estilhaçar o Partido Comunista Brasileiro (PCB), no
qual iniciara a militância política, e o levaria a integrar a facção do também
dissidente Carlos Marighela, veterano dirigente do PCB. Dirceu, no entanto,
relata que jamais militou na Ação Libertadora Nacional (ALN), por discordar de
Marighela na opção imediata pelas armas.
Detido no Congresso da UNE em Ibiúna (SP), em outubro de 1968, ele deixou o
país banido, um ano mais tarde, trocado com outros presos políticos pelo
embaixador norte-americano, sequestrado pela ALN em parceria com outra
organização armada, o MR-8. Exilado em Cuba, chegou a fazer treinamento de
guerrilha.
Retornou clandestinamente ao Brasil e a partir da anistia, em 1979,
dedicou-se à construção do PT e do projeto que culminaria com o governo Lula —
o mesmo que chamou de “minha paixão” quando teve de deixar a Casa Civil,
atingido não por balas, mas por denúncias de operações ilegais que serviram
como antessala para o escândalo do mensalão.
Fonte: Correio Braziliense
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