O PT não se entende sobre o fim da CPI do Cachoeira. Está tudo errado,
segundo assíduo frequentador dos bastidores do partido: o deputado Odair Cunha (MG),
designado relator da comissão de inquérito, está sendo obrigado a esquecer tudo
aquilo que lhe haviam pedido para escrever, enquanto a CPI servia aos
interesses do restrito grupo que a havia inspirado. O PT se ausentou até da
leitura do relatório.
Cunha, até onde se sabe, tentou encontrar algum respaldo no Palácio do
Planalto. Saiu com as mãos abanando. A presidente Dilma Rousseff sempre
procurou manter o assunto o mais distante possível do governo federal. Já bem
antes, quando a CPI estava para ser criada, aliados de Dilma diziam que a
presidente não queria "marola" em seu mandato. Quando o nome do
empresário Fernando Cavendish se aproximou perigosamente, o governo correu para
declarar "inidônea" a construtora Delta.
A CPI do Cachoeira bateu recorde de assinaturas no Congresso: com o PT
avante, os demais partidos não quiseram ficar para trás numa investigação que a
Polícia Federal, como demonstra o fim da CPI, já havia percorrido de cabo a
rabo. Afinal, ninguém quer ao menos parecer conivente com a corrupção.
Relator tentou mas não levou apoio do Palácio do Planalto
O objetivo da CPI logo se tornou mais que evidente. O principal deles era
constranger o procurador-geral da República, Roberto Gurgel. Em suas alegações
finais na Ação Penal nº 470, Gurgel foi rigoroso sobre as responsabilidades de
cada um dos integrantes do chamado esquema do mensalão (pelo resultado do
julgamento, a razão estava mesmo com o procurador).
O pretexto é também conhecido: numa operação anterior da Polícia Federal, o
nome do ex-senador Demóstenes Torres já havia aparecido relacionado ao
contraventor Cachoeira. Para o PT, o procurador cometera o crime de
prevaricação. Segundo explicações enviadas à CPI, Gurgel contou que a
"Operação Vegas" deu os elementos que levaram aos elos políticos da
contravenção, na "Operação Monte Carlo".
O outro objetivo era constranger a imprensa, além da cassação de Demóstenes
Torres, inevitável apenas com o inquérito da PF, e atingir o PSDB,
especialmente o governador de Goiás, Marconi Perillo. O tucano entrou no index
do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva quando declarou que o havia
informado sobre a existência do mensalão na Câmara.
Ao que tudo indica, só quem acreditou que a CPI era para valer foi o
relator. Basta olhar as indicações dos integrantes do PMDB na comissão. A
convocação ou não de depoentes foi negociada no atacado e no varejo.
É possível relacionar o arrefecimento do ânimo investigatório do PT com o
aparecimento da construtora Delta e das revelações sobre suas relações com o
governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, amigo e aliado de Lula, talvez o
maior incentivador da criação da CPI. Mas logo surgiram indícios de que os
tentáculos da construtora iam muito além. Estavam incrustados inclusive em
governos do PT. Um banho de água fria. Pior: a construtora de Cavendish era uma
das principais empreiteiras do PAC: a "marola" chegou ao pé da rampa
do Planalto.
Aparentemente, esqueceram de avisar o relator Odair Cunha que a hora é de
recuo. No relatório que apresentou semana passada, o deputado transcreveu as
anotações que fez ao receber a missão de escrevinhador. Entre outras coisas,
pede que o Conselho Nacional de Justiça investigue o procurador Gurgel; indicia
cinco jornalistas e - é claro - requer ao Ministério Público Federal e ao Superior
Tribunal de Justiça "a responsabilização" do governador tucano de
Goiás, Marconi Perillo. Odair está agora sob pressão de áreas do próprio PT
para voltar atrás.
A primeira impressão é que o PT deixou o relator sozinho. Mas só a votação
do relatório é que dará noção mais exata de como será o PT
"pós-mensalão", que saiu das eleições sentindo-se fortalecido por
causa da vitória de Fernando Haddad, em São Paulo, apesar do resultado adverso
no Supremo Tribunal Federal.
Embora circule a versão de que o presidente do partido, Rui Falcão, foi o
principal inspirador do texto de Odair, na cúpula do PT se atribui o relatório
às bancadas no Senado e na Câmara. E que o relatório será apresentado amanhã
com um ou outro pequeno ajuste. O PT quer ver quais nomes ou empresas a
oposição quer suprimir do relatório final.
Tem cheiro de queimado nas articulações para a sucessão na Câmara. Até
agora, tanto o PT quanto o Palácio do Planalto emitiram sinais de que estão
dispostos a cumprir um acordo pelo qual o Congresso seria comandando pelo PMDB
no biênio 2013-2014. Ou seja, em plena sucessão presidencial, o PMDB teria o
controle do Legislativo.
Os nomes do PMDB, já informados à presidente Dilma e ao PT, são os do
senador Renan Calheiros (AL), que já ocupou o cargo, e o do deputado Henrique
Eduardo Alves (RN) para a Câmara.
Dilma primeiro tentou demover Renan da ideia de presidir o Senado, cargo do
qual foi virtualmente defenestrado em dezembro de 2007, após um escândalo que
se prolongou por seis meses. Em troca, teria seu apoio para disputar o governo
de Alagoas.
O fato é que Renan sempre teve em vista disputar o governo de Alagoas, mas
seu objetivo inicial é o Senado. A maioria da bancada informou o Planalto que
prefere Renan. Dilma deixou de lado, mas se o passado voltar a assombrar Renan,
ninguém poderá reclamar se ela disser "eu bem que avisei".
Na fogueira do Planalto, nos últimos dias, arde o nome de Henrique Alves. A
química do líder do PMDB com a presidente nunca foi das melhores, sobretudo nas
vezes em que a desafiou de público. Não falta quem lembre que o acordo do PT é
com o PMDB e não com Henrique. No fundo, parece pretexto para melar um acerto
que todos afirmam sólido.
Fonte: Valor Econômico
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