Uma nova operação da Polícia Federal atingiu o Partido dos Trabalhadores.
Não é a primeira vez. Mesmo com todo o estardalhaço causado pelo julgamento do
mensalão, parece que nada detém a ânsia de saquear o Erário. Agora, uma das
acusadas é a chefe do escritório da Presidência da República em São Paulo,
Rosemary Nóvoa de Noronha, que teria negociado pareceres técnicos fraudulentos.
Os agentes da PF foram ao escritório chefiado por Rosemary para a devida busca
e apreensão de documentos. Indignada, a funcionária não fez o que seria
considerado plausível: entrar em contato com seu advogado. Não. Buscou algo
superior: o sentenciado José Dirceu. Isto mesmo, leitor. E veja como o Brasil
continua de ponta-cabeça. A funcionária petista ligou para Dirceu, com quem tinha
trabalhado durante 12 anos, em busca de proteção. O amigo, que, como é sabido,
está condenado a dez anos e dez meses de prisão, nada pode fazer. Em seguida,
ela tentou falar com o ex-presidente Lula, de quem é amiga. Mas o antigo
mandatário está fora do país. Restou Gilberto Carvalho, o onipresente para
assuntos deste jaez, mas que também não pode ajudá-la. A sequência dos contatos
e a naturalidade são indicativas de como os petistas pouco estão se importando
com o clamor popular em defesa da moralização. Continuam se considerando acima
do bem e do mal. E, principalmente, acima da lei.
Para piorar - e reafirmar o desprezo pela ética na política e na
administração pública - o segundo homem na hierarquia da Advocacia Geral da
União, José Weber Holanda, está sendo acusado de fazer parte deste grupo (a
expressão correta, claro, deveria ser outra). Fica a impressão de que na
administração petista tudo pode, que o governo está à venda.
Frente às denúncias, a presidente Dilma Rousseff vai agir da forma já
sabida: exonera o acusado da função, diz que não admite malfeitos e nada vai
apurar. Foi este o figurino nestes quase dois anos de governo. Isto explica a
sucessão de escândalos. Se o procedimento tivesse sido o de apurar uma denúncia
de corrupção, os casos não se sucederiam. Mas o governo sabe que conta com o
tempo e o esquecimento. O leitor lembra da primeira denúncia de corrupção? Sabe
se foi apurada? E o acusado foi processado? Alguém foi preso?
As últimas denúncias só reforçam o entendimento da lógica de poder do PT. O
controle do Estado é um instrumento para se perpetuar no poder. Transformaram o
exercício de uma função pública em meio de vida. Vimos no processo do mensalão
como o sentenciado José Dirceu resolveu o problema de uma das suas ex-mulheres.
Ela queria porque queria um apartamento maior (e quem não quer?). O então
todo-poderoso ministro da Casa Civil transferiu o clamor para Marcos Valério,
que, prontamente, atendeu a ordem do chefe. O ministro Marco Aurélio, do
Supremo Tribunal Federal, em um dos seus votos, destacou este ponto, de como
uma "sofisticada organização criminosa" resolvia também problemas
pessoais dos seus membros. A história se repetiu: a senhora Rosemary queria
fazer uma cirurgia. Resolveu, de acordo com a denúncia, recebendo um suborno.
Queria fazer uma viagem em um cruzeiro. E fez. Como? Da mesma forma como
realizou a cirurgia.
Nada indica que os detentores do poder vão mudar sua forma de agir. Farão de
tudo para manter este estilo - vamos dizer - despojado de tratar a coisa
pública. É como se o Estado brasileiro fosse propriedade partidária. E pobre
daquele que se colocar no meio deste caminho nada luminoso. Será atacado,
vilipendiado, caluniado.
Porém, não podem controlar tudo, todos os poderes da República. Ainda bem.
Hoje, o maior obstáculo para a transformação completa da coisa pública em coisa
petista é o Poder Judiciário. É sabido - e eu já escrevi sobre isso - que o
Judiciário tem muitos problemas e defeitos. É verdade. Mas na quadra histórica
que vivemos é o único poder que não é controlado plenamente pelo petismo. Daí o
ódio manifestado diuturnamente pelos seus porta-vozes (e não faltam línguas de
aluguel), como ainda é possível observar no julgamento do mensalão. A sucessão
de derrotas - com as condenações dos réus petistas - deixou transtornados os
petistas. Basta ler declarações racistas contra o ministro Joaquim Barbosa, as
pressões para a nomeação de um novo ministro "companheiro" - na vaga
aberta pela aposentadoria de Ayres Brito - ou simplesmente ter observado o
descaso da presidente Dilma Rousseff quando da posse do novo presidente do STF.
O novo passo para sufocar o Judiciário é o projeto, com apoio do PT, que
está tramitando na Câmara dos Deputados que retira do Ministério Público o
poder investigativo. É uma evidente retaliação. Há uma relação direta entre o
julgamento do mensalão, a brilhante denúncia apresentada pelo procurador
Roberto Gurgel e a consequente condenação dos petistas e seus asseclas, e esta
nova investida. É como se o Ministério Público tivesse cometido uma traição ao
produzir provas que levaram a liderança petista de 2005 à cadeia.
Nada indica que o PT vai aceitar a prisão dos seus líderes, apesar do devido
processo legal, do amplo direito de defesa, da transmissão de todas as sessões
do julgamento pela televisão. Vai fazer de tudo para "melar o jogo".
Criar situações de desconforto político e até, se necessário, uma crise
institucional. Suas principais lideranças nunca admitiram a existência de
qualquer obstáculo às suas pretensões de exercer o poder sem qualquer prurido.
A máxima petista é a de que o bom poder é aquele que é exercido sem qualquer
limitação legal.
Fonte: O Globo
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