A presidente Dilma fica em situação muito delicada toda vez que acontece um caso
de corrupção no seu governo. Toma a decisão de demitir os envolvidos, passa a
ideia ao grande público, por informações de anônimos assessores, de que não tem
nada a ver com aquilo, que as pessoas foram nomeadas a pedido de Lula, a quem
não poderia deixar de atender, mas que não tolera corrupção e, quando descobre,
coloca fora do governo o acusado.
Isso dá a ela uma boa margem de manobra, especialmente diante da classe
média que está conquistando com decisões aparentemente independentes. E creio
mesmo que o próprio ex-presidente Lula aceita essa situação avaliando os ganhos
políticos que ela traz para a presidente. A questão é até quando ela conseguirá
permanecer nessa posição, tirando todo o proveito da proximidade de Lula e, ao
mesmo tempo, vendendo imagem de autonomia em relação a ele.
Já não está sendo possível aceitar que tudo de ruim que acontece seja culpa
do antecessor, mesmo que ela não explicite essa acusação, apenas a insinue. E
negue oficialmente quando, a exemplo do ex-presidente Fernando Henrique, tentam
explicar os fracassos de seu governo com suposta "herança maldita".
Afinal, Dilma já está na segunda metade de seu governo, foi a responsável
pela nomeação de todos os ministros que já demitiu por suspeita de corrupção -
e, por sinal, nada aconteceu a nenhum deles em termos concretos - e até mesmo
essa chefe do gabinete da Presidência em SP, Rosemary Noronha, foi nomeada por
Dilma quando era chefe da Casa Civil, e mantida no cargo a pedido de Lula.
Sabe-se agora que o gabinete da Presidência em SP era um segundo escritório
de Lula, fora do Instituto Cidadania, e por isso mesmo ele teve inusitada
agitação este ano, com inúmeras reuniões de Dilma e Lula.
Até que ponto a presidente tem condições de autonomia em relação a um pedido
de Lula? Até que ponto seu governo tem mecanismos para detectar desvios como os
que dominaram vários ministérios no início de seu governo e agora dominam o
gabinete presidencial e o segundo nome da Advocacia Geral da União?
Está ficando cada vez mais próximo o momento em que não será mais possível
isentar Dilma de erros que sucessivamente acontecem. Fica a cada dia mais
difícil para ela se isentar de "malfeitos"após estar no governo mais
de dois anos. As andanças da ex-ministra Erenice Guerra em órgãos oficiais e a
proteção ao ministro Fernando Pimentel, a ponto de alterar o Conselho de Ética
da Presidência, apontam para leniência com amigos.
Sempre que precisa, ou é exigido dela, dar demonstração de lealdade, ela dá,
até entrar de corpo e alma na campanha municipal, que afirmara que não faria.
Foi a todos os palanques que Lula via como estratégicos, articulou a
candidatura de Patrus Ananias em BH e foi às raias da grosseria quando achou
que precisava marcar posição, caso da disputa em Salvador, quando acabou
ajudando ACM Neto ao fazer insinuações sobre sua estatura no palanque de Nelson
Pellegrino.
Não creio que dê para ela ficar em cima do muro muito tempo mais; é difícil
se desvincular, como é difícil Lula se desvincular do mensalão, ou do escândalo
mais recente com pessoa muito ligada a ele envolvida. Dizer pela enésima vez
que foi "esfaqueado pelas costas", então, se torna patético.
Nenhum dos escândalos que estouraram foi detectado pelos órgãos de
investigação, todos foram decorrência de denúncias da grande imprensa ou
delação premiada. Mais uma vez a Presidência como instituição se vê envolvida
em escândalos, gerados a partir de funcionários de confiança, nesse caso
escolhidos com requintes que mostram intenção de nomear determinadas pessoas
para os cargos determinados.
O diretor da Agência Nacional de Águas, Paulo Vieira, teve padrinhos
poderosos: Rosemary convenceu Lula e o ex-ministro José Dirceu, com quem
trabalhara por 12 anos, a bancá-lo. Foi rejeitado duas vezes pelo Senado, mas o
Planalto insistiu e uma manobra o aprovou. O então ministro Carlos Minc (PT)
disse que sabia-se que o indicado "navegava em águas turvas". Também
o segundo homem da AGU só foi nomeado por insistência de Luis Inácio Adams, candidato
de Lula no STF. São coincidências demais. Uma maneira de demonstrar real
disposição de combater a corrupção seria passar um pente-fino nas nomeações
para cargos estratégicos.
Fonte: O Globo
Nenhum comentário:
Postar um comentário