No voto sobre o núcleo político, o relator Joaquim Barbosa começou pelo PP. Isso derruba, por absurda, a tese de que a distribuição de dinheiro era "apenas" para pagamento de gastos de campanha. Como o PP apoiou o candidato José Serra, em 2002, se a versão dos acusados fosse verdadeira, o PT estaria se endividando para pagar as contas da campanha dos seus adversários.
Uma das teses da defesa é que não seria necessária a compra de votos porque era um governo com popularidade e que tinha maioria. Não era bem assim. Os primeiros projetos enviados pelo presidente Lula não eram aceitos pelos próprios petistas. A reforma da previdência causou uma rebelião dos mais radicais. Os que ficaram contra a reforma, como os parlamentares Luciana Genro, João Fontes, Babá, e Heloísa Helena, foram expulsos. Essa foi a origem do PSOL. A reforma descontentou a maioria do PT e parte do PCdoB.
O PT, de Lula, o PL, de José Alencar, e o PCdoB, juntos, elegeram apenas 129 dos 513 deputados. Para aprovar uma PEC exige-se 308 votos, uma MP, 257. A estratégia governista foi manter o PT e os partidos mais ideológicos com o mesmo tamanho e inchar os partidos mais fisiológicos que aderiram à coalizão de governo. Os partidos de oposição foram lipoaspirados.
Assim, entre a eleição de 2002 e setembro de 2005, o PTB de Roberto Jefferson - que havia apoiado Ciro no primeiro turno - saiu de 26 para 46 deputados, o PL (hoje PR) saiu de 26 para 47 deputados. O PMDB fora parte da chapa de José Serra, com Rita Camata candidata à vice. Elegeu 74 deputados. Perdeu quatro até a posse, ficando com 70. Aderiu ao governo e ganhou 17. Teve deputado que trocou de partido mais de uma vez. Até março de 2005, houve 225 mudanças de partidos envolvendo 125 deputados (vejam os números no blog).
Já os partidos mais tradicionais de esquerda, PT e PCdoB, ficaram do mesmo tamanho. O PSB, que tinha disputado com o candidato Garotinho, e o PPS, que lançou Ciro Gomes, ficaram do mesmo tamanho. O valerioduto irrigou principalmente os partidos fisiológicos, que incharam.
Alguns partidos que estavam na oposição durante a campanha foram cooptados, como o PTB e o PMDB. Outros foram desidratados, como o então PFL e o PSDB. O PFL perdeu 26 deputados da bancada que elegeu, e o PSDB, 19. Assim, o governo enfraqueceu a oposição, preservou os partidos mais ideológicos do troca-troca e inchou os partidos de natureza mais fisiológica que deram apoio às suas propostas.
O governo queria não apenas aprovar as duas reformas, mas construir uma maioria ampla, com esse centrão, e assim não ter problemas no Congresso. As duas propostas de reforma foram apresentadas pelo governo Lula para enterrar de vez a desconfiança em relação à diretriz econômica que o governo adotaria. Queria mostrar que estava disposto a pagar o preço da austeridade.
A tese dominante do PT era que o déficit da previdência não existia, era apenas uma questão de como fazer a conta. A reforma desafiava esse entendimento. Desagradava uma importante base de apoio do governo que era o funcionalismo público. A reforma mudava a aposentadoria dos servidores.
O final da história é estranho, porque o governo acabou abandonando as duas reformas. A tributária não foi adiante. A da previdência exigia uma regulamentação do fundo de pensão dos funcionários públicos que só agora no governo Dilma é que foi feita. Mas essa maioria foi fundamental. Ela foi agraciada com cargos distribuídos não apenas na administração direta, mas nas estatais e até nas agências reguladoras. O arco se rompeu quando a briga estourou dentro da própria base.
FONTE: O GLOBO
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