Celso de Mello reabre julgamento, e Fux é o novo relator.
Decano diz que sentimento das ruas não pode se sobrepor à lei e que recurso assegura direito de defesa.
Advogados dos réus comemoram decisão e já projetam cenário com clientes fora da cadeia.
Em Brasília e nas redes sociais, população protesta contra demora para executar condenações.
Depois de mais de um ano de julgamento, o decano do Supremo Tribunal Federal, Celso de Mello, desempatou a votação que estava em 5 a 5, concedendo a 12 condenados no mensalão o direito de apresentar novo recurso à Corte, o que deve adiar para 2014 a punição aos réus. A decisão de analisar os embargos infringentes beneficia os petistas José Dirceu, José Genoino e Delúbio Soares, além de Marcos Valério. Condenado como o "chefe da quadrilha" do mensalão, Dirceu poderá ter as penas reduzidas e escapar do regime fechado. Ao dar o voto de desempate, Celso de Mello destacou o amplo direito de defesa dos réus e afirmou que a Corte não deve sucumbir a pressões externas. A decisão aumentou o temor de que os crimes fiquem impunes. O STF não fixou a data de publicação do acórdão sobre os demais réus, que não têm direito a novo recurso. O ministro Luiz Fux foi sorteado para ser o relator da nova fase do julgamento. Ele acompanhou o antigo relator, Joaquim Barbosa, em quase todos os votos.
Punição adiada
STF reconhece direito a novo julgamento para 12 réus; Dirceu pode sair do regime fechado
BRASÍLIA- Doze dos 25 réus condenados no processo do mensalão ganharam ontem o direito a um novo julgamento — entre eles o ex-ministro da Casa Civil José Dirceu. Por seis votos a cinco, o Supremo Tribunal Federal (STF) admitiu a possibilidade de analisar os embargos infringentes, um recurso que permite o reexame de provas e a absolvição em crimes cuja condenação contou com ao menos quatro votos a favor do réu. O voto de Minerva foi dado pelo ministro Celso de Mello, o mais antigo na Corte, que disse rejeitar a pressão das ruas sobre o Supremo.
Como há prazos para os advogados entrarem com os recursos e o Ministério Público Federal se pronunciar, qualquer punição aos mensaleiros pode ficar apenas para 2014. O ministro Luiz Fux substituirá o presidente Joaquim Barbosa na relatoria dos recursos.
O tribunal deu prazo de 30 dias para os réus entrarem com os infringentes, a contar da publicação no Diário da Justiça do acórdão referente aos embargos declaratórios, recursos cujo julgamento foi encerrado no último dia 5. A expectativa é que o tribunal leve cerca de 15 dias para publicar o acórdão, mas, pelo regimento, a publicação poderá ocorrer até o início de novembro. Acórdão publicado, e esgotado o prazo dos réus, a Procuradoria Geral da República ganha outros 15 dias para se manifestar.
Na hipótese célere, os prazos encerrariam em meados de novembro, e Fux elaboraria seu voto imediatamente depois. Em outro cenário, os prazos terminariam em 19 de dezembro, último dia do ano antes das férias do tribunal, inviabilizando o desfecho do caso este ano.
Execução de penas fica suspensa
Em razão do adiamento da conclusão do processo, a execução das penas dos 12 condenados que têm direito ao embargo infringente ficará suspensa. O presidente do STF, ministro Joaquim Barbosa, contudo, não mencionou na sessão de ontem como ficará a situação dos outros 13 réus que não têm direito aos recursos. A prisão deles deve ser discutida em plenário quando o tribunal publicar o acórdão.
Se ficar decidido que o grupo não pode mais entrar com nenhum tipo de recurso, as penas deverão ser executadas imediatamente.
Apontado como chefe da quadrilha do mensalão, Dirceu pode ter sua pena, atualmente em dez anos e dez meses, diminuída para sete anos e 11 meses, deixando de cumprir a pena em regime inicialmente fechado e passando ao regime semiaberto. No ano passado, Dirceu foi condenado por formação de quadrilha por seis votos a quatro. Por outro lacjd, não há como revisar a pena de corrupção ativa, crime pelo qual Dirceu foi condenado por oito votos a dois.
Além de Dirceu, sete réus condenados por formação de quadrilha tiveram pelo menos quatro votos pela absolvição: o ex-presidente do PT José Genoino; o ex-tesoureiro do partido Delúbio Soares; o operador do esquema, Marcos Valério, e seus ex-sócios Ramon Hollerbach e Crisüano Paz; e os ex-executivos do Banco Rural Ká-tia Rabello e José Roberto Salgado. Simone Vasconcelos, ex-funcionária de Valério, foi condenada pelo crime, mas não cumprirá pena porque houve prescrição.
Esses réus têm chance de serem absolvidos do crime de formação de quadrilha. Isso porque a formação da Corte mudou em relação ao ano passado, com a substituição de dois integrantes. Recentemente, o STF absolveu o senador Ivo Cassol (PP-RO) da acusação de formação de quadrilha, mudando a jurisprudência do tribunal. Se o mesmo ocorrer na ação penal 470, Delúbio Soares também vai para o semiaberto.
Outros três condenados poderão questionar a pena por lavagem de dinheiro: o ex-presidente da Câmara João Paulo Cunha (PT-SP); o ex-assessor parlamentar do PP João Cláudio Genu; e o doleiro Breno Fischberg. No caso dos dois últimos réus, eles foram condenados apenas por lavagem. Ou seja, em tese, podem ser totalmente absolvidos depois do julgamento dos embargos infringentes. No caso de Cunha, se ele for absolvido será preso em regime semiaberto, não no fechado, como decidiu o tribunal no ano passado.
Na semana passada, a votação sobre a legitimidade ou não do recurso foi interrompida com cinco votos a cinco. O voto de desempate foi dado ontem pelo mais antigo integrante da Corte, Celso de Mello. Ele defendeu os infringentes como garantia de um processo justo aos réus. E esclareceu que a Corte deve agir com correção jurídica, e não para atender os desejos das ruas.
— Tenho para mim que ainda subsistem, no âmbito do STF, nas ações penais originárias, os embargos infringentes — arrematou o decano.
Por duas horas, o ministro sustentou que os infringentes estão previstos no Regimento Interno, de 1980, que tem força de lei. E lembrou que a Lei 8.038, de 1990, que disciplinou recursos judiciais no STF e no Superior Tribunal de Justiça (STJ), não tratou dos infringentes, mas também não os baniu do regimento.
Celso de Mello afirmou que, ao silenciar sobre esse tipo de recurso, a lei de 1990 criou uma ""típica lacuna intencional" para manter a validade do regimento do Supremo. O ministro acrescentou que apenas o Congresso pode extinguir a possibilidade de embargos infringentes para ação penal no STF. E argumentou que não há outro tribunal ao qual se possa recorrer de condenação do STF. Daí a importância dos embargos infringentes.
— No STF, não há uma instância de superposição, e isso é grave. Por isso mesmo que o STF, no Regimento Interno, sabiamente construiu um modelo recursal que permite a possibilidade de controle jurisdicional de suas próprias decisões, porque não há outro órgão do Poder Judiciário ao qual a parte supostamente lesada possa se dirigir — explicou.
Fonte: O Globo
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