Além da taxa de câmbio, as oscilações do custo de trabalho tornam o comportamento da inflação mais complexo
Apesar de praticarmos uma das taxas de juros das mais altas do mundo, a taxa de inflação no Brasil alcançou 5,91%, em 2013, muito acima da meta oficial de 4,5%. Isto não é aceitável para um país cujo PIB vem crescendo, desde 2011, em média, apenas 2,0%. Taxa de juros elevada com baixo crescimento deveria resultar em baixa inflação. Entretanto, as expectativas são de que esta situação deverá persistir neste ano. O que o Brasil tem de diferente do resto do mundo? Será que uma nova rodada de elevação de taxa de juros vai controlar a inflação?
O fator que salta aos olhos é que a política monetária é pouco eficiente no Brasil. A aparente eficácia da elevação da taxa de juros para reduzir a taxa de inflação desaparece logo, quando verificamos que ela foi acompanhada da apreciação na taxa de câmbio. Como a taxa de câmbio, no curto prazo, se comporta como um ativo financeiro, ela é determinada pela movimentação da conta de capitais. A elevação da taxa de juros tendeu a apreciar a taxa de câmbio. Neste caso, a inflação cede. Em outras circunstâncias, a taxa de inflação declinou porque a sua aceleração tinha sido resultado de choque de oferta ou de preços transitórios. Quando o efeito do choque termina, a inflação também cede. Tudo indica que este mecanismo de queda na taxa de inflação, associada a apreciação da taxa de câmbio prevaleceu por longo período até 2010.
A partir de 2011, particularmente em 2012 e 2013, a tendência da taxa de câmbio se inverte e passamos a ter depreciação com evidentes impactos na taxa de inflação. Mas o fenômeno que cabe ainda esclarecer é que o longo período de apreciação da taxa de câmbio produziu efeitos estruturais - não só a desindustrialização da economia brasileira, com forte redução na participação da indústria de transformação no PIB de 18%, em 2004, para apenas 13,3%, em 2012, mas na própria dinâmica da inflação. A inflação no período recente não pode ser entendida sem levarmos em conta também os preços relativos, isto é, a interação entre a inflação de dois setores: não-tradables (serviços) e tradables (indústria transformação), mediado pelo comportamento dos salários e produtividade.
A tendência central é que a taxa de inflação elevada, desde 2004, no seu componente mais persistente, tem sido resultado da pressão dos setores não tradables. Já apontamos diversas vezes nesta coluna que os preços dos setores de não-tradables (serviços) crescem mais rapidamente que tradables (indústria transformação), num contexto de excesso de demanda agregada e quase pleno emprego desde 2004, por causa da apreciação da taxa de câmbio que eleva os preços relativos favoravelmente aos primeiros setores. Estes não sofrem concorrência dos importados e tendem a responder não só à pressão de demanda, mas podem facilmente repassar os aumentos de custos aos preços como o do salário mínimo. Enquanto isto, os preços dos setores tradables tendem a ser fixados a partir dos custos mais uma margem de lucro, mas podem ficar reprimidos com a apreciação da taxa de câmbio, pois esta reduz os preços dos importados.
Neste período, a taxa de inflação dos tradables sofre oscilações, mas ficando sempre abaixo dos não-tradables. Ela desacelera fortemente com a apreciação da taxa de câmbio, particularmente a partir de 2004. Mas evidentemente, esta repressão dos preços dos tradables tem limites, se a margem de lucro se torna persistentemente negativa. Fecha-se a empresa ou, no nosso caso, o industrial se transforma em importador, daí a tendência de desindustrialização. Com os custos de trabalho aumentando fortemente, viabilizados pelos aumentos de preços do setor de não-tradables, a partir de 2007, os preços industriais sofrem uma recomposição até 2009.
Com a crise financeira de 2008 e aumento do desemprego, os salários sofrem forte desaceleração, recuperam-se a partir de 2010, quando a taxa de inflação dos tradables sofre novos ciclos de aceleração/desaceleração. Em 2013 sofrem uma nova desaceleração, agora em função da depreciação da taxa de câmbio.
Além da taxa de câmbio, existe um segundo elemento fundamental que explica a relação entre a taxa de inflação dos dois setores. Na verdade, existe um veículo de difusão da inflação de não-tradables para os demais setores que é a elevação dos salários muito acima da produtividade. Desta forma, eleva-se fortemente o custo unitário de trabalho, sobretudo na indústria. Portanto, além das fortes oscilações da taxa de câmbio, as oscilações do custo unitário de trabalho tornam o comportamento da inflação um fenômeno mais complexo.
Yoshiaki Nakano, com mestrado e doutorado na Cornell University, é professor e diretor da Escola de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV/EESP).
Fonte: Valor Econômico
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