Hoje, dia 9 de fevereiro, em Recife, comemora-se o dia do frevo. Também hoje faz um ano e pouco mais de dois meses que o frevo foi elevado à condição de patrimônio imaterial da humanidade. Ainda hoje, também em Recife, será inaugurado o Paço do Frevo.
Como se vê, o frevo está em alta. Mas frevo para quê? Por que frevo?
Foi o escritor Ariano Suassuna quem, indiretamente, apresentou-me a ele. Com seu convite para integrar o Quinteto Armorial, dei início a uma viagem de aprendizado dos cantos, danças e modos de representar presentes em manifestações populares como o reisado, o maracatu, o caboclinho e sobretudo o frevo.
Com o passar dos anos, esses aprendizados foram se conectando a estudos e reflexões sobre a cultura brasileira em geral e a popular em particular. Esse casamento entre conhecimento empírico e teórico foi conduzindo-me à constatação de que vivemos num país que reluta em aceitar-se integralmente.
Que outra razão para tal desperdício de insumos culturais tão vastos e de tão imensa riqueza simbólica como o nosso reservatório de ritmos presente em batuques, cortejos e folguedos; de formas e gêneros poéticos --quadrões, décimas, galope à beira-mar; de passos e sincopados armazenados no nosso imaginário corporal popular?
E o que temos feito com tudo isso? Empurrado para o gueto da chamada cultura folclórica, regional ou popular, falsamente antagonizante daquela que se convencionou denominar de cultura erudita.
Há quase cem anos que a "entidade" frevo vem despejando no país, especialmente em Recife, volumoso material simbólico. Esse "material" foi se formando dentro daquilo que venho denominando de uma linha de tempo cultural popular brasileira. Essa "entidade" frevo materializou-se por meio de um gênero de música instrumental, o frevo-de-rua, orgânica forma musical onde palhetas e metais dialogam continuamente, ancorados pela regular marcação do surdo e a sacudida movimentação da caixa; uma dança, o passo do frevo, imenso oceano de impulsos gestuais e procedimentos coreográficos; e dois gêneros de música cantada: o frevo-canção e o frevo-de-bloco, cada um com características particulares tanto de natureza poético-literária quanto musical. Um valioso armazém de representações simbólicas.
Mais do que preservar o frevo, nossa tarefa está em amplificar, dinamizar, trazer para a órbita de nossa cultura contemporânea os valores, procedimentos e conteúdos presentes nessa "instituição" cultural.
Essa ação amplificadora poderia abranger escolarização musical --por que não se estuda frevos em nossas escolas de música?--; a prática da dança --a riqueza lúdica e criadora proporcionada pelo seu multifacetário estoque de movimentos--; a valorização de modelos de construção e integração social advindos do mundo-frevo etc. Tudo isso ajudaria ao Brasil entender-se melhor consigo mesmo e com o mundo em que vivemos.
O frevo é uma das representações simbólicas mais bem-acabadas e representativas que o povo brasileiro construiu. Assim como o samba, o choro, o baião, uma entidade transregional cuja imaterialidade poderemos transmudar em matéria viva operante se tivermos a suficiente compreensão do seu significado e alcance sociocultural.
Antonio Nóbrega é multi-instrumentista, dançarino e cofundador do Instituto Brincante de cultura e dança popular
Fonte: Folha Online
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