No ano passado, 40% do volume de energia planejado não entrou em operação na data prevista; adiamentos deixam sistema vulnerável
Renée Pereira
Não é só o humor de São Pedro que tem preocupado o setor elétrico brasileiro. O planejamento da expansão do sistema também tem exigido atenção. Em 2013, por exemplo, 40% do volume de energia planejado não entrou em operação na data prevista, segundo levantamento da Associação Brasileira dos Investidores em Autoprodução de Energia (Abiape). Entre os projetos de transmissão, 71% das linhas licitadas têm atraso médio de 13 meses e meio.
Além de comprometer o avanço do setor, o descumprimento dos prazos dificulta a operação e deixa o sistema mais vulnerável. Segundo a Empresa de Planejamento Energético (EPE), para um crescimento da demanda de 5% ao ano, o País precisa acrescentar em média 6 mil novos MW ao sistema. Em 2012, entraram 3.983 MW e, no ano passado, 5.556 MW, de acordo com relatório da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). Na geração hidrelétrica, apenas metade do que estava previsto para o ano passado ficou pronto. Na termoelétrica, houve um incremento maior na geração porque as usinas previstas para 2012 só entraram em operação no ano seguinte.
Segundo uma fonte próxima do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), os atrasos nos projetos de geração e transmissão têm feito falta nesse momento de maior estresse do sistema. Com os reservatórios do Sudeste/Centro-Oeste em baixa e demanda batendo recordes consecutivos (em janeiro, cresceu 11% em relação a igual período do ano passado), a operação ficou mais complicada.
‘Plena carga’. Grandes blocos de energia têm sido transferidos de uma região para outra, exigindo ao máximo a capacidade das linhas de transmissão. "O sistema não está no limite, mas está a plena carga. O crescimento da demanda foi explosivo", afirmou o executivo, que prefere não se identificar. Segundo ele, nesses momentos, qualquer MW a mais faz grande diferença. No ano passado, deixaram de entrar em operação quase uma usina de Jirau, no Rio Madeira, segundo a Abiape.
Para o diretor do Instituto de Desenvolvimento Energético do Setor Elétrico (Ilumina), Roberto Pereira D’Araujo, a culpa dos atrasos é da forte competição no setor. Hoje, as empresas entram no leilão para disputar uma hidrelétrica, por exemplo, apenas com um projeto básico. "Depois que vencem é que vão fazer os estudos aprofundados. Os custos aumentam, novos problemas surgem e os prazos são ampliados."
As principais justificativas para os atrasos são a demora no licenciamento ambiental e os conflitos com comunidades ribeirinhas ou indígenas. Mas o presidente da EPE, Maurício Tolmasquim, reconhece que há problemas causados pelos próprios empreendedores, que elaboram projetos e estudos de má qualidade. "É claro que, nesses casos, há penalidades. Mas pra gente não interessa multar. Queremos a obra."
Para D’Araujo, outro reflexo do planejamento inadequado é o fato de o País estar usando, sem parar, térmicas caras movidas a diesel e óleo combustível. "Esse é um sinal de desequilíbrio, pois essas usinas não são construídas para operar o tempo todo. É um sinal de que o sistema está pedindo novas usinas, as atrasadas e outras que nem foram pensadas."
Segundo o presidente da Associação Nacional dos Consumidores de Energia, Carlos Faria, um erro de política do governo é a opção pelas usinas a fio d’água (sem reservatório) para evitar conflitos ambientais. Com isso, o sistema ficou ainda mais dependente das chuvas. "Construímos eólicas, mas elas não funcionam por falta de transmissão e simplesmente esqueceram as PCHs."
Tolmasquim concorda que, com mais usinas a fio d’água, o País precisa de complementação. Parte será suprida pelas eólicas, mas o governo fará novos leilões de térmicas. No ano passado, houve a primeira tentativa para contratar termoelétricas, mas o preço não atraiu os investidores.
"Agora, aumentamos o teto do custo variável unitário (custos operacionais do empreendimento) de R$ 110 o MWh para R$ 150 para estimular térmica a GNL (Gás Natural Liquefeito). Na transmissão, a expectativa é licitar 13 mil km de linhas." Em relação aos atrasos, ele diz que "o governo tem conversado com diversos órgãos para acelerar as obras".
Fonte: O Estado de S. Paulo
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