Tendo o ex-procurador-geral da República Roberto Gurgel passado seus dois mandatos sem apresentar ao STF suas alegações finais sobre o processo do mensalão mineiro, instaurado em 2007, seu sucessor Rodrigo Janot o fez, menos de cinco meses depois da posse. E para surpresa do alto comando do PSDB, pediu 22 anos de prisão para o ex-governador, ex-senador e hoje deputado Eduardo Azeredo, oriundo de uma família de alta respeitabilidade moral e política em Minas. Temem os tucanos que o caso neutralize, pelo menos parcialmente, seu discurso ético que tem como alvo central o escândalo petista do mensalão, que hoje mantém preso, entre outros, o ex-ministro José Dirceu, ao qual Janot comparou Azeredo, em matéria de relevância nos esquemas de financiamento ilegal de campanhas, segundo cada um dos partidos, ou de corrupção e desvio de recursos, de acordo com a acusação.
Ao mesmo tempo, o PT assiste à insólita história de Henrique Pizzolato em terras italianas, onde viveu algum tempo na pele do irmão já falecido, tendo até votado por ele em 2008. Todo repique do mensalão é nocivo ao PT, especialmente num ano eleitoral. E se os outros condenados cumprem disciplinadamente suas penas, apesar das irregularidades na execução penal, como a de manter em regime fechado quem foi condenado ao semiaberto, se pagam suas multas pontualmente, graças à solidariedade de doadores que extrapolam a militâncias, apesar da suspeita do ministro Gilmar Mendes de que ela oculte lavagem de dinheiro, Pizzolato foi preso pela prática de crimes indiscutíveis, próprios do banditismo internacional, dissimulando a própria identidade e usando documentos falsos. Vá lá saber por que, uma vez na Itália, não se apresentou às autoridades e buscou legalizar sua situação, uma vez que tem cidadania italiana.
Neste momento, Pizzolato é uma unha encravada na estratégia do PT de defender os seus na medida do possível. Mas, se ele for julgado pela Justiça Italiana, não só por uso de documento falso, mas pelos crimes que lhe foram imputados pelo STF (peculato, formação de quadrilha e lavagem de dinheiro), e lhe valeram a condenação a mais de 12 anos de prisão, talvez ainda venha a ter utilidade. Pizzolato levou consigo para a Itália documentos com os quais pretende provar o que não conseguiu no Brasil: que os R$ 60 milhões (do fundo Visanet) que transferiu à agência DNA, de Valério e sócios, não foram usados para "comprar deputados". Foram usados na execução da campanha publicitária do cartão Visa Ourocard: emissoras de rádio e televisão que veicularam peças foram pagas com este dinheiro, utilizado ainda para outdoors, peças de mobiliário urbano, patrocínios esportivos e até de uma conferência de magistrados da AMB. Se tais provas existem, porque não apareceram no julgamento? Segundo já demonstrou a revista Retrato do Brasil, porque os documentos foram apensados a um outro inquérito, o 2474, secreto e paralelo, que Barbosa não relatou na Ação Penal 470.
Fato é que os mensalões agora se encontraram, embora tenham suas diferenças. O do PSDB não envolve tão grande número de réus, até porque alguns já escaparam do julgamento porque fizeram 70 anos. E talvez só o ex-governador seja julgado pelo STF, que, no caso do PT, rejeitou a transferência, para a Justiça comum, dos réus que não tinham direito ao foro especial, por conta de cargos públicos ocupados. Talvez convivam no noticiário neste ano eleitoral. Talvez não, se o relator, ministro Roberto Barroso, demorar para apresentar seu voto ao caso mineiro, bem como o revisor, ministro Celso de Mello. A troca de chumbo, entretanto, não dará em empate ou jogo de soma zero. O efeito de um novo julgamento, agora envolvendo o PSDB, será o aumento da descrença na política e na representação, num país em que as pessoas estão irritadas com tudo, especialmente com as autoridades. Desceremos ainda mais rumo a esse poço escuro. Neste caso, dois mais dois não serão quatro, mas cinco.
Era uma vez...
Sérgio Buarque de Hollanda nunca foi bem compreendido em sua definição do brasileiro como "homem cordial" em Raízes do Brasil. Não falava de um povo pacifista, mas sempre movido por razões mais emocionais (vindas do core, coração, matriz de cordial). Ainda assim, a definição era aplicável. Poucas guerras ao longo da história, apesar da vergonhosa violência contra o Paraguai e das muitas rebeliões internas, independentistas ou separatistas, como cabanagem, balaiada, sabinada e o também maculoso episódio de Canudos. E, para não esquecer, da violência da ditadura.
Hoje, 50 mil brasileiros são vítimas de homicídios todo ano, e outros 52 mil da violência no trânsito. "Se um dia fomos cordiais, hoje estamos ficando bestiais", diz o senador Jorge Viana (PT-AC). Os justiçamentos, como aquele de um jovem por bandidos no Rio, o vandalismo nos protestos que começaram democráticos, e acabam de vitimar um cinegrafista, também no Rio, o quebra-quebra desnecessário no metrô de São Paulo, a banalização da morte, seja numa briga de trânsito ou em confrontos no campo, tudo falam de um país que perdeu o jeitinho e hoje se move com ódio e intolerância. "Precisamos, especialmente nós, políticos e homens públicos, parar de fingir que não enxergamos esta guerra brutal em que vivemos. Antes que seja tarde", diz o senador.
Brincando com fogo
Dilma mandou avisar que vai atender o PMDB na reforma ministerial, que retomará esta semana. Lula deve ter respirado aliviado. Eles jogaram pesado e ela não gostou , mas não está em condições de dispensar o apoio do PMDB. Soprando contra, ela tem a economia e este ambiente de hostilidade ampla e geral que toma conta do Brasil. Afora os adversários, que para sorte dela, ainda não adensaram o discurso. Eduardo Campos resumiu, no tuitaço de sexta-feira, suas prioridades: "preservar as conquistas das últimas décadas, aprofundar a democracia e melhorar os serviços públicos". Como projeto de país, é muito pouco. Aécio Neves também está
Fonte: Correio Braziliense
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