• Beneficiada nos últimos anos com crédito farto e prestações a perder de vista, a nova classe média enfrenta dificuldades para pôr as contas em dia. Inflação e juros altos apertaram o orçamento das famílias
Bárbara Nascimento – Correio Braziliense
Alvo preferencial do governo, na tentativa de estimular o crescimento do país, a nova classe C passa por momentos difíceis quando o assunto é dinheiro. As quase 40 milhões de pessoas que compõem essa camada da população aproveitaram o crédito farto para comprar carro, trocar a geladeira e a televisão e até adquirir a casa própria. Agora, não conseguem arcar com as dívidas. Levantamento do Instituto Data Popular mostra que 69% da classe C está com dificuldades para pagar as contas. Para 32%, a situação é desesperadora.
A aposentada Dalva Rodrigues, 73 anos, que o diga. Ela fez um empréstimo para terminar de construir sua casa, no Paranoá, próximo a Brasília. Sem conseguir quitar o montante, devido aos juros altos, recorreu a outro banco em busca de mais um financiamento para honrar o compromisso atrasado. Ou seja, tapou um buraco mas abriu outro no orçamento doméstico. Com isso, mais da metade da renda de cerca de R$ 1 mil está sendo destinada ao pagamento de dívidas.
A casa ainda não tem todos os móveis que Dalva deseja. "Tudo aqui é comprado à prestação, o forno, a geladeira, o microondas. Não pago nada à vista, porque o dinheiro não dá. Tem meses em que preciso apertar, comprar menos, reduzir os gastos com comida no supermercado", assinala. Ela reconhece que chegou ao limite do endividamento. E sofre porque ainda falta muito para ter o imóvel dos sonhos. "A prioridade é não passar fome", afirma.
Dinheiro escasso
A pesquisa do Data Popular mostra que, quando o dinheiro fica escasso, como no caso de Dalva, a maior parte dos brasileiros, 81%, economiza nas contas de manutenção da casa, como luz, telefone e gás. Do total de 2.004 entrevistados, 75% comparam preços e 51% trocam os produtos comprados por marcas mais baratas, 23% diminuem a quantidade de mercadorias e 11% simplesmente param de consumir.
"As pessoas só se assustam quando veem que vai faltar dinheiro para fechar o mês e não vai dar para pagar todas as contas. Não conseguem olhar um pouco à frente", observou o educador financeiro Reinaldo Domingos. No entender dele, o crédito fácil levou a esse desequilíbrio. "É o cartão de crédito, o boleto bancário, o crediário... Muitas vezes, o problema não está no que a pessoa consome todo mês, mas nas prestações que ela vai acumulando", emendou.
A dona de casa Maria Zildete, 54, conta que ela e o marido, vigilante, tiveram que reduzir as compras no supermercado para inteirar o dinheiro da prestação do carro zero, adquirido no ano passado em 48 vezes. "Compramos menos carne, tiramos o peixe da mesa. As contas de casa também aumentaram muito: água, luz, IPTU (Imposto Predial e Territorial Urbano). Tudo apertou", explica ela.
A baiana Floripes Pereira, 64, está com o IPTU atrasado e diz que, vez ou outra, tem até a luz da casa cortada. "Faço as compras de mercado no cartão de crédito. Como tudo tem aumentado muito, as vezes fico muito apertada e me descontrolo", contou ela, que teve que deixar a construção da casa pela metade. "Às vezes, tenho que esperar o próximo salário (da aposentadoria pelo Instituto Nacional do Seguro Social) para voltar ao supermercado", completou.
O economista Fábio Bentes, da Confederação Nacional do Comércio (CNC), atribui as dificuldades da classe C à inflação e ao encarecimento do crédito. A taxa média de juros está no nível mais alto desde abril de 2009. "A tendência é de a inadimplência ficar cada vez maior. A previsão da CNC é de que passe de 6,5% para 6,9% até o fim do ano", pontuou.
"Quem tomava R$ 1.000 emprestados há um ano, pagava uma prestação de R$ 36. Hoje, a parcela é de R$ 40. Se descontarmos a inflação, o crédito está 3,5% mais caro, o mesmo aumento que o salário teve, em termos reais. Isso tem apertado o orçamento das pessoas", disse.
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