- O Globo
Há duas maneiras de tentar entender o que pode acontecer neste segundo turno, que promete ser o mais eletrizante de tantos quantos já aconteceram desde 1989. O primeiro é meramente numérico, o outro é político. Nos dois casos, a votação de Marina Silva é fundamental, mas não depende apenas dela. Se ela quiser aproveitá-la para tirar dividendos políticos no sentido nobre do termo, poderá negociar um programa de governo que inclua questões que considere essenciais.
Estará então inaugurando na prática a "nova política" de que sempre falou, que não depende tanto de nomes, mas de práticas. O cientista político Sérgio Abranches, criador do termo "presidencialismo de coalizão", escreveu um texto sobre essas negociações no site "Ecopolítica" em que diz que "a novidade deste segundo turno em relação aos demais é que o apoio da coligação de Marina Silva a Aécio Neves, se ocorrer, terá como condicionante inarredável um acordo programático, e não uma simples barganha de cargos e promessas orçamentárias, como tem sido habitual".
Para Abranches, essa "é uma novidade importante e que pode ter um efeito pedagógico fundamental para a mudança de qualidade do presidencialismo de coalizão no Brasil. Deve ter, também, impacto na campanha, uma vez que seria uma demonstração concreta do que poderia ser a transição para o que Marina Silva e Eduardo Campos chamavam de nova política. Um acordo negociado em torno de itens de programa, às claras, que seria apresentado formalmente aos eleitores por meio de um manifesto programático para formação de uma coalizão mais ampla de oposição".
Há claros sinais de que a coligação de Marina caminha para esse acordo, embora forças políticas ligadas ao PT dentro do PSB tentem a neutralidade como saída para impedir a aliança formal com o PSDB. O candidato tucano, Aécio Neves, está tratando o assunto com bastante cuidado e sem for çar a urgência, dando o tempo que tanto Marina quanto a família de Campos precisam para formalizar a decisão. Do ponto de vista numérico, a disputa vai se dar no Nordeste, que se transformou no bunker do lulismo, e em São Paulo, o bunker do tucanato.
A presidente Dilma garantiu na Região Nordeste 15,4 milhões de votos, seguida pela candidata do PSB, com quase 6 milhões , e Aécio, com aproximadamente 3,9 milhões. Foram nada menos que 11,5 milhões de diferença. Sem os votos do Nordeste, ela teve no resto do país menos 3,3 milhões em relação a Aécio Neves. Como na eleição de 2010, a presidente venceu no Norte e no Nordeste, e o candidato do PSDB ganhou no Sul, no Sudeste e no Centro-Oeste.
A neutralização dos cerca de 8 milhões de votos de diferença a favor da presidente está, primeiramente, na ampliação dos votos em São Paulo eem Minas Gerais . No seu território político, Aécio teve uma derrota de grande significado negativo, mas provocou uma redução da votação de Dilma em cerca de 1 milhão de votos. Sua derrota por cerca de 500 mil votos, por outro lado, é a confirmação dolorida de que as derrotas anteriores de José Serra e Geraldo Alckmin para Lula e Dilma não foram provocadas pelo corpo mole de Aécio, mas pelas dificuldades de disputar com um petismo forte do estado.
A votação espetacular em São Paulo a favor de Aécio confirmou que o PSDB enfim encontrou seu ponto de equilíbrio como partido — tanto que a primeira fala de Alckmin depois de eleito no primeiro turno, por uma votação esplêndida, foi para dizer que a tarefa do tucanato paulista será levar Aécio à vitória que ele e Serra tentaram, mas não conseguiram. O outro objetivo foi traçado ontem: acrescentar mais 2 milhões a 3 milhões de votos aos que Aécio recebeu no estado, que viriam dos cerca de 5 milhões que Marina obteve.
Isso significaria colocar na frente de Dilma, só em São Paulo, cerca de 6 milhões a 7 milhões de votos, uma diferença que nem mesmo Fernando Henrique Cardoso colocou sobre Lula nas duas eleições em que ganhou no primeiro turno .
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