Se alguém ainda as tinha, o programa político do PT levado ao ar na noite de quinta-feira acabou com quaisquer dúvidas: o governo debate-se em agonia e seu partido perdeu completamente a noção de realidade. A impressão que fica é a de que, perdido por perdido, truco. E foi ao ar uma reedição caprichada das peças de ficção marqueteira sem nenhum compromisso com a verdade que levaram Dilma Rousseff à vitória nas urnas de outubro.
Permitiram-se ainda os desmoralizados e ressentidos salvadores da Pátria uma manifestação de indecoroso desrespeito à maciça maioria dos brasileiros que desaprovam o desempenho da presidente da República, com uma tentativa torpe de ridicularizar os panelaços eleitos por um segmento dessa maioria – a classe média – como meio de demonstrar insatisfação com a situação do País.
É inacreditável que, no fundo do poço de uma impopularidade inédita na história recente da República, Lula, Dilma e o PT tenham a desfaçatez de minimizar os estragos de uma crise pela qual são os principais responsáveis e que atinge, principalmente, aqueles de quem dizem ser defensores exclusivos: os brasileiros pobres, cujo escasso bem-estar se deve – é o que dizem esses populistas irresponsáveis – unicamente à concessão de um governo generoso, alimentado por fontes inesgotáveis de recursos.
É inacreditável que, para o PT, “não acertar em cheio” seja sinônimo dos graves erros que precipitaram a atual crise econômica e que os brasileiros devem se consolar, como afirmou Lula, com o fato de que “nosso pior momento ainda é melhor para o trabalhador do que o pior momento dos governos passados”.
É inacreditável que Dilma ainda se iluda com a possibilidade de retomar o controle do governo com reforma ministerial, quando sabe muito bem que ampliar o “toma lá” não é garantia nenhuma do “dá cá”, porque o Planalto está à mercê do controle que o deputado Eduardo Cunha e o senador Renan Calheiros exercem sobre a “base de apoio” no Congresso.
É inacreditável que a oposição, especialmente o PSDB, excitada com a possibilidade de Dilma ser mandada para casa mais cedo do que se imaginava, e apreensiva com a aparente disposição de Michel Temer de se viabilizar como a solução para a sucessão, passe a digladiar-se internamente, cada cacique tentando fazer prevalecer a solução que melhor atenda a suas ambições.
É inacreditável que Michel Temer – menos por ele próprio e mais pelo que representa, ou seja, o consórcio de aproveitadores do poder denominado PMDB – possa vir a compor um governo com os correligionários que se têm notabilizado no protagonismo político da atual crise.
É inacreditável – se não pelo fato de que existe, mas pela extensão que se revela – que as investigações do escândalo da Petrobrás estejam hoje mostrando ao País que o partido que nasceu com o compromisso de lutar contra “tudo isso que está aí” e impor rigorosos padrões éticos e morais à gestão da coisa pública seja o principal responsável e beneficiário do assalto generalizado ao dinheiro que falta para aprofundar conquistas sociais.
Tudo isso seria, de fato, inacreditável se não fosse a situação real e concreta que deprime diariamente o ânimo dos brasileiros honestos. O enorme repertório de mazelas e contradições que compõem o quadro triste de uma crise que não tem saída previsível é a versão eventual – porque em outras circunstâncias poderia ser diferente – do País que nós, brasileiros, criamos e sustentamos. É preciso não ceder ao ufanismo patriótico de que somos os tais, apenas o que está aí não nos representa. Como não? Este governo foi democraticamente eleito. É óbvio que foi um erro e hoje 7 em cada 10 brasileiros estão convencidos disso. Mas não será um conchavo político, qualquer que seja a forma de que venha a se revestir, que resolverá a crise.
Por paradoxal que possa parecer, a mesma Constituição que garante estabilidade institucional para a realização de eleições livres e a apuração de crimes praticados por protagonistas da vida nacional dificulta e constrange outros aspectos da vida política e administrativa do País. Essa contradição é parte fundamental – mas não única – da crise brasileira, que só será debelada de vez se for erradicada da vida nacional.
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