- Valor Econômico
• A forma discricionária de intervenção e o burocratismo do Estado também terão que ser abandonados
Até o momento o governo não conseguiu apagar a luz amarela na economia brasileira. Entretanto, os riscos de um grande desastre são ainda remotos. É provável que continuemos neste estado letárgico por alguns anos. As expectativas de crescimento da economia brasileira neste ano já se aproximaram de -3% e para os próximos anos -1%. É provável que o quadro econômico ainda deteriore neste ano e sem nenhuma perspectiva concreta de retomada do crescimento nos próximos anos.
Recessão e crise são fenômenos normais numa economia capitalista, particularmente depois de uma forte expansão. Neste processo, a recuperação e retomada do crescimento também são normais e quase que automáticas. São fenômenos cíclicos bem conhecidos. Se isto se aplicasse no atual quadro brasileiro seria normal esperar uma recuperação, no mais tardar, no próximo ano. É no que muitos acreditam, inclusive o nosso ministro da fazenda. O ajuste fiscal e a elevação da taxa de juros estariam em andamento e estas políticas corrigiriam os "excessos" praticados no passado e assim a economia brasileira retomaria em seguida o crescimento econômico.
Entretanto, a atual contração econômica tem uma natureza bem diferente. A economia brasileira, ao longo das últimas décadas, perdeu dinamismo de crescimento, do lado da oferta, com baixa taxa de investimento e perda de produtividade. Tivemos um interregno de crescimento de 2004 a 2011 causado por choque externo, com aumento dos preços de commodities e forte aumento de demanda da China. Este choque externo poderia ter ampliado o potencial de crescimento da economia brasileira se tivéssemos convertido os ganhos em termos de troca em maior taxa de investimento e, tivéssemos feito reformas institucionais.
Estas deveriam aperfeiçoar a política macroeconômica, com um novo regime de taxa de juros e de taxa de câmbio, aliados a novas instituições fiscais compatíveis com crescimento sustentado, como uma profunda e abrangente reforma administrativa e do estado brasileiro, dando-lhes capacitação técnica para promover mudanças, eficiência operacional e principalmente, redefinindo radicalmente a relação estado x mercado, eliminando os excessos de controles burocráticos e as intervenções discricionárias.
Estas reformas voltadas para o rápido desenvolvimento não aconteceram. O que aconteceu foi uma priorização do consumo, com fortes distorções nos preços relativos macroeconômicos básicos, particularmente a taxa de câmbio, aliados à forte expansão do consumo do governo, transferências e subsídios. O resultado foi desestímulo à atividade produtiva, com baixa taxa de investimento, desindustrialização, reduzido dinamismo tecnológico e uma profunda crise fiscal, com consequente crise geral de confiança.
Numa recessão cíclica de uma economia capitalista, isto acontece por que a expansão anterior leva a economia ao pleno emprego e temos inflação. Em regra, o Banco Central, antecipando a aceleração da inflação, eleva a taxa de juros para contrair a demanda gerando recessão e desemprego. Desta forma, controla os salários e a inflação. Uma vez controlada a inflação inverte-se a política monetária, reduzindo a taxa de juros e expandindo os gastos públicos para estimular a demanda agregada e recuperar a atividade econômica.
No Brasil, o que assistimos nos últimos anos foi algo totalmente diferente. O estímulo à demanda agregada com forte expansão dos gastos públicos, num contexto de taxa de câmbio apreciada, foi de um lado forte expansão das importações em detrimento das exportações, principalmente de manufaturados, e de outro forte estímulo ao setor de não-tradables (principalmente serviços pessoais) em detrimento de tradables (manufaturados).
O setor de não-tradables (serviços), por não sofrer concorrência dos importados, não só teve lucratividade aumentada, como pode elevar os salários muito acima do aumento de produtividade, gerando forte pressão inflacionária. A indústria manufatureira, por ser tradable, e sofrer concorrência dos importados, teve seus lucros deprimidos, forte elevação nos custos unitários de trabalho, este último oriundo do setor de serviços.
Em suma, sem um elenco de reformas como as mencionadas acima, a oferta agregada não será dinamizada, pois não se trata de um problema de demanda. É preciso mudanças profundas no Estado brasileiro e investir fortemente na sua capacitação de promovê-las. Com a atual política de taxa de juros do Banco Central e a incerteza em relação à taxa de câmbio será impossível reindustrializar o país, isto é, elevar a taxa de investimento e gerar uma nova dinâmica de aumento de produtividade. A forma discricionária de intervenção e o burocratismo do Estado também terão que ser abandonados para reconquistar a confiança do empresariado nacional.
Os órgãos de regulação que se transformaram em burocráticos e parte do Estado têm que se converter em agências independentes de mediação entre os produtores e consumidores, e que os dois lados confiem. Acima de tudo, é preciso urgentemente aperfeiçoar a representação democrática, tornando-a efetiva, para que o cidadão volte a depositar confiança nas instituições.
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Yoshiaki Nakano, com mestrado e doutorado na Cornell University, é professor e diretor da Escola de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV/EESP)
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