- O Globo
Reforma ministerial com Lula pode ser tiro no pé. A ideia de fazer uma reforma ministerial para fortalecer politicamente um presidente ameaçado por um processo de impeachment já foi até tentada uma vez por Collor com o Ministério dos Notáveis, que contava com grandes nomes, como Célio Borja, Marcílio Marques Moreira, Eliezer Batista, entre outros. Não deu certo.
Na versão atual, com Lula sendo especulado para o Ministério das Relações Exteriores ou da Defesa, a manobra teria um peso político tão grande que a própria presidente seria ofuscada por atos do superministro. Ela ficaria, então, com dois ministros “indemissíveis”, Lula e Temer.
A especulação não é desprovida de sentido, pois se sabe que uma ideia do candidato do PSDB Aécio Neves era chamar o ex-presidente Fernando Henrique para o mesmo cargo no Itamaraty. E Lula nem mesmo seria o primeiro chanceler monoglota, pois o ex-presidente Itamar Franco chegou a nomear José Aparecido de Oliveira para chanceler, o que não se concretizou por problemas de saúde.
O que diferencia a intenção e a prática é o momento político. Se Lula realmente assumir um ministério, pode ser mais um elemento para desencadear um processo de impeachment.
Dilma, com o convite, escancaradamente estaria tentando acobertar o ex-presidente com o foro privilegiado, blindando-o contra investigações, que já estão sendo desenvolvidas no Ministério Público de Brasília, e eventualmente na Operação Lava-Jato.
Se ficar provado que a presidente age para evitar que as instituições investiguem livremente, poderá estar ferindo mais uma vez a lei 1.079/50 (Lei dos Crimes de Responsabilidade). De acordo com essa lei, são crimes de responsabilidade contra a probidade na administração não tornar efetiva a responsabilidade dos seus subordinados, quando manifesta em delitos funcionais ou na prática de atos contrários à Constituição, além de expedir ordens ou fazer requisição de forma contrária às disposições expressas da Constituição.
Também é crime de responsabilidade infringir, no provimento dos cargos públicos, as normas legais e, o que é mais importante, proceder de modo incompatível com a dignidade, a honra e o decoro do cargo. E certamente a crise tende a se aprofundar se Lula se infiltrar no governo e, a partir da máquina pública, buscar manipular provas e informações em seu favor.
As provas contra ele colhidas na Lava-Jato seriam remetidas imediatamente ao crivo do Supremo Tribunal Federal e ao procurador-geral da República, Rodrigo Janot. A ideia é que seria muito difícil um pedido de prisão preventiva partir do procurador-geral — até agora ele não pediu preventiva de ninguém.
Espera-se de Dilma, no mínimo, isenção e até colaboração firme com as autoridades do Ministério Público e do Judiciário, inclusive para apurar atos de seu antecessor, se comprovadamente ilícitos.
Se Dilma alçasse Lula ao cargo de ministro de Estado — sobretudo ministro das Relações Exteriores — justamente no momento em que ele se vê enredado em suspeitas de corrupção, inclusive submetido a investigação criminal não trancada pelo Conselho Nacional do Ministério Público, certamente haveria uma forte suspeição de que seu proceder seria marcado por desvio de finalidade.
E qual o desvio de finalidade? A finalidade real de proteger seu padrinho político contra investigação da Lava-Jato, retirando-o da mira dos procuradores da República e do juiz Sérgio Moro.
Seria uma conduta atentatória à honra e à dignidade do cargo de presidente da República proceder dessa forma? Mais uma vez, assim como no caso das “pedaladas” fiscais e de outras irregularidades orçamentárias, tudo dependerá do Congresso Nacional, pois a avaliação sobre o crime de responsabilidade é um poder exclusivamente político.
Seria um risco muito grande, inclusive porque pode não impedir o ajuizamento de ações de improbidade contra seu padrinho político. O STF vem entendendo que ministros de Estado não gozam de prerrogativa de foro, e que a lei de improbidade se aplica a essas autoridades em primeira instância.
Nesse caso, nada impediria que membros do Ministério Público, em primeiro grau, investigassem as consultorias de Lula pela luz da lei 8.429/92, que é a lei de improbidade administrativa.
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