A eleição para o Congresso venezuelano, em 6 de dezembro, pode colocar pela primeira vez o chavismo em minoria parlamentar, destruindo o principal pilar que sustentou e deu carta branca às ações de Hugo Chávez e, agora, Nicolás Maduro. No pleito presidencial, a oposição perdeu para Maduro por apenas um ponto percentual. De lá para cá, a situação econômica só piorou, ampliando as chances eleitorais dos oposicionistas. Maduro se prepara não só para impedir essa vitória, como também para que eventuais fraudes, que jamais serão vistas como tais pela Comissão Nacional Eleitoral e a Justiça, sob comando chavista, sejam apontadas por observadores internacionais. O veto a Nelson Jobim, indicado pelo governo do Brasil para chefiar a missão de observadores da União das Nações Sul-Americanas (Unasul), demonstra as intenções do governo venezuelano e é um rude golpe na amistosa política externa brasileira em relação aos governos chavistas.
Os governos de Lula, e depois Dilma Rousseff, sempre evitaram condenar a segura e nada gradual destruição das instituições democráticas na Venezuela, desde os tempos de Chávez. A estupidez e primitivismo das elites daquele país, que patrocinaram um golpe de Estado fracassado, não justificaram o estreitamento cada vez maior dos canais de participação política de correntes que aceitaram a disputa de poder pelas vias legais. Sem Chávez, com seu carisma e apoio popular indiscutível, o chavismo tende a soçobrar em um jogo limpo eleitoral.
Com a sobrevivência em jogo, Maduro e seus aliados na Unasul fecharam qualquer chance de que o pleito seja acompanhado pelo mundo. Dessa vez, não se trata apenas de observadores imparciais - não foram convidadas a Organização dos Estados Americanos (OEA) ou a Fundação Carter, por exemplo. O clube fechado da Unasul indicaria representantes e mesmo um representante de país fraternal e compreensivo como o Brasil não foi tido como garantia suficiente para Maduro. Nos bastidores, pressiona-se para que um amigo dos bolivarianos, o ex-chanceler argentino, Jorge Taiana, comande a equipe de "espectadores" e não "observadores", como Jobim qualificou a missão após conhecer suas restritivas regras.
As normas não respeitam os princípios de fiscalização sancionados pela ONU, União Europeia e OEA. Entre esses princípios estão a autonomia dos observadores, seu acesso irrestrito a todos os passos do processo eleitoral e a todas as forças políticas, além da liberdade para dar declarações e divulgar publicamente relatórios de conclusões e recomendações. A Venezuela exige aprovação explícita de autoridades para reuniões com envolvidos na disputa eleitoral, traçou plano estrito para a monitoração e os responsáveis pelo "acompanhamento eleitoral" terão de abster-se de declarações públicas até o resultado final, enquanto que seu relatório e conclusões serão confidenciais (Valor, 19 de outubro).
Com tamanhas precauções, teme-se uma farsa de grandes proporções. Parte dos Estados de fronteira venezuelanos estão sob estado de sítio, depois das provocações feitas à Colômbia. Os distritos eleitorais foram redesenhados em favor dos candidatos governistas. Autoridades eleitorais estão vetando nomes indicados pela oposição. A máquina do governo está em pleno funcionamento. Nos últimos dias Maduro anunciou aumento de 30% do salário mínimo, do soldo das Forças Armadas e prometeu estabelecer teto máximo de 30% para a margem de lucro das empresas.
O reajuste do mínimo dá ideia das condições deploráveis de uma economia desgovernada. Ao atingir 9.649 bolívares, o mínimo passa a valer US$ 1.531 pelo câmbio oficial (6,3 bolívares) ou míseros US$ 48 pelo câmbio paralelo. A inflação prevista pelo FMI irá a 150% em 2015, com uma recessão que deverá reduzir o PIB em 10%. O governo de Maduro sequer usou o expediente argentino e se dignou a adulterar o índice de inflação - ele simplesmente parou há meses de divulgar o índice de preços ao consumidor e o comportamento do PIB.
O governo brasileiro deveria interceder firmemente para fazer valer a "observação objetiva, imparcial e abrangente" apontada como necessária pelo TSE e sugerir a seu autoritário parceiro do Mercosul que o bloco possui uma "cláusula democrática" para ser usada em caso de pleitos de cartas marcadas como o que está se armando à luz do dia.
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