O governo da Venezuela segue firme no rumo da autocracia. No início do mês, a Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP, na sigla em espanhol) afirmou que já não se pode considerar o regime vigente na Venezuela nem como uma “democracia precária”. As reiteradas violações do Estado de Direito e das liberdades fundamentais determinam que se considere o regime uma ditadura, declarou a entidade.
A constatação da grave situação venezuelana é agora reforçada pela resistência do governo em permitir um “trabalho de observação objetivo, imparcial e abrangente” nas próximas eleições parlamentares, conforme denuncia o Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
As autoridades venezuelanas acharam-se no direito de rejeitar o nome proposto pelo Brasil – Nelson Jobim, ex-ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) – para presidir a missão da União de Nações Sul-Americanas (Unasul) constituída para acompanhar as eleições de dezembro. Querem alguém mais alinhado com suas estripulias ditatoriais.
Ainda que o nome de Jobim tenha sido aprovado pela Presidência da República e pelo Itamaraty, nem a presidente da República Dilma Rousseff nem o chanceler Mauro Vieira denunciaram o evidente abuso de Maduro, que quer escolher até quem preside uma comissão que só tem sentido se for independente. Preferiram o silêncio cúmplice, deixando o TSE sozinho na denúncia de que foi impedido de “acompanhar a auditoria do sistema eletrônico de votação”, bem como de “iniciar a avaliação da observância da equidade na contenda eleitoral, o que, a menos de dois meses das eleições, inviabiliza uma observação adequada”.
A questão, no entanto, não se resume à recusa do nome de Jobim. O governo venezuelano não concordou em conceder à missão de observadores livre acesso às seções eleitorais. Deseja que o trabalho de fiscalização fique restrito a algumas zonas eleitorais previamente escolhidas pelos homens de Maduro.
O governo venezuelano quer uma missão da Unasul amordaçada e rejeitou a proposta brasileira de garantir que a missão de observadores pudesse emitir um parecer final sobre as eleições, após a divulgação do resultado das urnas. É ver e dar a bênção – nada de ficar emitindo opinião. É o que convém a uma ditadura.
Nicolás Maduro não quer observadores isentos. Deseja que a missão da Unasul sirva apenas para legitimar sua farsa eleitoral. Ao menos nisso, o presidente venezuelano é explícito. Faz questão que os integrantes da missão da Unasul não sejam tratados como “observadores”. Estarão lá como meros “acompanhantes do processo eleitoral” e, ainda por cima, sem qualquer prerrogativa diplomática.
Frente a esse tipo de atitude do governo venezuelano, bem reagiu o TSE afirmando que não participará da missão da Unasul às eleições parlamentares naquele país. A proposta do tribunal brasileiro visava simplesmente “verificar se as condições institucionais vigentes no país asseguram equidade na disputa eleitoral”. No entanto, isso é demasiado arriscado para Maduro.
A situação na Venezuela é grave. Não há imprensa livre. Não existem veículos de comunicação independentes que não tenham sido vítimas da censura do governo. Diversas leis foram criadas para constranger o trabalho jornalístico, ao arrepio do que prevê a Constituição venezuelana, que garante a liberdade de expressão. As empresas de mídia sofrem de asfixia econômica. E os donos dos meios que ousam desafiar o pensamento único são vítimas de processos judiciais viciados. Segundo relatório da Comissão de Liberdade de Imprensa e Informação da SIP, houve na Venezuela, somente no último semestre, cerca de “300 violações dos direitos à liberdade de expressão, ataques a jornalistas, criminalização da atividade jornalística e limitações do acesso à informação”.
Não há imprensa livre. Não há eleições livres. Continua a haver, no entanto, o imoral apoio do governo brasileiro a tudo isso. Até quando o Palácio do Planalto fingirá que nada vê?
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