Medidas desesperadas
• A poucas semanas de pleito legislativo, Maduro aumenta controle de preços e faz ameaças
Marina Gonçalves – O Globo
CARACAS - Sob risco de derrota na eleição, o presidente Maduro ampliou controle de preços na Venezuela e disse à oposição que, se perder, iniciará nova fase na “revolução bolivariana”. A queda do PIB prevista para este ano na Venezuela é de 10%, segundo cálculos do Fundo Monetário Internacional (FMI). A inflação deve ficar em 159,1%, de acordo com as projeções mais otimistas, e pode subir a 204,1% no ano seguinte — mesmo que o presidente Nicolás Maduro fale em 85%. O desemprego, por sua vez, deve alcançar 14%, mais do que o dobro do país latino-americano em segundo lugar, a Colômbia, com 8,9%. E a poucas semanas das eleições legislativas “mais difíceis para o chavismo”, como já reconheceu o presidente, a solução encontrada foi endurecer ainda mais o discurso contra a oposição e a política de controle de preços, incrementar as sanções aos especuladores e aumentar salários, numa última tentativa de recuperar os votos perdidos. Em seu programa semanal de rádio e televisão, na terça-feira, o presidente ainda convocou seus partidários a ganhar as eleições “seja como for”.
— O pior que que pode acontecer a esses ricões é ganharem as eleições, porque começaria uma nova etapa da revolução bolivariana — disse em tom ameaçador, referindo-se à oposição, continuando com a retórica de “guerra econômica” que acusa os adversários de travarem contra seu governo. — A revolução não vai se entregar jamais. Vamos ganhar como for, com guerra econômica, com guerra elétrica. Vamos ganhar com a paz e com o povo, como sempre. Vamos apertar a lei de preços justos. Estamos elevando as penas de prisão porque a lei tem que voltar a ser implacável em tempos de guerra econômica.
No discurso na TV estatal, Maduro advertiu que as sanções afetarão os que violam o controle cambial e fixam preços tomando como referência o dólar paralelo — 125 vezes mais caro que a menor taxa oficial. As últimas pesquisas, que dão vitória clara à oposição em dezembro, já haviam acelerado outras medidas. Desde a semana passada, o presidente subiu o salário mínimo e anunciou também aumentos de 30% para as Forças Armadas e o funcionalismo público, além de liberar 110 mil novas pensões a idosos.
Segundo analistas, efeito será inverso
Para Víctor Álvarez, pesquisador do Centro Internacional Miranda e ministro de Indústria e Mineração no governo de Hugo Chávez, o aumento de salários, no entanto, não compensa a perda do poder de compra dos venezuelanos nos últimos anos. E pode ter um efeito inverso, agravando ainda mais a situação econômica.
— Isso sem dúvida terá um reflexo nas eleições e trará um custo político que foi reconhecido explicitamente pelo próprio presidente. Hoje há uma situação em que se reconhece o cansaço e a fadiga das bases sociais que tradicionalmente apoiaram a revolução bolivariana. É um desgaste inevitável após 16 anos no poder — explica ao GLOBO. — São medidas clássicas tomadas perto do processo eleitoral, que costumam ser usadas como válvula de escape para a população cada vez mais descontente. Mas seu efeito atual é contraproducente, já que aumenta os gastos públicos sem um aumento equivalente na produção de bens e serviços.
Analistas advertem, ainda, que é justamente o controle de preços e do sistema cambial o causador das distorções na economia, já que desestimulam a produção nacional. De fato, não é de hoje que o governo tenta baixar a inflação estabelecendo controle de preços. Até agora, no entanto, o resultado foi um desabastecimento generalizado de produtos básicos, filas enormes nos supermercados e aumento do mercado negro — que torna mais rentável a revenda ou o contrabando de produtos sob intervenção.
Para o vice-presidente do Conselho Nacional de Comércios e Serviços (Consecomercio), Alfonso Riera, as sanções por si só também não resolvem a queda de produção, já que é justamente o controle do câmbio que impede que se realizem novos negócios.
— Para corrigir esta situação, é fundamental construir uma interdependência entre o setor público e o setor privado — disse à Rádio União. — Se não permitem que o comerciante tenha estoques dos produtos, se ele não pode vender e tomam medidas que aumentam os custos e as despesas, torna-se impraticável gerar negócios no país.
Álvarez alerta que a inflação real será em torno de 180%, fazendo com que o país caia do quarto para o oitavo lugar dentre as economias da região.
— Por ser maior, a inflação anula o aumento do salário. Nominalmente os trabalhadores estão ganhando mais dinheiro, mas realmente podem comprar menos bens. E aos problemas de inflação, se somam os de escassez. É praticamente uma proeza conseguir comprar os produtos da cesta básica venezuelana.
Governo manda prender magnata
E em meio à crise, ontem deputados do governista PSUV pediram a abertura de uma investigação contra o maior magnata de alimentos do país, que estaria supostamente “conspirando contra o governo”. Três dias antes, o próprio Maduro acusou o empresario Lorenzo Mendoza, do conglomerado de alimentos Polar, de liderar uma “guerra econômica contra a Venezuela”, a fim de entregar o controle do país para o FMI. O secretário-executivo da coalizão Mesa da Unidade Democrática , Jesús Torrealba, afirmou que a denúncia tem “objetivo eleitoreiro”.
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